Bolsonaro admite não ter provas de fraudes eleitorais

Em live, presidente insiste haver indícios de irregularidades e apresenta teorias e vídeos antigos e já desmentidos para desacreditar sistema eleitoral. TSE contesta alegações em tempo real.

Deutsche Welle 

Após anunciar que finalmente apresentaria provas de fraudes eleitorais nesta quinta-feira (29/07), mais de um ano depois de afirmar que as tinha em mãos, o presidente Jair Bolsonaro admitiu não ter provas, mas apenas indícios de que irregularidades podem ocorrer.

Em live para a qual convocou veículos de imprensa, Bolsonaro exibiu uma série de teorias falsas, cálculos equivocados e vídeos antigos, já verificados e desmentidos, mas que ainda circulam na internet, como supostas evidências de fraude no sistema eleitoral.

Na transmissão, que durou mais de duas horas, o presidente apareceu ao lado de um homem que apresentou apenas como “Eduardo, analista de inteligência”. Somente ao fim da live o governo disse se tratar do coronel do exército Eduardo Gomes da Silva, ex-assessor especial do ministro Luiz Eduardo Ramos na Casa Civil.

Segundo Bolsonaro, hoje o coronel trabalha para a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), e, em currículo apresentado pelo Planalto, não consta qualquer especialização na área de segurança da informação, noticiou o portal G1. 

“Esses vídeos, todos eles estão disponíveis na internet. E por que nós fizemos questão de buscar nessa fonte? Porque é o povo. Essas pessoas não foram pagas para fazer isso, elas demonstraram interesse em ter uma democracia melhor, mais avançada, mais justa e transparente”, disse Gomes da Silva antes de apresentar os vídeos com supostos indícios de brechas no sistema.

Presidente é desmentido em tempo real

O próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desmentiu no Twitter e em seu site alegações feitas na live durante a transmissão. Serviços de checagem como Lupa e Aos Fatos também apontaram como falsos vários dos pontos levantados na live.

Entre o material exibido está um vídeo em que um programador dizia simular o código-fonte de uma urna eletrônica e mostrar maneiras de fraudar o sistema. Em um dos links compilados no site do TSE, o tribunal esclarece que “uma urna eletrônica real não é tão simples nem desprotegida como aquela apresentada no vídeo”.

“Além disso, há meios de auditoria para se verificar se os softwares e firmwares executados na urna contêm algum mecanismo malicioso, como o exposto no vídeo. Há também todo um conjunto de procedimentos que impede a recepção de resultados ilegítimos provenientes de eventuais equipamentos clonados ou gerados por softwares ilegítimos”, diz a nota, publicada originalmente em novembro de 2020.

Em um de seus tuítes, o TSE também contestou a afirmação de Bolsonaro de que a apuração dos votos é feita “numa sala secreta”. “A apuração dos resultados é feita automaticamente pela #UrnaEletrônica ao encerramento da votação. Os dados criptografados são transmitidos ao @TSEjusbr, que checa a autenticidade/integridade e faz a totalização, em processo PÚBLICO e auditável”, diz a postagem do tribunal, com link para um texto com mais informações sobre o assunto.

https://twitter.com/TSEjusbr/status/1420891797132283905?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1420891797132283905%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.dw.com%2Fpt-br%2Fbolsonaro-admite-nC3A3o-ter-provas-de-fraudes-eleitorais%2Fa-58703532

O TSE também rebateu a declaração de Bolsonaro de que o sistema de votação eletrônica adotado pelo Brasil só é usado no Butão e em Bangladesh. O tribunal divulgou um vídeo em que aponta que pelo menos 46 países utilizam votação eletrônica em algum tipo de eleição, e que 16 países, incluindo o Brasil, não usam boletins de papel e registram o voto eletronicamente.

“Discurso de quem não aceita a democracia”

Críticos apontam que Bolsonaro, assim como fez o ex-presidente Donald Trump nos Estados Unidos, semeia dúvidas sobre o processo eleitoral para abrir o caminho para não aceitar o resultado do pleito presidencial de 2022 caso seja derrotado.

Em março de 2018, Bolsonaro disse ter provas de que venceu o pleito de 2018 já no primeiro turno e que seria necessário aprovar “um sistema seguro de apuração de votos”.

O presidente afirmou diversas outras vezes, sem nunca apresentar provas, que o sistema eleitoral brasileiro é vulnerável e que houve fraude nas eleições anteriores. E sinalizou que poderia não reconhecer o resultado em 2022 se não fosse adotado o voto impresso – que ele chama de auditável, apesar de a urna eletrônica já ser auditável, segundo garante o TSE.

Na semana passada, Barroso e vários outros representantes dos três Poderes reagiram a uma ameaçasupostamente feita pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Segundo reportagem do Estado de S. Paulo, ele teria dito que o Brasil não teria eleições em 2022 caso não fosse aprovada pela Câmara a chamada proposta do voto impresso auditável.

“Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia”, escreveu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, nas redes sociais após a suposta ameaça.

O ministro tem se posicionado contra o voto impresso e já reafirmou que jamais foi registrado caso de fraude desde a implementação das urnas eletrônicas, em 1996, que o sistema de urnas eletrônicas é íntegro e permitiu a alternância no poder.

Nesta quinta-feira, Barroso afirmou: “O discurso de que ‘se eu perder houve fraude’ é um discurso de quem não aceita a democracia.”

Para especialistas ouvidos pela Folha de S. Paulo, as alegações contra o sistema eleitoral feitas por Bolsonaro na live desta quinta contêm elementos que podem ser enquadrados em crimes de responsabilidade previstos na lei que regulamenta o impeachment.

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