Nota técnica da UFMG aponta tentativa de apagamento das vítimas de Brumadinho

Segundo estudo, a necroeconomia segue colocando os lucros acima de vidas e danos socioambientais

Gabriel Duarte, Brasil de Fato 

No último dia 20 de julho, o programa Polos e Cidadania da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou nota técnica Dano-morte, necroeconomia e dano existencial no rompimento da Barragem da Vale em Brumadinho/MG que aponta que as ações da mineradora Vale do Rio Doce, no âmbito jurídico, podem causar “uma segunda morte” das vítimas da tragédia de Brumadinho, considerado o maior desastre ambiental da história do país. 

O caso do rompimento da barragem do córrego do Feijão que, em 25 de janeiro de 2019, tirou a vida de 272 pessoas, entre trabalhadores da mineradora e o moradores do local, além de imensuráveis danos ambientais e sociais.

“A violência cometida pela empresa não teve início em 25 de janeiro de 2019. Na verdade, essa violência é anterior. Nós costumamos dizer que esses territórios eles são acometidos violentamente por um complexo amplo que chamamos de mineiro dependência”, explica o prof. Dr. André Luiz Freitas Dias, coordenador do Programa Polos de Cidadania da UFMG. 

“Depois do desastre, essas violências, o crime cometido pela empresa, também não cessam. Eles têm ocorrido, sistematicamente, ao longo desse tempo todo. As violências se dão de diversas maneiras, através do silenciamento, da invisibilização, do apagamento da vida dessas pessoas, das comunidades, a falta de autonomia, de centralidade, de protagonismo dessas comunidades de fato atingidas, afetadas”, explica. 

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O pesquisador, que há anos atua em projetos na região de Brumadinho entende que, diante desse quadro, as regiões afetadas pelas barragens da empresa vivem um constante processo de implementação do que chama de “histórica única”.

“Onde essas empresas mineradoras determinam modos de existir específicos que se aproximem de suas práticas, tanto econômicas, quanto sociais e culturais”, avalia. 

Decisão inédita

No último dia 22 de junho, a 5ª Vara do Trabalho de Betim (MG) acolheu parte da ação movida pelo Sindicato Metabase, que representa os trabalhadores da empresa em Brumadinho, que pedia a indenização por dano-morte de R$ 3 milhões para cada trabalhador que perdeu a vida durante da tragédia. 

Na sentença final, o valor da indenização foi determinado em R$ 1 milhão. Esta foi a primeira vez que empresa foi condenada no âmbito da justiça estadual e trabalhista.

No entanto, já no dia cinco de julho, a Vale entrou com recurso na sentença alegando que, por conta dos acordos anteriormente firmados na justiça, não é possível considerar o mesmo dano para todos trabalhadores e que é preciso desconsiderar os que já fizeram acordo – judicial ou extrajudicial. 

No entanto, segundo os pesquisadores da UFMG e o Sindicato Metabase, a intenção da empresa é tentar – por meio de recursos jurídicos – não ser condenada dentro dessa categoria indenizatória, o dano-morte. 

Precedentes

Segundo o estudo do Programa Polos de Cidadania da Faculdade de Direito da UFMG, mesmo que não explícito no código penal, o dano-morte, encontra no caso de Brumadinho todos os elementos que comprovam a sua tipificação. 

“O que é o dano-morte? São os danos morais que a empresa deve àquela vítima fatal. Que, veja, o morto não tem danos morais, mas, este morto, minutos antes do rompimento, estava vivo, era uma pessoa viva que viu aquela lama se precipitar sobre o corpo dela, ele viu a sua morte iminente.”, explica a profa. Dra. Maria Fernanda Salcedo Repolês, que também coordenadora do Programa Polos de Cidadania da UFMG. 

Já, segundo o sindicato Metabase, também favorece a empresa a falta de precedentes jurídicos e mudanças recentes na Lei.

“Trata-se de uma decisão nova, sobre a qual a justiça do trabalho não tem muitas decisões e nós temos uma prática de patamares de indenização muito baixos na justiça do trabalho, o que foi agravado com a Reforma Trabalhista, que procura estabelecer um teto para essas indenizações, o que no nosso ponto de vista, e da própria constituição, é inconstitucional”, explica Luciano Pereira, advogado do sindicato. 

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“O que a gente explicou com a nota é que o dano moral que eles pagaram lá nos acordos, que e o dano às famílias e o dano coletivo, não está ali compreendido o dano morte, que é um outra modalidade de dano que eles ainda não pagaram”, explica Maria Fernanda.

Indenização

Diante da possibilidade de reversão judicial da sentença, os pesquisadores elaboraram a nota técnica que dá fundamento à decisão judicial e amplia o alcance da punição, já que ela não engloba todas as vítimas da tragédia. 

“Essa condenação, na qual a gente está comentando, ela só vai beneficiar 131 trabalhadores, porque eles eram representados pelo Sindicato Metabase. Mas nós temos na verdade 272 vítimas fatais. Então nós argumentamos no final que as outras 127 pessoas que ficaram de fora também têm direito ao dano-morte”, explica Maria Fernanda. 

Além disso, os pesquisadores também apontam que é preciso rever o valor indenizatório estipulado pela condenação.

“Nós entendemos que o cálculo que se faz aqui no Brasil é muito menor em relação ao que é projetado em vários outros países. Ou seja, para a empresa, de fato, a manutenção desse ciclo, a adoção de poucas medidas de segurança, a adoção dessas práticas de mortes nos territórios, elas acabam tendo uma utilidade e acabam tendo uma serventia, inclusive para a otimização dos seu próprios lucros e ganhos”, avalia André. 

Segundo o pesquisador, é preciso reconhecer que Vale é uma empresa transnacional, líder na exploração e comercialização de minério e que opera no mercado global e tem seus lucros em dólar, enquanto contabiliza seus custos operacionais em real. Isso gera uma distorção que resulta no aumento do faturamento e na precarização do trabalho e, também, na reparação dos possíveis danos gerados pela atividade da empresa. 

O poder do judiciário

Por isso, com a nota técnica, os pesquisadores buscam dar visibilidade para a necessidade do Poder Judiciário atuar para barrar práticas empresariais que desconsideram a integridade da vida dos trabalhadores – estando eles cobertos pela CLT ou não. O que é ainda mais importante diante do risco iminente de novas tragédias aconteçam.  

Segundo os pesquisadores, atualmente, são 47 barragens em nível crítico no Brasil, sendo que 28 dessas são de responsabilidade da Vale.

“Temos três barragens, hoje, classificadas em nível 3, que significa assim, iminente rompimento, ou está acontecendo rompimento, essa é a classificação da Agência Nacional de Mineração, sendo duas delas de responsabilidade direta da Vale, a de Barão de Cocais e a de Ouro Preto. Então, a pergunta é a seguinte: quando será a próxima tragédia?”, finaliza Maria Fernanda.

Edição: Leandro Melito

Foto: Jeso Carneiro – Flickr

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