“O braço armado do Estado está voltado para nós, negros e pobres”

Afirma Benedita da Silva (PT/RJ) em audiência pública sobre a chacina do Jacarezinho na Câmara dos Deputados

Pedro Calvi / CLP

6 de maio, favela do Jacarezinho (RJ)

Operação da Polícia Civil termina com 28 mortos. Recorde de óbitos em uma operação policial. Há denúncias de abuso, violência, tortura e execução sumária. Moradores afirmam que houve execução mesmo após a rendição.

21 de maio, audiência pública da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP), Brasília

“Dia 6, logo cedo, começamos a receber as primeiras denúncias do que estava acontecendo no Jacarezinho. Era tudo tão absurdo, que fomos para o local. Foi estarrecedor, muito sangue em vários pontos, de corpos arrastados, casas e comércios destruídos. Pessoas traumatizadas, serviços de saúde e educação parados. O que aconteceu foi muito grave e não é um fato isolado, faz parte da história do Rio de Janeiro e só se intensifica. Temos um tenebroso passado pela frente”, Guilherme Pimentel, ouvidor externo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

“Quando chegamos no Jacarezinho, vimos mulheres gritando por toda a comunidade. Mães e mulheres negras que tiveram a maternidade negada. Se não perdemos nossos filhos na hora de parir, por falta de exames e hospitais, ele pode acabar morto pela polícia. Favelado, preto e pobre nesse país não tem direito à segurança pública. A gente continua escravo, açoitado de forma genocida”, Monica Cunha, do Movimento Moleque, que teve o filho assassinado pelo Estado há 15 anos.

“Não justifica dizer que havia pessoas armadas. Não se mata alguém que diz “perdi” e estava desarmado. Disseram que eram suspeitos. Se todos os suspeitos merecessem esse tipo de comportamento da polícia, imaginem a situação dos políticos. Morei 47 anos na favela e sei muito bem como essas intervenções acontecem. Não queremos morte de nenhum lado, mas o braço armado do Estado está voltado para nós, negros e pobres”, deputada Benedita da Silva (PT/RJ).

“Temos uma decisão do STF que impede operações policiais em favelas durante a pandemia. Por que não cumprem? Não temos educação, cultura, saneamento básico, saúde. Aqui só entra a polícia”, Mattheus Gonçalves, da Associação de Moradores do Jacarezinho.

“A saúde mental dos moradores está muito afetada, as pessoas estão traumatizadas. Mães que enterraram seus filhos no Dias das Mães. Se não houver federalização das investigações, será mais uma chacina sem solução. Temos uma evolução sistemática, só que ao contrário, de todas as recomendações feitas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil, no caso da chacina de Nova Brasília,” Nadine Borges, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.

“São tantas dores, afetos interrompidos, relações rompidas por esses atos de violência e agressão. Pessoas que são rotuladas como bandidos e são retiradas da sua condição de pessoas. Depois de Jacarezinho já houve outras mortes. Agora, a polícia responsável pela chacina, não pode investigar a si mesma. Deve haver uma investigação independente e federal”, Luciano Marisma, da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

“Todas as operações policiais no Rio de Janeiro violam direitos, são casos de abuso sexual, tortura. Policiais colocam até água sanitária ou sabão em pó na comida pronta das famílias. E é uma polícia que custa caro. O Rio de Janeiro é o estado que mais gasta com segurança pública e, mesmo assim, 58% dos municípios são dominados por milícias”, Maria Júlia Miranda do projeto “Defensoria em Ação nas Favelas” da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

“Foi o massacre do Jacarezinho. Um ponto limite da violência policial que temos no Rio de Janeiro. As ações de segurança pública, com o uso indiscriminado da força sobre a população negra, das favelas, além do uso privado para fins criminosos, com a ação das milícias. Corrupção e impunidade que ameaçam o estado democrático de direito”, Daniel Hirata, da Universidade Federal Fluminense.

