Sem teto na pandemia. Sociedade civil pede o fim de despejos em todo o país

Pedro Calvi / CLP

Que vergonha. Somos um dos únicos países do mundo que não tomou até agora uma medida de proteção para evitar despejos durante a pandemia. Mais que direito à moradia é direito à vida. Colocar uma pessoa na rua numa pandemia é condená-la à morte. Estamos vendo o aumento no número de famílias morando nas ruas. Junto, crescem os casos de novas ocupações precárias, resultado das remoções, uma máquina de produção de população de rua e de ocupações mais precárias”.

A afirmação é da arquiteta e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Raquel Rolnik. Ela participou, nesta terça (11/5), da audiência pública da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) que discutiu a suspensão do cumprimento de medidas judiciais, extrajudiciais ou administrativas para desocupações ou remoções forçadas coletivas em imóveis privados, públicos, urbanos e rurais, no período da pandemia.

A proposta para o debate foi do presidente da CLP, deputado Waldenor Pereira (PT-BA), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Natália Bonavides (PT-RN), Glauber Braga (PSOL-RJ) e Luiza Erundina (PSOL-SP).

Números da Campanha Despejo Zero mostram que mais de 64.546 famílias estão ameaçadas de despejo no país. Porém, 9.156 já foram removidas desde o início da pandemia. São números das “remoções forçadas”, quando os moradores são despejados do imóvel. Não contam os despejos individuais, por falta de pagamento do aluguel. 

“A pandemia aprofundou a falta de acesso à moradia, à terra, coisas fundamentais para a vida. Sem renda e sem pagar aluguel, famílias são despejadas. Uma das únicas medidas, já que não temos vacinação adequada, é o isolamento social, isso para quem tem um teto para ficar”, pondera a deputada Natália Bonavides (PT/RN), co-autora do Projeto de Lei 1975 de 2020, junto com Professora Rosa Neide (PT/MT) e André Janones (Avante/MG).

O PL está na pauta de votações do plenário desta semana, em regime de urgência, e pede a “suspensão do cumprimento de toda e qualquer medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em despejos, desocupações ou remoções forçadas, durante o estado de calamidade pública reconhecido em razão do COVID-19”. O PL tem cerca de 20 outros projetos apensados.

O médico sanitarista Henrique Sater, afirma que “não há como enfrentar uma pandemia sem cuidar da moradia e dos cuidados da saúde da população em risco de despejo. No Brasil de 2021, o ministro da Saúde recomenda recolhimento domiciliar, limpeza, e despejar é contra essas recomendações do próprio ministério. Não adianta falar ‘fique em casa!’ e faltar renda, acesso aos serviços de saúde e vacinação. Precisamos suspender todos os despejos e pensar em políticas públicas para essa população”.

“Num cenário de pandemia mundial, saúde colapsada, governo negacionista e desemprego generalizado, o déficit habitacional aumentou significativamente durante a pandemia. É nesse cenário que a discussão sobre a suspensão do cumprimento de medidas judiciais, extrajudiciais ou administrativas, que resultem em desocupações ou remoções forçadas coletivas em imóveis privados, públicos, urbanos e rurais, se torna fundamental”, afirma o presidente da CLP, deputado Waldenor Pereira.

“É um crime”

Benedito Barbosa, da Central de Movimentos Populares, afirma que os números são maiores. “Já são mais de 12 mil famílias removidas e 74 mil estão ameaçadas, estimamos um total de mais de 300 mil pessoas, que já sofreram despejo ou estão ameaçadas. São despejos administrativos, sem ordem judicial. Famílias sem condições de fazer a defesa. É um crime”.

Para Deise Ribeiro, da ONG Terra de Direitos, falar de despejo vai na contramão quando o assunto é proteger a saúde, falta de emprego e renda. “Nesse cenário, ser despejado é uma sentença de morte em potencial. Não temos políticas substanciais e emergenciais para as pessoas que migram de lugar em lugar, isso faz aumentar a possibilidade de contaminação”.

“Oito milhões de brasileiros sofrem com a falta de moradia e outros milhares estão virando moradores de rua, em plena pandemia. Números provocados pelas políticas criminosas do governo federal com o desmonte dos programas sociais, como a falta de moradia”, afirma Kleber Santos, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

Para André Maimoni, advogado e subscritor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 828, “vivemos um quadro de desespero nacional, sem vacinação, sistema de saúde colapsado e um aumento vertiginoso da fome. E mais a retirada de um dos pontos mais essenciais da pandemia, que é ter onde morar. Desabrigar, neste momento, é potencializar a morte”.

A ADPF nº 828 propõe “suspender todos os processos e todas as medidas de remoção, desocupação, reintegrações de posse ou despejos enquanto durar a pandemia da Covid-19”.

Glauber Braga (PSOL/RJ)  pondera que “a gente vira esse jogo se tivermos força social para evitar as ações genocidas do governo, com remoções, pessoas tiradas de casa em plena pandemia, cem milhões de pessoas sem saber se vão ter o que comer no dia seguinte.Nossa solidariedade a todos nesse momento”. 

João Daniel (PT/SE), vice-presidente da CLP, considera “terrível a falta de humanidade de proprietários e juízes, que continuam fazendo remoções e despejos. Estamos aqui em defesa da vida, nenhuma propriedade está acima disso, da sua função social. Defendemos o direito à moradia e condições de vida”.

Também participaram Fernanda Cordeiro, moradora de uma ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto no Paraná; José Nunes, da Defensoria Pública de Pernambuco; Getúlio Vargas Júnior, da Confederação Nacional das Associações de MoradoresMarco Antônio da Silva, da Frente Nacional de Lutas no Campo e Cidade; Tiago Ávila, ambientalista; Keka Bagno, do Movimento Negro Unificado; Maria da Penha Macena, moradora da Vila Autódromo (RJ); Tuíra Tule – agricultora residente no Quilombo Campo Grande (MG); Marina Feitosa, do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR); Elisadora Brito, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e Júlio Araújo, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).

Foto: Leandro Taques

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