MEC fraciona institutos federais de ensino, nomeia 10 reitores e põe Cavalo de Troia no sistema

Governo Federal pretende indicar dez novos reitores sem aumentar o número de campi e de estudantes atendidos pela rede

Gaudêncio Frigotto e Tiago Fávero de Oliveira, Brasil de Fato

Uma das estratégias para a implementação de políticas e a criação de consensos é a apropriação de recursos de linguagem que constroem narrativas que não correspondem à realidade. Termos contraditórios são usados em um mesmo texto, seja para falsificar seu sentido, seja para gerar ressignificação e problemas de interpretação.

O objetivo é produzir consenso a partir da confusão e do equívoco, no intuito de garantir a adesão a uma visão favorável a determinado grupo ou classe. Este movimento tem sido utilizado pelo Ministério da Educação (MEC) ao resgatar uma antiga medida, apresentada ao fim do governo Michel Temer, que tinha como objetivo uma pretensa expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (EPT).

Chamados ao MEC para discutir uma aparente proposta de ampliação, dez reitores de institutos federais do país se depararam com algo similar a um Cavalo de Tróia. Ao invés de visualizarem investimentos para a ampliação de campi, construção de novos institutos e aumento do número de estudantes atendidos, a proposta do governo federal é a fragmentação de unidades já existentes.

Na realidade, o MEC propõe, apenas, a criação de dez novas reitorias para ter a prerrogativa de indicar dez novos reitores. A justificativa para a proposta – que, ao alterar a organização da EPT no país, abre possibilidades para alterações que poderão gerar consequências para toda a Rede Federal – é o uso do critério geográfico para facilitar a proximidade da gestão com os campi.

É fato que a proximidade das reitorias com as unidades facilita a participação e o entendimento de problemas específicos, bem como a construção da identidade local do instituto com sua comunidade.

Todavia, a chegada de dez novos reitores ao Conselho Nacional das Instituições que compõem a Rede Federal (Conif) altera a relação de forças políticas e abre espaço para que o governo, ao indicar reitores “terrivelmente” alinhados com sua política, interfiram e abram possibilidades para mudanças ainda maiores.

Assim, fica evidente que a proposta diminui a força colegiada do Conif, que também não foi consultado formalmente no início dos debates, uma vez que apenas os reitores das unidades que serão fracionadas foram chamados ao ministério para debaterem o assunto.

Além de criar a narrativa de que o governo criou dez novos institutos federais (sem construir uma sala de aula, laboratório ou biblioteca, sem ampliar o número de vagas) um ano antes das eleições presidenciais, a proposta ainda cria despesas burocráticas para a manutenção e custeio dos novos reitores e pró-reitores.

Em um contexto de arrocho e cortes no financiamento da educação pública, o que se espera é que, caso seja implementada, a proposta do governo produza ainda mais cortes nas demais unidades da rede federal, uma vez que, para respeitar o teto de gastos, o orçamento deverá ser dividido entre todas as unidades antigas e as recém-criadas.

A medida precisa ser alinhada com outras iniciativas que já estão em curso e que visam alterar partes específicas da lei de criação dos Institutos Federais (Lei 11.892/2008). Dentre elas, deve-se observar a ampliação para 75% de matrículas em cursos técnicos e o abandono da oferta prioritária de ensino médio integrado, o que indica que os institutos passariam a ofertar, majoritariamente, cursos concomitantes ou subsequentes.

Além de atacar o ensino médio integrado, que vem alcançando resultados positivos sob diversos aspectos, a proposta representa um retrocesso na criação dos IFs, uma vez que a formação profissional integrada e omnilateral dará lugar a cursos de capacitação que tenderão a ser mais superficiais, parciais e aligeirados.

Com os cortes financeiros atuais e o acréscimo de gastos burocráticos de mais dez reitorias, decreta-se a exclusão forçadada dos que entraram nos IFs mediante políticas de inclusão: quilombolas, indígenas, filhas e filhos de pequenos agricultores, ribeirinhos e alunos de escolas públicas.

Em última análise, é uma tentativa de reforçar a dualidade educacional brasileira, dentro da qual estudantes pobres aprendem profissões técnicas e de baixa remuneração e estudantes das classes altas acessam o ensino superior 

Isso dialoga com pronunciamentos recentes do ministro da Educação, Milton Ribeiro, – quando afirmou que a Universidade não pode ser para todos e que agora era a vez dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia – sinaliza para os interesses em implementar contrarreformas que irão distanciar os IFs da sua proposta original. Ao que parece, com a aprovação do atual pacote de medidas, dos Institutos Federais pode ficar apenas o nome.

Além disso, a exigência de 75% da oferta de matrículas em cursos técnicos gera uma diminuição da oferta de cursos superiores (graduações tecnológicas, licenciaturas, entre outros). A mesma situação tende a acontecer com a oferta de pós-graduações.

Ainda que a oferta de cursos superiores e de pós-graduações não seja a razão primeira de existência dos Institutos Federais, não se pode negar que, dado a condição interiorizada dos campi, em muitas regiões do país, a população interiorana só tem acesso a este nível de ensino por conta da oferta gratuita que é assumida pela Rede Federal.

Dessa forma, há uma demanda para profissionais de nível superior que também é assumida pelos Institutos Federais e que, com as novas propostas do governo, será abandonada.

De tudo que foi exposto, o que se observa é uma reconfiguração da função social dos Institutos Federais que, de celeiros da formação científica e tecnológica, de protagonistas do desenvolvimento regional, deverão passar a se ocupar, apenas, com formação aligeirada, rápida e voltada para a classe mais pobre.

Além de reforçar a exclusão e a desigualdade, a medida também terá impacto nas regiões atendidas pela Rede Federal, uma vez que os retrocessos serão para todos. É uma medida que, além de controversa, é eleitoreira, já que visa construir uma narrativa da criação de 10 novos Institutos, o que na verdade se resume apenas à nomeação de 10 reitores e cargos comissionados para seu staff.

Não se pode esquecer que a proposta foi apresentada pelo mesmo governo que já tentou emplacar interventores em algumas reitorias. Tal medida, deve-se destacar, acontecerá prioritariamente no Nordeste, região em que a aprovação do governo é pequena. Neste sentido, não se exclui a possibilidade de que a estratégia de dividir para conquistar seja um dos motes da proposta, sobretudo no contexto do Nordeste.

Como já expresso, há, aqui, um “presente de grego”, ou seja, uma tentativa de se criar um “Cavalo de Tróia”, de onde sairão não só 10 novos reitores indicados politicamente, como também poderão sair novas medidas que serão cruciais para a continuidade ou descontinuidade do exitoso projeto dos Institutos Federais.

É uma forma de, no curto ou longo prazo, se alterar a função social da Rede Federal, priorizando o modelo tecnicista e dualista em detrimento da oferta de uma formação politécnica, omnilateral e emancipadora.

* Tiago Fávero de Oliveira é filósofo, doutorando do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ). Professor do IF Sudeste MG – Campus Santos Dumont.

** Gaudêncio Frigotto é filósofo e pedagogo, mestre e doutor em Educação. Professor titular aposentado na Universidade Federal Fluminense (UFF) e, atualmente, professor associado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Edição: Vinícius Segalla

Imagem: Pastor Milton Ribeiro, da Igreja Presbiteriana, 4º ministro da Educação de Bolsonaro. Foto: Mackenzie

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