Pedro Calvi/CLP
O presidente Jair Bolsonaro vetou, em abril, o Projeto de Lei 8.219 de 2014, que alteraria um dos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
De acordo com o projeto do Senado, aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro de 2019, a adoção de uma criança ou adolescente só seria efetivada após fracassos nas tentativas de reinserção familiar.
Nesta sexta (13/8), a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu uma audiência pública virtual para ampliar o debate sobre a adoção, reintegração familiar e levantar subsídios para políticas públicas. O debate foi feito em parceria com a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).
O encontro foi proposto pelos Deputados Talíria Petrone (PSOL/RJ), Luiza Erundina (PSOL/SP), Glauber Braga (PSOL/RJ) e Vivi Reis (PSOL/PA).
“Sou pai de três meninos e dois deles vieram de abrigos, que foram rejeitados pela família. A realidade faz que tenhamos muito cuidado, principalmente com as leis, porque sabemos que o Brasil tem uma fila imensa para adoção”, diz o Deputado David Miranda (PSOL/RJ).
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 30.840 crianças e adolescentes aguardam em acolhimento institucional e familiar. Destes, 4.987 estão aptos à adoção, e 33.331 pessoas aguardam pela chance de serem pais e mães dessas crianças. Os dados são de maio deste ano.
Também de acordo com o CNJ, o número de adoções vem caindo. Foram 673 adoções em 2019, 683 em 2020 e 289 em 2021, levando em conta os meses de janeiro a março para os três períodos.
Williams Amaral viveu dos 11 aos 18 anos em abrigos. Durante esse tempo nunca recebeu uma visita. Hoje, com 23 anos, ainda se pergunta por que demorou tanto tempo para ser adotado. “Até hoje não consigo entender, o amor da família nunca vai ter dentro dos abrigos. Se minha família biológica tivesse condições ou interesse em ficar comigo, isso não teria acontecido. Mas, fui adotado por meio de uma campanha de adoção e tudo mudou. Quando minha mãe me viu, foi amor à primeira vista”.
Crianças e adolescentes: sujeitos de direitos
“É imperioso que o veto seja mantido. A criança não pode ser colocada como objeto de um confronto político. A alteração introduz as tentativas de reinserção, o que já existe em dezenas de artigos do ECA”, afirma Sávio Bittencourt, presidente do Observatório Nacional da Adoção. Ele também faz um alerta: “Não se pode obrigar que em todos os casos haja tentativas de reintegração, quando há indícios de que a criança vai sofrer violência sexual e até perigo de morrer, se for inserida no núcleo familiar biológico. Derrubar esse veto significa uma péssima notícia para as crianças brasileiras”.
Dayse Cesar Franco, do Movimento Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária, alerta que não deve haver polarização entre o acolhimento ou adoção: “O que está em discussão é um sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes. Além disso, o serviço de acolhimento deve ser fiscalizado pelo Judiciário e Ministério Público. A criança é um sujeito de direito hoje, e não do futuro”.
Eufrásia Maria de Souza, defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, destaca que “há um consenso de que o direito da criança e do adolescente é o da convivência familiar e comunitária, com apoio de políticas públicas e da assistência social e, excepcionalmente, uma família substituta”.
Para Max Costa, secretário dos Direitos Humanos e Cidadania de Belém (PA), essa discussão acontece em um momento delicado do país, com as crises sanitária e econômica: “Isso rebate nas famílias mais pobres e nas gerações mais novas. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em prioridade absoluta na busca pelas famílias naturais, é lei, inclusive pelas equipes que falam em abrigos. Então, o projeto de lei é um enxerto e atrapalha, ao invés de ajudar, porque retarda o processo de adoção. O veto deve ser mantido”.
Também participaram Patrícia Félix, conselheira tutelar (RJ); Felipe Lima, do Instituto Brasileiro de Direito da Família e Iberê Dias, Juiz de direito em São Paulo.
A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.