Muito além do arco-íris: na maioria das vezes, a nem tão colorida vida dos LGBTQIA+ brasileiros

Pedro Calvi / CLP

Um dos principais símbolos da comunidade LGBTQIA+, a bandeira arco-íris, foi criada pelo norte-americano Gilbert Baker em junho de 1978, para o Dia de Liberdade Gay de San Francisco, na Califórnia (EUA).

Entre as cores da bandeira e seus significados estão o vermelho para a vida; laranja, para a cura e violeta para o espírito humano. Mas nem sempre o colorido arco-íris está na vida da comunidade LGBTQIA+.

Na última sexta (25/6), a travesti Roberta Nascimento da Silva, de 32 anos e que vivia em situação de rua no Recife (PE), teve 40% do corpo queimado. Durante a noite, um jovem de 17 anos jogou álcool no corpo dela. Já no hospital teve um braço amputado devido as queimaduras e morreu.

Foi justamente com o tema segurança pública e a LGBTQIA+fobia no cotidiano brasileiro, que o 18º Seminário LGBTQIA+ do Congresso Nacional prosseguiu nesta terça (29/6).

De acordo com o relatório do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil, em 2020, 237 LGBTQIA+ tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da homotransfobia. Foram 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%).

“O Brasil é o país que que mais mata LGBTs no mundo, é responsável por 52% dos casos. Precisamos de uma ação multidisciplinar na segurança pública, que envolva secretarias, escolas e movimentos sociais. No ano passado, 175 mulheres trans foram assassinadas no Brasil, a maioria negras. Ou seja, na nossa população existe uma parte que sofre mais ainda”, diz Linda Brasil, vereadora em Aracaju (SE).

Lesbocídio

Simone Brandão, doutora em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia e mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais afirma que o seminário é “essencial para debater a violência que essa população sofre diariamente, muitas vezes patrocinada pelo próprio Estado. Um governo que exalta preconceitos e a legitima a LGBTfobia. Isso faz parte da necropolítica, que aniquila fisicamente e moralmente”.

Simone apresentou dados da Pesquisa Lesbocídio. Entre 2014 e 2017, o número de registros de assassinatos de mulheres lésbicas aumentou em 150%. Apenas nos primeiros dois meses de 2018, foram registrados 26 casos de assassinatos de mulheres lésbicas.

No cárcere

Guilherme Ferreira, doutor em Serviço Social e professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, lembra que são recentes os estudos sobre a situação da população LGBTQIA+ nas prisões. “Já temos no Brasil um campo de estudo que permite traçar políticas públicas para esse segmento. Porém, é um paradoxo, é o país que mais mata, mais criminaliza. Lutamos por políticas públicas ao mesmo tempo que vivemos uma necropolítica. Já no ingresso na prisão, a violência começa com tortura e perseguição. Um contexto perverso, homens gays, trans ou bi, colocados em alas de criminosos sexuais”.

“Vivemos uma crise sanitária e de falta de respeito pela população LGBTQIA+. As casas de acolhimento estão abarrotadas por causa da violência e falta de atendimento na saúde. Os problemas de saúde mental têm se agravado com o aumento do ódio contra nós. Ansiedade, depressão e estresse por conta de tantas violências vividas são alguns dos problemas que afetam essa população A pandemia nos isolou ainda mais. Saio da minha casa e não sei se volto, seja para ir ao trabalho ou lazer”, pondera Jacqueline Brasil, mulher trans integrante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais.

Mutilação no nascimento

A redução de recursos na área da saúde, promovida pelo governo brasileiro, trouxe impactos no atendimento da população LGBTQIA+.

Margareth Gomes, mestre e doutora em Saúde Coletiva com tese sobre Saúde LGBT, destaca que “houve uma redução de 69% nos recursos para atendimento entra maio e abril de 2020. Isso reduziu os atendimentos preventivos e eletivos, além de provocar um apagão nas políticas por causa disso. Precisamos de uma retomada urgente do financiamento do SUS e sobre envelhecimento. A quem é concedido esse direito? Pessoas trans têm expectativa de vida de 35 anos”.

