Autuado por desmatar área de preservação, Nelson Barbudo quer limitar multas ambientais a R$ 5 mil

Deputado bolsonarista, o pecuarista já ameaçou invadir terra indígena, defende a exploração econômica dessas áreas e insultou Dom Pedro Casaldáliga; foi ele quem apresentou frasco misterioso ao ministro da Ciência como se fosse “solução contra Covid”

Por Lázaro Thor Borges e Luís Indriunas, em De Olho nos Ruralistas

O deputado federal Nelson Barbudo (PSL-MT) é autor de um projeto de lei que prevê a limitação de multas ambientais em até R$ 5 mil. O fazendeiro Nelson Ned Previdente, seu nome verdadeiro, foi autuado em R$ 78 mil, em 2005, por desmatamento em Área de Preservação Permanente (APP) dentro de sua propriedade.

Enquanto se defende da multa na Justiça, no Congresso ele é autor do Projeto de Lei 4664, de setembro de 2020, que visa limitar drasticamente as multas que não poderão “exceder a 3% do valor do imóvel ou cinco mil reais na primeira multa, no caso de imóvel rural, e a 5% da renda líquida média mensal anual, no caso de estabelecimento comercial rural ou urbano”.

Boa parte do trabalho parlamentar de Barbudo é defender quem desmata. Outro projeto de lei de sua autoria quer facilitar a liberação de veículos e equipamentos apreendidos em fiscalização ambiental.

Mas seu alvo preferido são os indígenas: “Ruralista sem terras, Nelson Barbudo é acusado de incentivar invasões de terra dos Xavante“. Quando morreu o bispo emérito de São Félix do Xingu, dom Pedro Casaldáliga, o político manifestou-se desta forma: “Bolsonarista, deputado Barbudo diz que Dom Pedro Casaldáliga “desencarnou para o inferno’”.

O religioso havia defendido a demarcação da Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante. Barbudo é autor de projeto de lei que prevê a exploração econômica de terras indígenas.

O deputado ficou conhecido nacionalmente depois de protagonizar uma cena constrangedora com o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, o tenente-coronel e astronauta Marcos Pontes. O deputado foi até o gabinete do ministro apresentar uma suposta “solução” para a Covid-19 em um misterioso pote cujo conteúdo nem o próprio Barbudo sabia do que se tratava.

Com as mudanças na Câmara após a eleição de Arthur Lira, Barbudo tornou-se vice-presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. A agenda tecnológica para o agronegócio foi um dos temas discutidos no encontro com Pontes.

Enquanto isso, ele mantém o poder em Alto Taquari, onde sua esposa Vânia Previdente foi eleita vereadora, em 2020. Para a Justiça Eleitoral, ela declarou não possuir bens.

MULTADO, DEPUTADO NÃO APRESENTA PROJETO DE RECUPERAÇÃO

De Olho nos Ruralistas teve acesso ao processo administrativo de multa contra Barbudo que deu origem à execução fiscal. O acesso foi concedido através de pedido feito com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). O requerimento foi negado duas vezes pelo superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Gibson Almeida Costa Júnior, sob a justificativa de que eram “dados pessoais” do parlamentar. Ao ingressar com recurso em segunda instância, o acesso foi concedido.

A multa foi aplicada em 2005, após uma fiscalização na propriedade por desmatamento de 15 hectares. Na época, Nelson Barbudo era vereador de primeiro mandato em Alto Taquari, município mato-grossense que fica a 55 quilômetros do Parque Nacional das Emas, em Goiás. A região é conhecida por ser uma das mais exuberantes áreas de Cerrado do país. A Prefeitura de Alto Taquari fala com orgulho que foi o primeiro município a ter um pé de soja no Mato Grosso.

De acordo com o auto de infração registrado no dia 17 de julho de 2005 que consta no processo administrativo, Barbudo não realizou nenhum licenciamento ambiental para fazer a construção dos drenos. Na época, o valor da autuação ficou em R$ 25 mil. Após as atualizações do valor, a multa cobrada na Justiça agora é de R$ 78 mil.

