Debate sobre ordenamento territorial não inclui os mais pobres no Distrito Federal

Entidades denunciam beneficiamento do mercado imobiliário em discussão de Plano Diretor

Roberta Quintino, Brasil de Fato

O Governo do Distrito Federal começou nesta semana o debate com a sociedade civil sobre o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), principal instrumento do planejamento e da gestão urbana que define os critérios para o desenvolvimento de atividades, estratégias de desenvolvimento local, regularização fundiária e define áreas prioritárias para oferta habitacional para os próximos dez anos.

Entidades da sociedade civil denunciam que a proposta apresentada pelo GDF não garante as condições para a participação social efetiva da população do DF. Isso porque o Comitê instituído para abarcar a participação de entidades da sociedade civil tem caráter consultivo.

Apontam ainda que o contexto pandêmico impõe restrições a realização de atividades presenciais e dificulta o engajamento da população por conta do impacto no emprego e na renda das famílias e o cronograma apresentado é demasiadamente curto, incompatível com um debate democrático e aprofundado sobre a cidade.

O decreto do GDF nº 41.004 de julho de 2020, instituiu a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH) como responsável pela operacionalização da revisão. Definiu ainda a composição da Estrutura de Governança e Gestão Participativa do processo, que inclui uma coordenação técnica, uma comissão de governança, um grupo de trabalho interinstitucional e um comitê de gestão participativa.

O Comitê de Gestão Participativa (CGP) é majoritariamente formado por entidades da sociedade civil, dentre os quais movimentos sociais e coletivos, organizações não governamentais (ONGs), cooperativas e associações. Além do setor empresarial, ainda fazem parte de sua composição representantes para as profissões de produtores rurais e arquitetura e urbanismo, membros do conselho de classe profissional e membros de entidades acadêmicas e de pesquisa.

Conforme estabelecido em decreto, a CGP tem apenas caráter consultivo. A instância deliberativa do processo de revisão, composto majoritariamente por membros do governo, fica a cargo da Comissão de Governança (CGO).

Criação de Fórum

Em desacordo com a forma pela qual o processo de revisão do PDOT tem sido conduzido pelo GDF, entidades da sociedade civil eleitas para o CGP, junto com outras entidades que não participam formalmente da sua composição, criaram o Fórum Quem Participa DF?, com o objetivo de defender um debate democrático e socialmente justo. 

A frente foi formada em 2020, como reação a intenção do GDF em promover a revisão do PDOT durante a pandemia. O Fórum se organizou de forma virtual e redigiu dois manifestos solicitando a suspensão da revisão, ambos subscritos por inúmeros coletivos, movimentos sociais e organizações que atuam na pauta do direito à cidade. 

A articulação contribuiu para que o MPDFT emitisse recomendação ao GDF, em 2020, para a adoção de medidas efetivas para assegurar a igualdade de condições para a participação social. Além disso, a articulação foi importante para que, neste ano, a Defensoria Pública do DF, tenha enviada ao governo uma recomendação para suspender, enquanto perdurar a situação de calamidade pública e de emergência em saúde pública, o andamento do processo de revisão. 

No documento, as entidades apontam que a pandemia de covid-19 perdura e ainda demanda o isolamento social como medida sanitária, prejudicando a realização de atividades presenciais, fundamentais à participação social.

“As desigualdades de acesso à internet inviabilizam soluções virtuais que assegurem equidade de condições de participação para todos os segmentos da população e o impacto sobre o emprego e a renda das famílias coloca a sobrevivência como prioridade e retira as condições básicas para o engajamento da população em processos participativos”.

Coordenador da Comissão de Políticas Urbanas do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Renato Schattan, questiona a pertinência da revisão, considerando as dificuldades para empreender a participação social no atual contexto. “Afinal, a quem interessa rever o PDOT agora e o que motiva a urgência dessa revisão?”

Para o arquiteto, o prosseguimento da revisão na atual conjuntura irá comprometer a legitimidade do processo. “Serão privilegiados interlocutores específicos do mercado imobiliário que possuem acesso às esferas decisórias, em prejuízo da população em geral e particularmente dos grupos minorizados e marginalizados”. 

Participação social

“O PDOT precisa ser revisado com participação social ampla e efetiva de forma a atender as reais necessidades da população, mas em meio à pandemia não há como garantir isso. Assim, defendemos que a revisão do Plano seja suspensa enquanto não seja possível garantir a participação por meios democráticos, efetivos e seguros”, argumenta Schattan.

O deputado Leandro Grass (Rede) defende que “a participação da sociedade seja intensa, que cada detalhe do PDOT, em cada território do Distrito Federal, seja amplamente discutido com os moradores, com as entidades e, principalmente, com os especialistas em urbanismo da nossa cidade. É praticamente impossível a gente aprovar um plano diretor que satisfaça os desafios do DF sem que haja essa participação da comunidade”, destaca Grass.

De acordo com o Fórum, reconhecendo a conjuntura pouco favorável para uma revisão democrática do PDOT, o MPDFT, emitiu recomendação ao GDF, em 2020, para a adoção de medidas efetivas para assegurar a igualdade de condições à participação social. No mesmo sentido, este ano a Defensoria Pública do DF, enviou ao governo uma recomendação para suspender, enquanto perdurar a situação de calamidade pública e de emergência em saúde pública, o andamento do processo de revisão. 

Contrariando as recomendações, o GDF realizou no dia 23 de setembro a primeira reunião para debater o tema.

Edição: Flávia Quirino

Foto: Grupo que revisa Plano Diretor do DF é formado majoritariamente por membros do GDF – Foto: Agência Brasília

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