Atingidos no Rio Doce pedem garantia de direitos como ocorre em Brumadinho

Pedido é feito aos governadores Casagrande e Zema (MG), que participaram de reunião com STF e mineradoras

Fenanda Couzemenco, Século Diário

Um apelo aos governadores do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), é feito em petição online produzida pelas organizações que representam os atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP na bacia hidrográfica do Rio Doce.

Em síntese, pedem a implementação de direitos já garantidos às vítimas da Vale em Brumadinho/MG: o fim da quitação geral; a participação dos atingidos na gestão do processo de reparação, por meio da contratação das assessorias técnicas; e um fundo de transferência de renda, como renda básica para quem precisa.
Na petição, o grupo se identifica como “povos tradicionais, indígenas e quilombolas, assentados da reforma agrária e moradores das comunidades atingidas”. Desde 2015, afirmam, “não tivemos de volta nossas vidas, nosso rio, nosso trabalho, nossa renda, nosso lazer, nossa autonomia, nossos sonhos, nem sequer as nossas casas foram concluídas em Mariana e Barra longa, nos três reassentamentos propostos”.

Integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), de colônias e associações de pesca e de agropecuária, de sindicatos, igrejas, movimentos e pastorais, os atingidos no Rio Doce se fazem representar em comissões locais, que se organizam, há cinco anos, com o apoio do Ministério Público Federal (MPF) e das demais instituições de justiça, para resguardar seus direitos como atingidos pelo maior crime socioambiental do país.

Respeito aos acordos firmados
“Estamos cansados de ter nossos destinos colocados à mercê de empresas, políticos e juízes, poderosos e donos desse sistema, que negociam nossos direitos à luz do dia sem nenhum pudor. Queremos um processo justo em que os acordos, compromissos e escolhas anteriores sejam respeitados”, conclamam.

O motivo da petição é fazer frente a uma articulação engendrada pelas mineradoras junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Fomos surpreendidos pela notícia de que os governadores de Minas Gerais e do Espírito Santo articularam com as empresas uma reunião na terça-feira da semana passada (6) com a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) para avançar na ‘construção coletiva e consensual de um plano aperfeiçoado e definitivo para a efetivação das medidas compensatórias ambientais e socioeconômicas causadas pelo rompimento da Samarco, em Mariana'”, relatam.

As organizações lembram que, desde de 2016, já foram assinados pelo menos quatro acordos gerais no âmbito do processo judicial que tramita na 12ª Vara Federal, em Belo Horizonte, incluindo o que criou a Fundação Renova. “Dentro desses acordos, revisões periódicas das decisões estavam previstas, mas com os atingidos tendo o direito de acompanhar o processo por meio de assessorias técnicas independentes que nunca foram contratadas, sequer há uma decisão judicial sobre este assunto”, protestam.

No lugar delas, explicam, foi priorizada a implantação do Sistema Indenizatório Simplificado (Novel). O Novel, esclarecem, “apesar de ter pago mais de dez mil pessoas até hoje, trouxe uma imensa desorganização nas comunidades com a ampliação de muitos conflitos locais, além de introduzir a obrigação da assinatura de uma quitação geral dos danos, que traz um indiscutível prejuízo para todo o processo de reparação”.

Em face de tantos atropelos de direitos das vítimas e de privilégios às empresas responsáveis pelo crime, os atingidos procuraram se mobilizar durante a pandemia por meio da internet, com suas organizações representativas e apoio do Ministério Público Federal (MPF), que desde o início do processo tem elencado, junto às Defensorias Públicas da União e dos Estados, os principais aspectos jurídicos que evidenciam o desrespeito aos acordos firmados em favor dos atingidos, incluindo a postura denunciada como ilegal do magistrado federal responsável pelo julgamento das ações judicializadas, o juiz substituto da 12ª Vara Federal de Minas Gerais, Mário de Paula Franco Junior, a quem os procuradores da Força-Tarefa Rio Doce atribuem a maior responsabilidade por tantos problemas impingidos aos atingidos, e contra quem foi impetrado um pedido de Arguição de Suspeição no final desse mês de março.

‘Com o Supremo, com tudo’

Essa mobilização popular, ressaltam, mais do que nunca é fundamental, pois para além de todo o acúmulo de injustiças praticadas, as mineradoras agora avançam para “decidir tudo sem consultar ninguém, em um grande acordo nacional ‘com STF, com tudo”, afirmam, parodiando a fala do ex-senador Romero Jucá (PMDB/RR) em conversa com o empresário Sergio Machado, da Transpetro, sobre a necessidade de retirar a então presidente para mudar os rumos das investigações da Operação Lava Jato. Divulgada na imprensa nacional em maio de 2016, quando Jucá era ministro do Planejamento, a fala ficou motorizada como um dos ícones da grande articulação política que viabilizou o impeachment de Dilma Roussef.

Objetivamente, o STF ainda não detém nenhum processo relativo ao crime da Samarco/Vale-BHP, mas desde a Arguição de Suspeição, há um vislumbre de que em breve o Supremo será acionado em algum recurso judicial. 
Já os governos de ambos os estados, que não têm mostrado protagonismo na defesa dos direitos dos atingidos nem nas atuais nem nas gestões anteriores, podem enxergar, nesse apelo dos atingidos, uma forma de incrementar seus orçamentos, o que pode fazer grande diferença para as economias estaduais durante esse período pandêmico.

“Temos certeza que as soluções para uma reparação integral do crime virão de nós, atingidos e atingidas, povo unido e organizado nos territórios. A verdadeira participação popular virá das ruas, das praias, das escolas, das beiradas de rios e mangues, das vilas e das comunidades atingidas. Virá do povo atingido, em seu espaço de vivência, de afeto e de luta”, consagram os atingidos.

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