Por João Feres Jr, Fernanda Cavassana, André Madruga e Lidiane Vieira, no Manchetômetro
No dia 29 de março, a Folha de S.Paulo publicou matéria do seu “repórter especial”, Naief Haddad, dedicada a defender a narrativa de que o jornal se posicionou de forma crítica em relação à Operação Lava Jato nos últimos sete anos, “como preconiza o Projeto Folha” (sic). O jornalista até se arrisca a contar matérias para tentar provar seu ponto. No texto, ele lista 65 textos publicados de 2014 a 2020, que supostamente manifestariam essa postura crítica em relação à força-tarefa. Haddad ainda acrescenta que a Folha, além de cobrir todas as etapas da notória operação, “deu voz ao outro lado”.
É muito interessante observar como, somente agora, com o posicionamento do STF sobre a suspeição de Moro e a inocência de Lula, o jornal busque ressaltar um suposto histórico de atuação jornalística crítica ao Judiciário e, especificamente, à Lava Jato nos últimos anos. Como sabemos, a cobertura que a grande imprensa brasileira fez da Lava Jato foi amplamente alinhada à acusação. Confirmando as declarações dos Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski a respeito da parcialidade da mídia nesse lamentável episódio, a própria assessora de imprensa da Operação declarou em entrevista ao The Intercept Brasil em 2018, que “a imprensa comprava tudo” e que “as coisas eram simplesmente publicadas”.
Embora tenha veiculado algumas notícias sobre as denúncias de parcialidade, conduta e relações em torno do MP, da PF e da Justiça Federal, são editoriais e artigos de opinião que revelam o posicionamento favorável das mídias, entre elas a Folha, diante do tema. Assim, ao contrário do que pretende fazer parecer o artigo de Haddad, a imprensa foi responsável por enaltecer a Lava Jato, emprestando um tom heroico às ações da Força Tarefa e do juiz Moro, como se fossem salvadores da pátria.
No que toca especificamente sobre a Folha, sua cumplicidade com a Lava Jato está presente desde o início da cobertura. Há diversas formas de mostrarmos como o jornal não realizou a cobertura crítica que menciona ter feito. Poderíamos, em primeira ordem, questionar diretamente a própria publicação da Folha que destaca uma quantidade mísera de textos críticos a uma operação que gerou consequências tão graves para a democracia brasileira. Segundo o jornal, ao longo de 84 meses (ou 7 anos), 65 textos expressavam posição crítica à Lava Jato. Isso equivale a menos de uma crítica por mês. Contudo, quando observamos de perto a distribuição temporal, constatamos que tais publicações se concentram nos últimos três anos. Após o vazamento das mensagens trocadas por Moro e a equipe de procuradores, a imagem pública da força-tarefa começou a corroer.
Em homenagem aos 100 anos da Folha, vamos nesta Série M prestar uma homenagem ao jornal resgatando a memória recente de seu posicionamento frente à Lava Jato, tarefa na qual, ao nosso ver, Haddad falha fragorosamente.
Os verdadeiros números da Folha
A discordância em relação à narrativa apresentada por Haddad começa pelo método. Para provar seu ponto, amplamente favorável à imagem do jornal, ele conta somente reportagens. Isso é peculiar, pois reportagens deveriam ser, segundo os padrões de profissionalismo aos quais a Folha e outros jornalões brasileiros declaram aderir, textos balanceados e normativamente neutros. Ou seja, as reportagens da Folha não deveriam ser críticas à Lava Jato, mas supondo que fossem, como Haddad quer, então seus textos opinativos deveriam manifestar igualmente, ou até em maior intensidade, tal posição crítica.
Pois a base de dados do Manchetômetro é ideal para testar tal hipótese, pois ela contém, além de manchetes e chamadas de capa, todos os textos opinativos das páginas “2 e 3” dos jornalões, isto é, os editoriais e as colunas e artigos de opinião. Pois bem, entre 2015 e 2018, nossa base registra 1.774 textos publicados pela Folha de S.Paulo que mencionam a operação, um total 27,3 vezes maior que os 65 textos “críticos” listados por Haddad.