Em julho de 2020 ela já tinha sido inscrita em dívida ativa e passou a ser cobrada em uma ação de execução fiscal ingressada pela União. Após o pedido da defesa ser negado, o Ibama recebeu nova manifestação de Nelson Barbudo sobre a multa. Foi em setembro de 2014, quando o ruralista justificou que não havia construído drenos na área, mas apenas feito a “limpeza” de antigo rego de água que “servia de dreno e impedia a inundação da área” na beira do Rio Araguaia.

Em outra parte do processo, Barbudo afirmou que “a área está totalmente recuperada diante do que a ocorrência foi mínima, ou seja, apenas limpeza de rego já existente”. Apesar de alegar que a área foi “recuperada”, ele recebeu em pelo menos três ocasiões diferentes notificações do Ibama, por meio dos Correios, para apresentar Projeto de Recuperação de Danos Ambientais (PRAD), o que nunca foi feito pelo parlamentar bolsonarista.

PECUARISTA DIZ SER PEQUENO PROPRIETÁRIO E NÃO DECLARA FAZENDA

Em uma das peças de sua defesa, Barbudo pediu a redução de 90% da multa. Entre os argumentos, ele afirma ser um “pequeno” produtor e enfatiza que não teria condições de pagar a multa aplicada pelo instituto. Na época, ele recebia R$ 3 mil como vereador. Valor que, se corrigido pelo IGP-M, representaria hoje cerca de R$ 8 mil.

“Certo é que minha propriedade é de apenas 150,00 hectares, sendo considerado pequeno produtor e se tiver que suportar a multa no seu valor integral, jamais teria condições de pagar sem a perca (sic) da propriedade”, afirmou, na época.

Em 2008, no entanto, quando se candidatou à reeleição para a Câmara Municipal de Alto Taquari, Barbudo declarou a Fazenda Netinho, com 240 hectares de terras próximas do Araguaia, por R$ 250 mil. A fazenda foi a única propriedade registrada por ele na Justiça Eleitoral.

Em 2018, quando se elegeu deputado federal, Barbudo não declarou a fazenda. O único bem declarado foi uma carreta reboque. Só que, em 2019, a Fazenda Netinho aparece nos registros da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT), a partir do Cadastro Ambiental Rural (CAR), com 617,4709 hectares e em nome de Nelson Barbudo e de seu irmão, Nilton Nei Previdente.

Além disso, ele teria arrendado outros 3 mil hectares para criação de gado.

Mesmo diante das incoerências em seu patrimônio, Barbudo repete o presidente Jair Bolsonaro ao adotar uma postura de “humildade” diante dos eleitores. Ele se deixou fotografar ainda em 2019 com um Fiat Uno ao chegar na Câmara dos Deputados.

Durante todo o ano de 2020, Barbudo gastou R$ 416 mil da cota parlamentar. Embora sempre tenha defendido o corte de gastos com dinheiro público, é o segundo que mais gastou entre os oito deputados mato-grossenses. Ele perde apenas para Carlos Bezerra (MDB), que teve uma despesa de R$ 459 mil.

POLÍTICO DESISTE DE PARTICIPAR DE ENCONTRO AMBIENTAL DA OAB 

Em junho acontecerá a Conferência Internacional de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nelson Barbudo havia sido convidado para palestrar, junto com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O convite veio da presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB nacional, Ana Carolina Naves Dias Barchet. Ela pertence ao escritório Bertoldo Barchet Advogados Associados, que defende o deputado contra a multa do Ibama.

O escritório tem em sua carteira de clientes diversos políticos e ruralistas de Mato Grosso. Barbudo, acusado de destruir a área perto do Parque Nacional, está entre os representados pelo escritório. A família Barchet advoga para ele na ação de execução fiscal que tramita na 18ª Vara Federal de Execução Fiscal da Justiça Federal, em Brasília.

No dia 13 de novembro, o advogado Houseman Thomasz Aguilari ingressou com pedido de vista do processo administrativo do Ibama. Ele é sócio do advogado Marcelo Bertoldo Barchet, marido de Ana Carolina Barchet.

Procurados pela reportagem, o deputado e os advogados não se manifestaram.

Foto principal (Reprodução): Nelson Barbudo parabeniza o presidente Jair Bolsonaro pela eleição

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