IN 09/20: Justiça Federal declara nula a normativa que permite grilagem em terras indígenas, a pedido do MPF

A Funai terá que manter ou incluir no SIGEF e SICAR, as Terras Indígenas do Estado de Mato Grosso ainda em processo de demarcação

Ministério Público Federal

A Justiça Federal de Mato Grosso (JFMT), por meio da 3ª Vara Federal Cível, acatou o pedido realizado pelo Ministério Público Federal (MPF) e declarou a nulidade da Instrução Normativa nº 9, de 16 de abril de 2020, da Fundação Nacional do Índio (Funai). A normativa representava o retrocesso na proteção socioambiental, incentivava a grilagem de terras e conflitos fundiários, além de restringir indevidamente o direito dos indígenas às suas terras.

O pedido do MPF, por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, foi feito por meio da ação civil pública ajuizada contra a Funai e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em maio de 2020. O objetivo da ACP era o de assegurar a manutenção e/ou inclusão de todas as Terras Indígenas existentes em Mato Grosso tanto no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) quanto no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), mesmo que o processo de demarcação não estivesse concluído, assim como a deveria ser levado em consideração, no procedimento de análise de sobreposição realizada pelos servidores do Incra credenciados no Sigef, as terras indígenas do estado de Mato Grosso em processo de demarcação, para a emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites.

Em junho de 2020, a Justiça Federal já havia aceitado o pedido do MPF e suspendido, com liminar em tutela de urgência, os efeitos da Instrução Normativa nº 9/2020. Mas, em fevereiro deste ano, o MPF entrou com um novo pedido para que a Funai pagasse a multa de R$ 100 mil/dia por descumprir a decisão. Isso porque a decisão liminar foi oficialmente comunicada à Fundação no dia 23 de junho de 2020. Data que, segundo a Funai, foram inseridos no Sigef as áreas indígenas que ainda possuem processos demarcatórios que não foram finalizados. Na mesma data, foi realizada a inclusão das áreas ainda não georreferenciadas e não homologadas no Sigef, impedindo, assim, a certificação de imóveis particulares em áreas não homologadas. Ocorre que as informações trazidas aos autos pelo Incra revelaram que a Funai não estava cumprindo a ordem judicial.

Assim, com base nas informações fornecidas pelo MPF no processo, o juiz federal César Augusto Bearsi decidiu por anular a Instrução Normativa nº 9/2020 da Funai. Conforme o magistrado, em sua decisão, “a nova norma limitou o reconhecimento apenas a terras já com homologação encerrada e registrada, contudo, essa limitação está equivocada, posto que o reconhecimento da existência ou não de Terra Indígena na esfera administrativa (atos demarcatórios) tem natureza puramente declaratória, em outras palavras, as terras indígenas existem por si só”.

O juiz federal enfatizou que o direito às terras indígenas de ocupação tradicional é originário e, com isso, o procedimento administrativo de demarcação é apenas um ato declaratório. “Portanto, a terra indígena não é criada por ato constitutivo, e sim reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição Federal de 1988″, frisou.

Por fim, o magistrado ressaltou que o que se verifica das argumentações apresentadas pela Funai durante o processo, “e que causa certa estranheza, é que as ponderações feitas pelo órgão indigenista, dizem respeito muito mais aos interesses dos particulares (desmembramento, parcelamento, remembramento ou alienação de imóveis, obtenção de financiamento bancário , pleno exercício da propriedade privada), do que a propriamente a sua função institucional, insculpida pelo artigo 1º, I, da Lei 5.371/67, a qual estabelece claras  diretrizes para o cumprimento da política indigenista, estando dentre elas a proteção de grupos e etnias e garantia à posse permanente das terras que habitam e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nela existentes”.

Sentença – A sentença terminativa, proferida pelo magistrado federal de Mato Grosso, confirmou a tutela antecipada, e declarou a nulidade da Instrução Normativa da Funai nº 9/2020. O juiz ainda condenou a Fundação a manter ou incluir no Sigef e no Sicar, bem como considerar na emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites (DRL), além das terras indígenas homologadas, as terras dominiais indígenas plenamente regularizadas e reservas indígenas, e todas as Tis em Mato Grosso ainda em processo de demarcação, nas seguintes situações: área formalmente reivindicada por grupos indígenas; área em estudo de identificação e delimitação; terra indígena delimitada (com os limites aprovados pela Funai); terra indígena declarada (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do Ministro da Justiça); e Terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados.

Também condenou o Incra, a levar em consideração, no procedimento de análise de sobreposição realizada pelos servidores credenciados no Sigef, além das terras indígenas homologadas, terras dominiais indígenas plenamente regularizadas e reservas indígenas, as terras indígenas do estado de Mato Grosso em processo de demarcação.

O descumprimento da decisão judicial ensejará multa de R$ 100 mil/dia.

Decisões pelo Brasil – Até o momento, já foram ajuizadas 29 ações judiciais em 15 estados brasileiros – Pará, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Amazonas, Paraná, Acre, Roraima, Rondônia, São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia, Santa Catarina, Ceará, Minas Gerais e Maranhão – perante a Justiça Federal buscando o retorno dos registros das terras indígenas para os cadastros fundiários públicos. Destas, foram concedidas 21 decisões liminares, mas em duas o efeito da liminar foi suspenso por decisão judicial. Com isso, os pleitos liminares indeferidos totalizam apenas quatro.

Em 10 estados, a Instrução Normativa 09 está suspensa. São eles: Pará, Mato Grosso, Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Santa Catarina e Minas Gerais.

Confira a íntegra da decisão clicando aqui.

Arte: Secom/MPF

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