Por Fernando Sousa, Julio José Araujo Junior e Luciene Silva*, no Brasil de Fato
Desde a ocorrência da “Chacina da Baixada”, o maior massacre registrado oficialmente no Estado e que completa 16 anos em 2021, pouca coisa mudou. A violação de direitos e a violência do Estado continuam a atingir de forma brutal a população da região, com impacto desproporcional sobre os grupos sociais mais vulneráveis.
A ‘Chacina da Baixada’, ocorrida em 31 de março de 2005, foi um episódio marcado por violações que até hoje atormentam as mães e familiares das vítimas.
Insatisfeitos com a troca de comando de batalhões na região, policiais militares assassinaram 29 pessoas nas ruas de Queimados e Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, atirando a esmo nas vítimas. No dia anterior ao crime, cabeças decepadas foram lançadas no pátio do batalhão da Polícia Militar (PM) em Duque de Caxias, materializando a irresignação que se transformaria em extermínio.
Onze policiais foram denunciados pelo Ministério Público e cinco foram condenados. Um dos PMs almejava colaborar com as investigações, porém foi executado pouco tempo depois de prestar depoimento.
A matança nos remete à atuação dos esquadrões da morte e grupos de extermínio na Baixada Fluminense.
Conforme indicam as pesquisas do professor José Claudio Alves, os esquadrões da morte foram gestados no início da ditadura civil-militar de 1964 e se fortaleceram ao longo do tempo pela penetração no poder político e nas estruturas oficiais.
Paralelamente, nunca deixaram de receber o suporte financeiro de empresários e comerciantes que supostamente financiam o mercado das execuções sumárias e desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense.
A história da violência e a conformação social da criminalidade violenta na região trazem à tona aspectos que ajudam a entender a relação do Estado brasileiro com territórios negros e pobres. A persistência das elevadas taxas de homicídios na região, apesar de experimentos no campo da segurança pública adotados nas últimas décadas, comprova a histórica permeabilidade das instituições estatais ao crime violento.
Além das altas taxas de homicídios e dos recorrentes casos de chacina, a população da Baixada convive com uma complexa cartografia de cemitérios clandestinos e pontos de desova de corpos, os quais revelam a prática sistemática de ocultação de cadáveres por meio de desaparecimentos forçados.
Os jovens negros e pobres são os mais vulneráveis e, por isso, as maiores vítimas da violência do Estado.
Com uma população predominantemente negra, a Baixada Fluminense soma 60% dos casos de desaparecimentos no Estado do Rio de Janeiro. Na prática, predominam as omissões dos órgãos de Estado diante dos registros nas dependências policiais de casos de desaparecimentos de corpos que ocorrem em áreas periféricas e faveladas.
Lucas Matheus da Silva, de 8 anos, Alexandre da Silva, de 10 anos, e Fernando Henrique Ribeiro, de 11 anos, desaparecidos há três meses de Belford Roxo, são vítimas dessa omissão e lentidão nos processos de investigação. A dor e o sofrimento vivenciados por mães como as dessas crianças é denunciada pela Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência do Estado na Baixada Fluminense desde a chacina de 2005.
O lema “Nossos Mortos Têm Voz” é um grito forte, que sintetiza a dor, o sofrimento do luto, a capacidade de organização na luta contra o racismo e, acima de tudo, um pedido por justiça.
É urgente priorizar a elucidação desses casos e entender as violações na Baixada à luz desse contexto amplo, de forma a superar os silenciamentos e esquecimentos que perpetuam um “aparente normal” na vida de sua população.
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*Fernando Sousa é cineasta; Julio José Araujo Junior é procurador da República e colunista do Brasil de Fato; e Luciene Silva é assistente social e membro da Rede de Mães e Familiares Vítimas de Violência na Baixada Fluminense.
Edição: Mariana Pitasse
Lucas, de 8 anos, Alexandre, de 10 anos, e Fernando, de 11 anos, desaparecidos há três meses, são vítimas da omissão nos processos de investigação – Arquivo pessoal