O Conselho Federal de Medicina segue uma normativa pela qual é considerada cirurgia de emergência definir o sexo de um bebê intersexo. Thaís Emília, é presidente da Associação Brasileira Intersexo, e mãe de uma criança intersexo.

A cirurgia de emergência é feita para “adequar” a criança ao macho ou fêmea típicos, uma plástica é feita, normalmente construindo uma vagina, que é mais fácil, com a amputação do que poderia ser um pênis. Mas é ainda um corpo sem consentimento, não se respeita o tempo corporal. É o caso do meu filho, não aceitamos essa cirurgia. O que foi imposto na infância é difícil reverter. Tudo normatizado pelo Conselho Federal de Medicina. O corpo intersexo é um corpo violado e colonizado”.

Sociedade livre

As várias frentes de participação social da comunidade LGBTQIA+. Grupos distintos, mas onde as lutas se encontram.

“Foi na luta de resistência indígena que eu floresci. Ainda há preconceito entre alguns povos indígenas e algumas etnias acreditam que a questão LGBT foi trazida pelo colonizador, então “não é bom”. Também como posso dizer que quero uma vida livre se não tenho terra para viver? Mas, aos poucos as lideranças entendem que a minha luta é a luta indígena também, e eu não quero fazer o papel de colonizador, impor as coisas”, conta Fetxawewe, indígena dos povos Guajajara e Fulni-ô.

Elaine Sallas, professora, lésbica e umbandista, ressalta que “nossos valores afro civilizatórios também são os da comunidade LGBTQIA+. Temos que mostrar nossa existência de forma potente e ocupar espaços, na sociedade civil, nos terreiros, bares e ruas. Precisamos construir políticas públicas que atendam todos, no âmbito da saúde, educação, segurança pública e previdência social”.

Ruth Venceremos, drag queen e integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra coloca que “é importante, quando pensarmos LGBTQIA+, que estamos falando no sentido comunitário, uma sigla significa coletividade. A nossa participação é uma conquista pela luta e não uma concessão do Estado. Estamos falando do direito de existir com dignidade. Não haverá transformação se não estivermos organizadas em torno das nossas pautas comuns.”

Educação e cidadania

A política de assistência social é fundamental na proteção social e garantia de direitos da população LGBTQIA+. Através desse apoio, pode apoiar a superar situações de risco, vulnerabilidade e violação de direitos.

Lins Roballo, assistente social e vereadora em São Borja (RS), explica que a prioridade é atender as pautas que surgem na violência e na falta de respeito aos direitos fundamentais. “A maioria dos jovens LGBTs aprende o que é preconceito ainda em casa e depois na escola. A política de assistência social no nosso país deveria ser vista como uma garantia para uma estrutura de vida com dignidade. Temos 90% das mulheres e mulheres trans dentro da prostituição, jovens LGBTs não têm acesso à formação para um emprego correto. Temos que transforma essas políticas para que entendam nossas especificidades. Sofremos violência desde que assumimos nossa identidade e nossa afetividade”.

“Falar em assistência social é falar em fortalecimento de vínculos.A Lei Orgânica de Assistência Social afirma que assistência social é um direito do cidadão e um dever do Estado, que não pode sucatear esse serviço como está fazendo. Vivemos um desmonte dos Centros de Referência de Assistência Socia. Ou seja, pessoas que ficam sem vínculo nenhum”, explica Rogers Sabóia, pedagogo e especialista em Políticas Públicas para LGBTs.

Uma odisseia rumo ao extraordinário
Mudar de nome, sair do armário, entrar em sincronia absurda com o universo
Mundo perverso, eu recomeço
Pra ecoar a nossa voz
Melhor que peço, tudo que posso
Se podemos quebrar barreiras, são as que tem dentro de nós

Espelho, Rap Plus Size

A íntegra do seminário, em áudio e vídeo, está disponível na página da Comissão de Legislação Participativa no site da Câmara dos Deputados.

Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

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