Já em 2015, a Folha publicou artigo de opinião de Deltan Dallagnol, no qual defendia maior agilidade dos processos jurídicos, em tom crítico às várias etapas e instâncias de jurisdição no país. Na época, o Ministério Público lançava a campanha “10 medidas contra a corrupção” e defendia maior poder e independência de julgamento e punição dos casos de corrupção em primeira instância. Nas palavras do procurador, era “necessário mudar o sistema”. Nesse texto, publicado em 28 de agosto de 2015, Dallagnol enaltece a Lava Jato como uma “chama de esperança” e como “um ponto fora da curva” no judiciário brasileiro, afirmando que ela deveria ser priorizada na Justiça e, com isso, “resultar num julgamento bastante rápido”. O procurador de Curitiba ainda destaca que a primeira pessoa a apoiar a proposta das 10 medidas apresentadas pelo MPF foi Sérgio Moro.
Desde 2016, o Manchetômetro passou a analisar o tratamento dado a Sérgio Moro nos jornais. Como o gráfico ao lado mostra, há destaque para a valência neutra das publicações da Folha que fazem referência a ele em todos os anos, com exceção de 2019, quando a ênfase torna-se negativa. Cabe lembrar que isso ocorreu quando Moro já havia se tornado Ministro da Justiça e Segurança Pública no gabinete de Bolsonaro. Textos com as demais valências – favorável e ambivalente – também são mais numerosos em 2019 que nos demais períodos, o que reforça a visibilidade obtida pelo magistrado na condição de ministro de Bolsonaro.
Foi justamente em 2019 que ocorreu a chamada “Vaza Jato”. Logo após The Intercept Brasil dar início à série de reportagens investigativas, a Folha publicou editorial sobre o assunto. Destacou que a Lava Jato tinha “uma obra invejável a defender” e ressaltou que as mensagens trocadas foram obtidas “por meio de ato ilícito”. Como o próprio editorial afirma, as mensagens vazadas indicavam que “o juiz nem sempre observou a equidistância entre acusação e defesa”. Desse modo, era de se esperar que a cobertura noticiosa, os artigos de opinião e os editoriais que abordassem o então ministro de Bolsonaro pudessem concentrar enquadramento contrário a ele.
Comparativamente, em 2020, a presença de Moro nas chamadas, manchetes e textos opinativos da Folha diminui, mas cresceu sua neutralidade em relação ao ex-juiz nas publicações. Embora tenha saído do governo no segundo ano de mandato, a quantidade de textos favoráveis ao magistrado se mantém próxima à dos anos anteriores. Cabe destacar que foi a Folha de S.Paulo o jornal que veiculou matéria especulativa sobre possíveis reuniões e alianças políticas entre Sérgio Moro e o apresentador global Luciano Huck, indicando possibilidades de uma chapa presidencial. A matéria vendia a “provável candidatura” como uma saída “de centro”, quase necessária perante ao quadro de polarização política nacional pintado pelo jornal – tal tema já foi objeto de nossa análise em outro artigo da Série M. Ou seja, entre a saída de Moro do Governo Federal e seu julgamento pelo STF, o jornal continuou enaltecendo-o como solução viável, senão desejável, para a política nacional.
A Folha e as investigações sobre Lula
Outro assunto destacado por Haddad em seu texto elegíaco é o tratamento dado a Lula. Em rápida pesquisa nos acervos do jornal, observamos que em momentos já históricos da atuação do ex-juiz, a Folha não apenas se eximiu das críticas, como comprou, quase integralmente, a versão do Ministério Público e de Moro. Isso fica evidente em editoriais, artigos de opinião, mas também em reportagens contrárias ao ex-presidente Lula, que se tornou o principal alvo da Lava Jato.
