No Ipam
Mais de cinco mil famílias de povos e comunidades tradicionais e de pequenos agricultores – ainda não reconhecidas nos mapas oficiais do Brasil – utilizaram o aplicativo Tô no Mapa para realizar o automapeamento de seus territórios. É o que mostra o primeiro relatório de povoamento da ferramenta divulgado nesta quarta-feira, 30, pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e pelo ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), com o apoio da Rede Cerrado e do Instituto Cerrados.
São quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas, quebradeiras de coco-babaçu, entre tantos outros, que acessaram o aplicativo para demarcar os limites de suas terras. Dados do IPAM e do ISPN, produzidos por meio de um levantamento em parte do Cerrado, mostram que existem 3,5 vezes mais comunidades tradicionais no bioma do que realmente foi computado por órgãos governamentais responsáveis. A lacuna torna o Tô no Mapa uma ferramenta essencial para retratar a realidade dessas populações.
O Tô no Mapa foi lançado em outubro de 2020 pelo IPAM e pelo ISPN, em parceria com a Rede Cerrado, a partir de oficinas e do diálogo com comunidades da região do Matopiba. No aplicativo, é possível inserir as características e locais de uso do solo, bem como focos de conflito. A proposta é construir um mapa com informações sobre as comunidades e povos tradicionais e rurais de todo o Brasil.
Comunidades invisibilizadas, territórios ameaçados
Até o momento, 53 comunidades de 23 estados brasileiros mapearam seus territórios no aplicativo. O maior número de cadastros se encontra no bioma Cerrado em Goiás (25%), Mato Grosso do Sul (23%), Tocantins (19%) e Maranhão (17%). A soma de todos os territórios mapeados é de 290 mil hectares.
Para a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN, Isabel Figueiredo, mapas são ferramentas políticas. “Por meio dessa iniciativa queremos disponibilizar uma ferramenta para que as comunidades se apropriem e possam elas mesmas definir os seus territórios e contribuir, assim, para a garantia de seus territórios”, avalia.
Durante o processo de cadastramento, as famílias relataram problemas por disputa territorial e invasão das terras – situação que representa 53% dos conflitos informados no aplicativo, segundo o relatório. O não reconhecimento dos territórios tradicionais e a falta de regularização contribuem para que os povos e comunidades tradicionais fiquem desprotegidos diante das ameaças. O automapeamento é um primeiro passo para que as comunidades passem, de alguma forma, a ser consideradas na elaboração de políticas públicas e de ações protetivas.
Guardiões da natureza
Se a invisibilização dos povos e comunidades tradicionais representa um risco à vida dessas pessoas, de suas culturas e de suas tradições seculares, também põe em xeque a sobrevivência do meio ambiente.
“O mapeamento pretende dar visibilidade a uma série de atores que são fundamentais para a conservação do Cerrado e dos demais biomas”, explica a pesquisadora e coordenadora de projetos do IPAM, Isabel Castro.
A produção agroecológica, a roça e a criação de pequenos animais definem as atividades de 70% das famílias que se cadastraram no aplicativo. Muitas vezes, com o uso comum do solo, povos e comunidades tradicionais adotam práticas sustentáveis para a conservação de nascentes e da biodiversidade da fauna e da flora ao redor.
Impacto da pandemia
A pandemia da covid-19 impossibilitou a continuidade de oficinas presenciais que, desde 2018, percorriam locais prioritários na região do Matopiba para conversar sobre o mapeamento. O formato adaptado foi o virtual, mas a instabilidade do sinal de internet e de telefone nas comunidades impactou as possibilidades de participação.
O risco de contágio com o novo coronavírus também dificultou o registro das comunidades no Tô no Mapa, uma vez que um dos requisitos para o cadastro é a realização de uma reunião entre os membros da comunidade, a fim de garantir um processo coletivo e participativo.
Entre os próximos passos está o aprimoramento do aplicativo e a reunião de mais organizações e comunidades interessadas no tema dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais.
As organizações pretendem, também, integrar o Tô no Mapa à plataforma de povos e comunidades tradicionais do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e do Ministério Público Federal (MPF).
O Tô no Mapa teve apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF), uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, União Europeia, do Fundo Global para o Meio Ambiente, do governo do Japão e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.
Acesse aqui o relatório na íntegra.
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Imagem: Os quilombolas Kalungas, presentes no Goiás, são algumas das comunidades que já registraram seus territórios no Tô no Mapa – Foto de João Zinclar
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Anne Kassiadou.