#AbrilIndígena: MPF promove debate sobre riscos da mineração em territórios tradicionais

Evento virtual teve como foco o Projeto de Lei 191/20, que pretende regulamentar a exploração da atividade econômica em terras indígenas

Procuradoria-Geral da República

Em homenagem ao Dia do Índio, o Ministério Público Federal (MPF) promoveu, nesta segunda-feira (19), o webinário Riscos da Mineração em Terras Indígenas. O evento virtual reuniu procuradores da República, lideranças indígenas e especialistas para debater o Projeto de Lei 191/2020, que pretende regulamentar a exploração da atividade econômica em terras indígenas. Os convidados foram unânimes ao afirmar que eventual autorização do garimpo e da mineração nos territórios tradicionais viola os direitos constitucionalmente garantidos aos povos originários e representa um risco à sua cultura, saúde e existência.

Ao abrir o evento, a coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), Eliana Torelly, destacou a contribuição dos povos indígenas para a cultura brasileira, mas lamentou o atual contexto de retrocessos na política indigenista brasileira. “Neste 19 de abril, gostaríamos de estar celebrando a diversidade e cultura indígena, mas os interesses e direitos dos povos indígenas tem sofrido ameaças constantes, com ausência de demarcação, normas contrárias a direitos já assegurados e, agora, esse projeto que regulariza a mineração em terras indígenas”, afirmou. A subprocuradora-geral da República ressaltou, ainda, que a maioria dos povos indígenas não apoia a mineração em suas terras. “Cuidando da terra todos nós nos beneficiamos. Essa é uma preocupação nacional e uma questão que nos motiva a continuar nessa luta em prol dos direitos dos povos indígenas”, concluiu.

A líder indígena Sonia Guajajara expôs o sentimento de insegurança vivido atualmente pelos indígenas no Brasil diante do PL 191. “Todos os indígenas que se preocupam com a sociedade, com seus povos, sabem as consequências do garimpo e da mineração. Os impactos afetam diretamente os índios, mas as consequências são globais”, alertou. “É urgente essa compreensão por parte da sociedade brasileira. São atividades que só levam contaminação para os nossos povos. Por isso, somos contrários. Lutamos pela floresta em pé, pela água limpa, por uma alimentação saudável e por tudo aquilo que fortaleça as práticas tradicionais dos nossos povos”, defendeu.

Davi Kopenawa, líder Yanomami, foi enfático ao afirmar que os indígenas não compactuam com qualquer forma de exploração em seus territórios. De acordo com ele, a presença de garimpeiros e mineradores só trouxe prejuízos ao meio ambiente, à cultura e à saúde dos índios. “Não queremos mineração na terra Yanomami. Estamos lutando pela vida, pela paz. Nosso objetivo é proteger a nossa terra mãe, onde nós vivemos e criamos nossos filhos. Nós cuidamos do Brasil há muito tempo e chegaram destruidores da nossa terra. Os rios não têm peixe, pois os garimpeiros os contaminaram com a utilização de mercúrio”, denuncia. Ele pediu que as autoridades respeitem a Constituição, protegendo os indígenas como patrimônio da humanidade. “Todos nós estamos ligados à natureza. Sem ela, nós vamos sofrer mais”, afirmou.

Para o filósofo e sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli, o PL não oferece base razoável para regulamentar um tema tão delicado, representando não só risco ao meio ambiente e aos indígenas, mas também um retrocesso no processo legislativo. Ele esclareceu que o projeto de lei abrange, além de mineração e garimpo, exploração de petróleo, a instalação de usinas hidrelétricas e diversas outras atividades econômicas. “O PL representa um desencadeamento simultâneo de processos administrativos de concessão de direitos a terceiros sobre terras indígenas que levam a um cenário trágico para esses povos e a sociedade. Além disso, debilita as condições constitucionais. Do jeito que está, esse projeto só vai causar mais problemas, revolta e guerra”, alertou.

Violações – Em sua explanação, o procurador da República Luís de Camões Lima Boaventura analisou as principais violações de direitos indígenas contidas no PL 191. Em especial, destacou o art. 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o qual exige a consulta livre, prévia e informada em face de medidas legislativas que tenham o potencial de impactar povos indígenas. Ele também aponta que o documento afronta a Constituição Federal, que estabeleceu como exclusivamente dos indígenas o usufruto dos recursos naturais do solo, dos rios e dos lagos existentes em seus territórios.

Além disso, aponta que o documento desconsidera as formas de organização e as tradições indígenas e não menciona, em nenhum momento, a necessidade de realização de Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI), limitando o direito de manifestação dos indígenas impactados pelos empreendimentos econômicos. “O PL representa um conjunto de atos normativos que fulminam o direito indigenista brasileiro e viola diversos dispositivos constitucionais. Diante disso, é preciso aumentar a rede de proteção aos povos indígenas e suas terras. Não são favores. São conquistas dos povos indígenas”, sintetizou.

Riscos à saúde – O pesquisador e médico neurocirurgião Erik Jennings abordou outra perspectiva que preocupa os participantes: os efeitos da mineração e do garimpo para a saúde dos indígenas. De acordo com dados e estudos apresentados por ele, tem-se observado o aumento de patologias relacionadas à utilização de mercúrio em garimpos próximos a terras indígenas. Ele explica que, quando removido do fundo dos rios, o minério se torna altamente contaminante e nocivo ao ser humano. Dentre os problemas identificados estão lesões cerebrais, cardiopatias e danos imunológicos que podem, inclusive, afetar o feto, pois a substância é capaz de atravessar a placenta.

Além dos riscos à saúde indígena, o pesquisador aponta para danos indiretos causados pelo garimpo. “A maior riqueza dos povos indígenas é sua cultura, seu território e seus laços sociais. Tais atividades agridem e desagregam esses traços culturais, ocasionando a perda da autonomia sócio-econômica desses povos. Esses fatores causam mais doença, maior necessidade de abrir mão de seu território, maior vulnerabilidade física, psicológica e social, bem como a sobrecarga do subsistema de saúde indígena,” ponderou. “A possibilidade de autorizar a mineração em terras indígenas é mais um desastre sanitário e humanitário que está em jogo”, concluiu.

O subprocurador-geral da República e membro da 6CCR, Aurélio Rios, que mediou o debate após as exposições, afirmou que a situação atual é preocupante e reflete o afastamento de órgãos indigenistas de suas funções de defesa e proteção dos indígenas. De acordo com ele, existe um esforço para o esvaziamento desses órgãos, a exemplo da Fundação Nacional do Índio (Funai).”O projeto [PL 191/20] representa a destruição do usufruto exclusivo dos recursos naturais por parte dos indígenas, consequência de um déficit institucional na defesa e proteção desses povos e de suas áreas. Diante disso, é urgente a criação e o fortalecimento de uma rede protetiva a esses povos”, defendeu.

Arte: Secom/MPF

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