Uma das atuações de destaque da Folha acerca do assunto foi a reportagem sobre reformas no sítio frequentado por Lula em Atibaia – SP, publicada em janeiro de 2016. Além de entrevista sobre reformas pagas pela Odebrecht no sítio, a reportagem traz nomes, linha-do-tempo e informações de outro imóvel que supostamente pertenceria ao ex-presidente, o apartamento tríplex no Guarujá, com claro tom de denuncismo midiático. A matéria ainda recebeu o “Prêmio Folha de Jornalismo”, edição 2016. Segundo as palavras do próprio jornal, o reconhecimento foi necessário porque “a reportagem lançou luz sobre as relações de Lula (que, oficialmente, não é o dono do sítio) com a empreiteira”. Com tal ênfase, a Folha se coloca como agente ativo do processo de denúncia e reclama reconhecimento por essa e por ações subsequentes na própria Lava Jato. O texto que divulga a premiação reforça que “pouco mais de um mês após a publicação do texto, o ex-presidente, alvo da 24ª fase da Lava Jato, foi levado à Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para depor sobre o caso”, se gabando, portanto, de ter sido motivo para uma das ações mais arbitrárias de Moro nos processos da Lava Jato: a condução coercitiva do petista.
Sobre esse episódio, a Folha publicou o editorial intitulado “Vitimização” no dia 5/03/2016. Nele, o jornal destaca a importância do tratamento dado pela PF ao ex-presidente, afirmando: “a condução coercitiva do ex-presidente Lula às dependências da Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, teve o efeito de reiterar a amplitude e o peso das suspeitas que o cercam (…) Num regime republicano, todos são iguais perante a lei. O PT e seus líderes, assim como qualquer outro agrupamento político, terão de responder pelas irregularidades que hajam cometido”. O editorial ainda ataca o partido e os apoiadores de Lula ao ressaltar que “a retórica lulista nunca soou tão inconvincente, e inadequada, como agora”. É digno de nota o fato de Haddad não ter atentado em seu artigo para essas expressões inflamadas de adesismo lavajatista do jornal.
Ainda em março de 2016, Moro divulgou o grampo da ligação entre Lula e Dilma, então presidente da República. No dia 17/03/2016, a manchete da Folha denuncia o suposto comprometimento de Dilma: “Presidente atuou para evitar a prisão de Lula, indica gravação”. Notemos que em um contexto em que Dilma, Lula e seus apoiadores negavam veementemente tal interpretação, o jornal optou pelo ato de tomar o partido da Lava Jato em sua manchete.
Em editorial no mesmo dia, intitulado “É o fim”, a Folha incentiva as manifestações pró-impeachment, que estavam prestes a atingir seu auge: “Divulgou-se a gravação de uma conversa entre Lula e Dilma Rousseff (PT), na qual se escutam claras indicações de que não se resumiam a raciocínios políticos os objetivos da nomeação (…) Como entender tal conversa se não como um verdadeiro acerto entre elementos interessados em fugir ao alcance da lei? A dupla superou, com certeza, tudo o que já se tinha visto no PT e arredores em matéria de cinismo, de imprudência e provocação”. O tom antipetista da passagem é impossível esconder. Some-se a isso o fato de que o editorial em momento algum examina a tese de que Lula de fato tinha direito de ser nomeado ministro, e Dilma de nomeá-lo para tal cargo, a despeito de suas motivações.
Em texto opinativo com título “Moro não é o vilão”, publicado na Folha no dia 24/03/2016, Rogério Gentile faz uso de expressões antipetistas como uma referência criptica às “viúvas do Lula de 1989” ou alcunhar Lula de “líder do partido envolvido na pilhagem da Petrobras’, enquanto Moro é apresentado como aquele que, a despeito de seus deslizes, está fazendo a coisa certa.
Em 12 de julho de 2017, Lula foi condenado por Moro. No dia seguinte, em artigo de opinião, o professor da FGV-SP, Carlos Sundfeld, convidado como especialista pelo jornal, defende que “Moro foi técnico no processo penal em que condenou Lula”. Sundfeld ainda diz que “era natural que a importância do caso e a postura agressiva da defesa fizessem o juiz tomar cuidado no relato e análise do processo e dos fatos apurados”. Embora a defesa de Lula questionasse a falta de provas na decisão – preocupação que mais tarde viemos a saber era também a de Deltan Dallagnol –, a análise do professor encomendada pelo jornal apontava que “a sentença saiu longa e bem elaborada, como esperado, e não deixou muito espaço para uma anulação por falhas apenas formais”. O número de juristas de reputação que discordaram da sentença de Moro é grande, mas a Folha não encontrou espaço em suas páginas para suas opiniões quando do sentenciamento do petista.
