PL 504 de 2020 de autoria da deputada Marta Costa (PSD), com emenda de Janaina Paschoal (PSL), foi aprovado pelas comissões e aguarda votação em plenário. Agências publicitárias e entidades reagiram pedindo veto à proposta nas redes sociais.
Por G1 SP
A Assembleia Legislativa de São Paulo deve votar nos próximos dias um projeto que pretende proibir a veiculação de propagandas no estado com a presença de LGBTs.
A proposta tramita desde agosto de 2020 e gerou forte reação da comunidade LGBT+, publicitários, marcas, juristas e evangélicos, após entrar na pauta da Casa nas últimas semanas.
A votação estava prevista inicialmente para ocorrer na última terça-feira (20), mas foi adiada por falta de quórum. Remarcada para esta quinta-feira (22), foi novamente postergada.
De acordo com a Alesp, uma reunião do Colégio de Líderes das bancadas dos partidos na segunda-feira (26) deve marcar uma nova data para votação do projeto.
Proposta inconstitucional
O projeto de lei 504 de 2020 é de autoria da deputada Marta Costa (PSD), que está no segundo mandato como deputada estadual e foi candidata à vice-prefeita na chapa de Andrea Matarazzo.
Ela integra a Assembleia de Deus, é coordenadora do departamento infantil do Ministério do Belém, e filha do pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil.
No texto ela alega o desejo de acabar com propagandas que geram “desconforto emocional a inúmeras famílias, além de estabelecer prática não adequada a crianças”.
“A intenção é limitar a veiculação da publicidade que incentive o consumidor do nosso Estado a práticas danosas”, diz.
No Brasil, a ética publicitária já é fiscalizada em nível federal desde 1980 pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que tem a missão de impedir a publicidade enganosa ou abusiva, que cause constrangimento ao consumidor ou a empresas, ao mesmo tempo em que defende a liberdade de expressão comercial.
Como foi a tramitação
A deputada Janaína Paschoal (PSL) acrescentou uma emenda ao texto, alterando a expressão “preferências sexuais” por “gênero e orientação sexual”. Ela incluiu a preocupação com os adolescentes.
A deputada Erika Malunguinho (PSOL) propôs um voto em separado quando o projeto ainda era discutido e sugeriu que fosse alterado, de modo que vedasse a publicidade de materiais que fizessem alusão a drogas, sexo e violências explícitas, e não com a presença de LGBTs.
“Associar pessoas LGBTIs a essas características, pela sua condição, por simplesmente serem quem são, é, além de desumanizador, cruel – afinal, a afeição a ‘práticas danosas’, ou a exercício de ‘influência inadequada’, pode ser feita por qualquer pessoa e não se condiciona ao fato de alguém pertencer a determinada condição da diversidade sexual e de gênero”, pontuou a deputada Erika Malunguinho.
Outros parlamentares também repudiaram o texto de Marta Costa, com a emenda de Janaína Paschoal.
“Este projeto mostra uma clara inversão de valores: precisamos, sim, proteger as nossas crianças, pois esse é nosso dever enquanto mães, pais, educadores e parlamentares, mas precisamos protegê-los da violência, dos abusos, das desigualdades e da falta de condições. Precisamos também protegê-las dos preconceitos e da exclusão”, disse a deputada Marina Helou (Rede).
No entanto, o texto com a emenda foi aprovado pelas comissões de Constituição e Justiça, e de Direitos Humanos, conduzidas pelos votos favoráveis dos relatores Carlos Cezar (PSB) e Gilmaci Santos (Republicanos).
Diversas associações reagiram e encaminharam ofícios à Alesp contra a proposta na tentativa de impedir que seja aprovado em plenário.
A Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), enviou um longo parecer técnico para que os deputados conheçam a inconstitucionalidade da proposta em diversos níveis, pois, além de sugerir censura, pretende legislar sobre a propaganda comercial, que é de competência da União.
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) encaminhou uma nota de repúdio em que expressa a percepção de que a aprovação do projeto, uma “aberração jurídica”, configuraria a institucionalização da LGBTfobia.
O coletivo Evangélicas Pela Igualdade de Gênero (EIG) entendeu o PL como uma proposta “escrita com discurso de ódio”: “É desumano em muitos termos, pois além de criminalizar pessoas LGBTQIA+ por serem quem são, ainda propõe que elas são ameaça às crianças, esquecendo que elas têm filhos, sobrinhos, são profissionais da saúde, da educação e tantas outras profissões que tratam diretamente da infância”.
No ofício da ONG Mães pela Diversidade, elas afirmam que o “nefasto e cruel PL 504/2020, que associa pessoas LGBTs a ‘práticas danosas’ e ‘influências inadequadas’, desumaniza nossos filhos e vai contra tudo aquilo que lutamos”, na medida em que desconsidera a existência de crianças e adolescentes com estas orientações sexuais.
Resistência nas redes
Além da reação dentro da Assembleia Legislativa, o PL ganhou repercussão negativa devido ao repúdio das maiores agências de publicidade do país e seus clientes, grandes empresas, que lançaram as hashtags #AbaixoPL504, #LGBTNãoÉMáInfluência e #RespeitaHumanidadeLGBT.
A Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), formadas por agências como Young & Rubicam, Ogilvy, WMcCann e Publicis, emitiu uma nota em que “manifesta o seu repúdio ao Projeto de Lei que pretende impor discriminação à liberdade de expressão comercial e ao direito de orientação sexual”.
A entidade lembra que a Constituição estabelece a exclusividade da União em legislar sobre publicidade comercial, assim como veda qualquer afronta ao direito à liberdade, à igualdade e à censura de natureza ideológica e social.
Paralelamente, a agência Mutato também reuniu lideranças do mercado na tentativa de “evitar que ameaças como esta impactem conquistas importantes da comunidade LGBTQIAP+”. O grupo tem adesão de outras agências e empresas como Ambev, iFood, Facebook e Twitter.
O Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ também publicou uma nota assinada por 108 presidentes de grandes empresas, como a hoteleira Accor e a Coca-Cola, em que considera o PL “uma proposta de prática danosa aos direitos humanos e uma influência inadequada à garantia constitucional de liberdade de expressão e liberdade econômica”.
A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e a Associação Brasileira de Licenciamento (Abral) também fortaleceram a resistência contra o projeto de lei.
Para a Aberje, “diversidade e inclusão são fontes de criatividade e, consequentemente, de inovação e riqueza. Um país que acolhe e respeita todas as pessoas em sua individualidade é mais democrático e próspero, inclusive economicamente”.
Para a Abral, essa iniciativa fere a Constituição Federal porque a legislação sobre a propaganda comercial é de competência da União, porque “agride o dispositivo constitucional que trata da liberdade de expressão das comunicações, isso sem falar na norma fundamental que celebra a igualdade”.
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Foto de arquivo mostra bandeira do orgulho LGBT carregada na Avenida Paulista durante uma Parada Gay — Foto: Miguel Schincariol/AFP