“A truculenta violência policial atinge o mesmo corpo, negro, periférico, vítima do desemprego, da fome, vítima da bala que chega muitas vezes pelas mãos do Estado. Esse ciclo precisa ser interrompido, queremos propostas efetivas para parar de enxugar sangue”, deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ), que pediu a realização do encontro.

26 de julho de 1990, chacina de Acari, em Magé (RJ)

Três garotas menores de idade e oito rapazes, sendo cinco também menores, foram levados por homens encapuzados identificados como policiais. Os corpos nunca mais foram encontrados. 

23 de julho de 1993, chacina da Candelária (RJ)

Mais de 40 crianças e adolescentes dormiam nos arredores da Igreja da Candelária, no centro da cidade, quando homens armados abriram fogo. Oito meninos, entre 11 e 19 anos, foram mortos à tiros. Quatro policiais militares foram condenados, mas todos já estão livres.

29 de agosto de 1993, chacina de Vigário Geral (RJ)

Cerca de 20 homens encapuzados invadiram residências e mataram 21 moradores da favela de Vigário Geral. Nenhum dos mortos tinha ligação com algum crime. Sete policiais foram condenados

8 de maio de 1995, chacina de Nova Brasília (RJ)

Segundo a versão oficial, um tiroteio entre policiais e traficantes causou a morte de 13 pessoas. Os corpos foram levados num carrinho de mão e colocados no caminhão de lixo.   Até hoje, ninguém foi preso, julgado ou condenado por nenhuma das mortes.

30 de março de 2005, chacina de Nova Iguaçu e Queimados (RJ)

Atiradores mataram 30 pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos. Onze policiais militares suspeitos foram presos.

29 de junho de 2009, chacina da favela do Barbante (RJ)

Cinco pessoas foram mortas dentro de uma casa. Os assassinatos seriam uma retaliação dos milicianos da Liga da Justiça, comandada por um ex-policial militar. Os corpos nunca foram localizados.

Julho de 2009, chacina da Vila Vintém (RJ)

Disputa por pontos de tráfico deixa 19 mortos. A investigação foi arquivada na 33ª delegacia, de Realengo.

Setembro de 2020, Assembleia Legislativa do Estado (RJ)

O Projeto de Lei 1.326 de 2019, prevê a reintegração de cerca de 2.000 militares expulsos da corporação por desvio de conduta, no período compreendido entre 2007 e 2018. Cerca de 200 policiais deste grupo têm envolvimento com milícias.

Hoje, Brasília

Nesta sexta-feira, o Supremo Tribunal Federal começou o julgamento de um recurso sobre a realização de operações policiais no Rio de Janeiro. O ministro Edson Fachin acatou pedidos feitos pelos autores do recurso e determinou, por exemplo, que o Ministério Público Federal (MPF) investigue suposto descumprimento das restrições impostas a operações policiais. A decisão foi estendida à chacina de Jacarezinho.

Projetos de lei que tratam de reivindicações das famílias de vítimas do Estado estão prontos para a pauta do plenário da Câmara. Entre eles, o PL 4471/2012, do deputado Paulo Teixeira (PT/SP), estabelece o fim dos “autos de resistência” e instauração de inquérito nos casos em que o emprego da força policial resultar morte ou lesão corporal. Já o PL 4894/2016, de Reginaldo de Lopes (PT/MG), pede transparência dos órgãos de segurança pública.

Também participaram da audiência a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL/RJ), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ; Mariana Gaudino, do Coletivo LabJaca; Monique Cruz, da Justiça Global; deputada estadual Renata Souza (PSOL/RJ); Patrícia Félix Padula, conselheira Tutelar do Rio de Janeiro e Everaldo Patriota, da Comissão de Direitos Humanos da OAB.

“Quando lideranças políticas como um governador, ou como um presidente, dizem que a política de segurança pública deve tolerar a morte, essas lideranças legitimam que forças de segurança ajam como bem entendem, com desvios e abusos”, deputado Waldenor Pereira (PT/BA), presidente da CLP.

A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Imagem: Protesto dos moradores do Jacarezinho com a chacina. Foto: Ricardo Moraes /Reuters

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