Em seguida, em 24 janeiro de 2018, a pena de Lula foi aumentada pelo TRF-4. No dia seguinte, em editorial intitulado “Condenado”, a Folha comemora a confirmação da condenação de Moro, destacando a atuação dos desembargadores que, segundo o jornal, tiveram “longa e paciente atenção aos detalhes do caso”. O jornal afirma que “não há como apontar sinais de espetacularização, exibicionismo ou paixão política na atitude dos três desembargadores”. A Folha, mais uma vez, alfineta os partidários de Lula que buscaram questionar as denúncias e julgamentos. O jornal destaca que “chamar o caso de ‘polêmico’ atende mais à realidade dos debates políticos que suscitou do que ao detalhe dos elementos jurídicos de que se compõe”. Ainda segundo o texto, “os acontecimentos, os testemunhos, a documentação e o encadeamento lógico do que se narra nos autos dificilmente conduziram à conclusão diversa daquela a que chegaram os desembargadores. Parece sólido o entendimento do TRF, e inverossímil a argumentação dos partidários de Lula”.
Em suma, o jornal preferiu ignorar as opiniões dos advogados do petista, dos juristas críticos à Lava Jato e as evidências de que o julgamento do TRF-4 tenha incorrido em problemas, como a proximidade entre Moro e alguns dos desembargadores e a celeridade em que o caso transcorreu. Mais uma vez, as evidências coletadas pelo hacker de Araraquara indicaram a falta de lisura desse julgamento.
Já em relação ao julgamento de habeas corpus pelo STF, que sacramentou a prisão de Lula, o editorial “Duas atitudes”, publicado pela Folha no dia 06/04/2018, condena o contraste entre as condutas de Rosa Weber (contra o HC) e Gilmar Mendes (pró-HC). Claramente, o jornal se coloca contrário à requisição da defesa de Lula e mostra inconformismo com a possibilidade do debate jurídico acerca de sua concessão. Mais uma vez, a Folha ultrapassa os limites da atuação jornalística se arrogando competência jurídica. Nas palavras do jornal, o “Supremo Tribunal Federal selou a sorte do habeas corpus requerido pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado por corrupção e lavagem de dinheiro – e cuja prisão foi decretada já no dia seguinte. Em princípio, o caso não teria por que ser considerado de especial complexidade. (…) O habeas corpus só se justificaria caso se comprovasse ilegal, abusiva ou teratológica (monstruosa) a atitude do STJ”. No dia 7 de abril, Lula foi preso, na sede da PF de Curitiba, onde passou 580 dias.
Em 2018, o desembargador plantonista do TRF-4, Rogério Favreto, acatou pedido da defesa de Lula e mandou soltar o petista. A decisão durou pouco, Moro (mesmo de férias), imprensa e adversários políticos se mobilizaram contra o ex-presidente. Em editorial intitulado “Várzea jurídica”, de 18 de julho de 2018, a Folha deixa clara a sua posição. “O juiz (Rogério Favreto) determinou a soltura de Lula, acatando o argumento deveras questionável, apresentado por três deputados do PT, de que o ex-mandatário, na condição de pré-candidato ao Planalto, vê-se impedido de participar de entrevistas, sabatinas e outros eventos relacionados a sua pretensão. Com a operação, o PT decerto conseguiu elementos para reforçar sua tese de que membros da Lava Jato, Moro em particular, dedicam atenção anormal a Lula – o que em nada contribui, todavia, para suas alegações de inocência. Tivesse a libertação sido consumada, mesmo que por pouco tempo, haveria a chance de promover imagens e declarações para o eleitorado cativo e simpatizante. (…) Salvo algum casuísmo jurídico extremo, a estratégia não tornará Lula elegível, esteja preso ou solto. A postulação momentânea busca manter a coesão de aliados e militantes, à custa de insuflar conflitos e postergar a discussão programática”. Mais uma vez o jornal prefere defender a reputação de Moro, ao rejeitar sua parcialidade em relação a Lula, fato que já era levantado por muitos críticos da Lava Jato na época e que foi exaustivamente comprovado pelos vazamentos.
