“Escritório remoto” de Salles no Pará tem 95% de desmate ilegal e 2% de multas

Levantamento do MapBiomas Alerta mostrou que 5 municípios paraenses onde ministro concentrou fiscalização têm 9.605 alertas de desmatamento

Por Claudio Angelo e Felipe Werneck, em Observatório do Clima

O Ministério do Meio Ambiente sabe quantos são e onde estão todos os desmatamentos detectados desde janeiro de 2019 nos cinco municípios paraenses onde o ministro Ricardo Salles montou seu “escritório remoto” nesta semana. Noventa e cinco por cento deles não possuem autorização – portanto, podem ser ilegais. Mas menos de 2% foram autuados até agora.

O projeto MapBiomas Alerta identificou e validou com imagens de satélite de alta resolução 9.605 alertas de desmatamento detectados entre janeiro de 2019 e março de 2021 nos municípios de Altamira, Rurópolis, Placas, Uruará e Itaituba.

Esses foram os locais escolhidos para uma ação do ministro de “controle do desmatamento ilegal” com o auxílio da Força Nacional. Salles chegou a mudar o seu gabinete e o dos presidentes do Ibama e do Instituto Chico Mendes para a região entre terça-feira e sábado desta semana a fim de supervisionar pessoalmente os trabalhos.

Em dois anos e cinco meses de governo, esta é a primeira vez que Salles passa tanto tempo numa operação de fiscalização no terreno. Suas outras visitas à Amazônia foram, em sua maior parte, para afagar criminosos ambientais: o ministro já esteve em terra indígena com plantação de soja embargada pelo Ibama em Mato Grosso; já foi a Rondônia após um ataque ao Ibama chamar madeireiros de “pessoas de bem”; já foi suspender uma operação contra garimpo ilegal no Pará – os garimpeiros investigados depois foram a Brasília em avião da FAB reunir-se com ele; e, mais recentemente, foi duas vezes ao Pará para liberar madeira apreendida pela Polícia Federal, o que lhe rendeu uma notícia-crime no STF.

A súbita mudança de propósitos ocorre enquanto o ministro tenta fechar um acordo com os Estados Unidos no qual o “regime de Bolsonaro“, nas palavras do czar do clima americano John Kerry, poderia receber dinheiro à guisa de proteger a floresta. O acordo foi frustrado até agora porque os EUA desejam ver o desmatamento cair antes de assinar um cheque para Salles.

O ministro nem precisaria ter feito o sacrifício de ir até a Amazônia: com base nos alertas do MapBiomas foram disponibilizados gratuitamente ao Ibama laudos sobre os desmatamentos, que incluem o detalhamento completo dos polígonos desmatados, a localização exata das propriedades e registro de cada uma no Cadastro Ambiental Rural. Se quisesse, o órgão ambiental poderia ter enviado as multas pelo correio, como chegou a fazer em 2018, na chamada Operação Controle Remoto.

Dos 2.258 km2 de desmatamento detectado nesses municípios no período, pelo menos 2.150 km2 têm indício de irregularidade e poderiam ser autuados e embargados. No entanto, nem o Ibama, nem o ICMBio agiram. Em todo o Estado do Pará, a média de alertas atendidos é menor que 2% no governo Bolsonaro.

“Não é por falta de informação que o desmatamento não cai; as autoridades ambientais sabem onde está o problema e na maioria das vezes quem é responsável por ele. O que falta é disposição do governo para agir. Toda área irregular deve ser embargada de imediato”, disse Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas Alerta.

GADO

No último dia 4, o ICMBio cancelou uma operação planejada havia mais de um ano (desde fevereiro de 2020) para retirada de mais de mil cabeças de gado de uma área protegida na região visitada por Salles.

O motivo alegado para abortar a apreensão do gado foi uma “mudança de foco” da operação, segundo documento assinado pelos dez servidores que participariam da ação, que seria realizada a partir do dia 6/5. Cinco dias depois, Salles desembarcou na região.

O alvo era uma fazenda instalada dentro da Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, com 2.260 hectares desmatados ilegalmente e R$ 59 milhões em multas.

Em março e abril, o ICMBio já havia realizado tratativas com prefeituras para receber o gado que seria apreendido, entre outras medidas preparatórias, como levantamento prévio do local por agentes da Abin e compra de material veterinário.

Segundo o documento do ICMBio, a decisão ocorreu “sem sequer ouvir a área técnica” e a ordem foi comunicada “sem explicações”. “Mesmo após reiteradas solicitações de revisão desse posicionamento por parte da equipe, tendo em vista mais de um ano de planejamento e grande montante de recursos públicos envolvidos nessa e nas etapas preparatórias, a diretoria se mostrou intransigente em sua decisão”, escreveram os servidores.

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