Resolução é considerada uma conquista por representantes da Rede Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil
Por unanimidade, o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprovou, durante a 8ª Sessão Ordinária de 2021, a resolução que trata da atuação extrajudicial do Ministério Público junto aos povos e comunidades tradicionais brasileiras.
De relatoria do conselheiro Silvio Roberto Oliveira de Amorim Junior, a resolução representa a consolidação de um processo participativo de discussão, desencadeado pelo Grupo de Trabalho Povos e Comunidades Tradicionais, vinculado à Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais, no final do ano passado. Desde então, foram realizadas reuniões específicas com os representantes de povos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais, que comentaram a proposta e sugeriram alterações e acréscimos.
O conselheiro Silvio Amorim expressou sua alegria em ser o relator da resolução que tem em sua temática questões que remetem à sua ancestralidade. “Tal como muitos brasileiros, esse tema toca profundamente no meu coração. Minha bisavó era índia, no Amazonas. Minha avó, quando cresceu, saiu da aldeia e foi ser ribeirinha. Conheceu meu avô, que era barqueiro. Quando se casaram, eles foram morar em Manaus. Minha mãe e eu já nascemos em Manaus”.
Ao anunciar o resultado do julgamento da resolução, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, que presidia a sessão, afirmou que, se hoje o Ministério Público tem as atribuições que tem na Constituição Federal, é, também, resultado do esforço dos defensores dos direitos indígenas. “Quando na Assembleia Nacional Constituinte se desenhava o modelo do Ministério Público, um dos maiores apoios foi do movimento indígena. Todo movimento social em apoio aos povos indígenas identificou que o Ministério Público era o parceiro exato”, afirmou.
“A atenção do Ministério Público e deste Conselho com indígenas e populações tradicionais nada mais é do que o cumprimento não só da Constituição Federal, do cumprimento do pacto constituinte feito pelo MP e os movimentos em favor dos direitos dos povos indígenas. Registro ainda que a maravilha desse impacto redundou o alcance de outras populações tradicionais que eram invisibilizadas e ganham a cada dia mais importância na atuação do MP como quilombolas, ciganos, ribeirinhos, caiçaras, outros grupos que nem sempre são percebidos ou são invisibilizados na dinâmica social”, destacou o vice-procurador-geral da República.
A resolução que disciplina a atuação junto aos povos e comunidades tradicionais prevê que “o respeito aos territórios independe da sua regularização formal pelo Estado, cabendo ao Ministério Público adotar as medidas necessárias para viabilizar o seu reconhecimento e garantir que a análise de suas características não esteja limitada aos regimes civis de posse e propriedade, devendo prevalecer uma compreensão intercultural dos direitos fundamentais envolvidos, com ênfase em aspectos existenciais dos bens jurídicos em discussão.”
Para o procurador da República Julio José Araújo Junior, que coordena o grupo de trabalho, a aprovação da resolução coroa um processo que teve envolvimento ativo da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do CNMP, sob a presidência do ex-conselheiro Valter Shuenquener e o do atual presidente, conselheiro Luciano Nunes Maria Freire, e sensibilidade do conselheiro Silvio Amorim, relator do projeto. O desafio agora é garantir a implementação da resolução. “Trata-se de um importante instrumento de luta desses grupos, e é necessário agora que avancemos nos esclarecimentos e na sensibilização para a sua importância nos diversos órgãos do Ministério Público”, afirmou.
A pantaneira Claudia Sala de Pinho, articuladora da Rede Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, participou da sessão, por videoconferência, e ressaltou a necessidade de que as comunidades tradicionais tenham no Ministério Público um aliado na efetivação de direitos fundamentais. “Parabenizo a ousadia de esse espaço, em tempos tão difíceis, fazer uma votação em que reconhece o direito dos povos e comunidades tradicionais, mas, mais do que isso, reafirma o compromisso dos procuradores e do próprio MP nessa parceria que tanto tem dado certo. É um dia histórico na reafirmação dos nossos direitos coletivos e da nossa autoidentidade tão ameaçada em tempos tão difíceis”.