Em nova atitude controversa, Moro suspendeu o sigilo da delação premiada de Antonio Palocci, ex-ministro de Dilma e de Lula, durante a disputa presidencial de 2018, que seria vencida por seu futuro chefe, Jair Bolsonaro. Mesmo requentada e sem apresentar provas, a grande mídia repercutiu a ação do juiz como notícia “quente”, o que denuncia intento de produzir impacto eleitoral. O depoimento do ex-ministro de Ribeirão Preto foi debatido no editorial “Fantasmas petistas”, de 03/10/2018, no qual a Folha ensaia uma crítica à ação do juiz: “Sergio Moro, num ato de oportunidade duvidosa, decidiu divulgar parte da delação de Antonio Palocci, ex-ministro e banido do PT. Não há muito de propriamente novo nas acusações de Palocci, nem se conhecem provas que a corroborem”. Contudo, fica claro que o que parecia crítica era somente uma estratégia retórica para se afirmar o contrário: “entretanto, elas reavivam a memória das múltiplas investigações a respeito de propinas, superfaturamentos e caixa dois nas campanhas petistas”, afirma o texto, manifestando clara predileção pelo efeito eleitoral danoso da ação.
Claramente o jornal compra a artimanha de Moro e da Lava Jato para se posicionar contra a candidatura petista no decisivo segundo turno, ao ressaltar que Fernando “Haddad tem contestado os fundamentos da condenação de Lula por corrupção. Muito mais difícil é convencer que seu mentor nada sabia sobre o estupendo volume de negócios escusos nas administrações de seu partido”. O editorial ainda acrescenta que esses temas “nunca mereceram a devida autocrítica por parte de sua legenda”. O candidato Haddad é descrito como um político que apresenta um discurso conciliador na política e moderado na economia, mas que busca se distanciar dos desvios da Petrobrás e da crise econômica, o que seria tarefa árdua “quando personificações das práticas mais nefastas associadas aos governos do PT voltam à cena”.
A boa autocrítica é a alheia
Como já ressaltamos na série de estudos sobre a cobertura da Vaza Jato produzida pelo Manchetômetro, a Folha foi, entre os grandes jornais, o que mais noticiou o conteúdo dos vazamentos. Isso só se deu em meados de 2019, entretanto. Até aí, o jornal acolheu as ações de Moro e dos procuradores de maneira bastante entusiasmada, a despeito de serem bastante controversas do ponto de vista do correto procedimento legal. Como mostramos aqui, esse entusiasmo frequentemente foi expresso em retórica acentuadamente misopetista, evidência de que a grande mídia teve um papel fundamental na criação do atual ambiente ideológico.
O radicalismo de extrema direita só conquistou o mais alto posto político do país devido a uma profunda crise de legitimidade da representação política, calcada em amplo sentimento antipartidário e, particularmente, misopetista, partilhado por amplos setores da população. Tais sentimentos foram, por anos a fio, instilados pelas grandes empresas jornalísticas nacionais, e desde 2014 a Lava Jato tem sido o grande assunto em torno do qual eles foram catalisados. Entre seus pares midiáticos, a Folha, infelizmente, não é exceção. Nesse sentido, esse jornal, que adota o slogan “um jornal a serviço da democracia”, poderia – em respeito senão à democracia brasileira ou aos seus cidadãos, mas ao menos a seus leitores/consumidores – fazer um mea culpa, ao invés de premiar suas próprias reportagens ou, o que é pior, comissionar jornalistas por ela empregados para coser narrativas fantasiosas acerca da vigilância crítica do jornal em relação à Lava Jato e a Sérgio Moro. Contudo, nem a cobertura laudatória praticada até recentemente, nem a falsificação dessa atitude lamentável do jornal, agora que a Operação caiu em desgraça, prestam qualquer serviço à democracia, muito pelo contrário.
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Ilustração: Aroeira