Caso Prevent Sênior é ponta do iceberg; ações negam a ética médica

Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, no Tutaméia

“O caso Prevent Sênior revela uma falência de uma dada maneira de se praticar a medicina; foi um show de horrores. É a ponta do iceberg. Fica claro que saúde não pode ser mercadoria. É preciso um SUS 100% público, assegurar o direito universal à saúde da população”.

Palavras da médica sanitarista Lúcia Souto, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. Ela falou ao TUTAMÉIA juntamente com Dirceu Greco, médico infectologista e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, sobre a ética médica na pandemia (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“O que foi feito lá [no Prevent] vai contra os quatro principais princípios da ética médica: autonomia –eles não tinham autonomia–, a beneficência, a não maleficência, e a justiça distributiva”, afirma Greco.

Professor emérito da Faculdade de Medicina da UFMG e com larga experiência internacional no debate sobre ética, ele lembra os rígidos parâmetros estabelecidos na legislação brasileira sobre o comportamento de médicos e observa:

“Como disse Norberto Bobbio, o maior problema dos nossos tempos em direitos humano não é estabelecer princípios; é fazer com que eles sejam utilizados”. Na sua visão, é preciso levar os médicos que cometeram lambanças “às barras dos tribunais”.

RENÚNCIA PARA A DIREÇÃO DO CFM

Para Lúcia Souto, o que ocorreu na pandemia “mostra uma falência moral dessa prática medica”. Ela ressalta que, quando a Prevent adotou as terapêuticas da cloroquina e outras, já estavam disponíveis todas as informações necessárias para que o Conselho Federal de Medicina fosse o primeiro a se posicionar contra.

“O CFM não só não se posicionou, como incentivou. O governo federal exercitou de uma maneira plena o incentivo a esse tipo de prática. Deveríamos pressionar para que houvesse uma renúncia dessa direção. É impossível conviver em um país com um CFM com esse tipo de prática. A ANS também falhou demais. Não interveio a tempo nessa questão da Prevent Sênior”.

Como Greco, Lúcia enfatiza a falácia na argumentação da suposta autonomia médica no caso do kit Covid:

“Os médicos eram obrigados. Então a tese da tal da autonomia médica, que foi defendida pelo Conselho Federal de Medicina e utilizada pelo presidente na ONU, é uma farsa. Ali houve tudo, menos autonomia dos médicos. Era obrigatória a adoção daquela terapêutica naquele estabelecimento. Foi um local de experimentos, de lucro daquela empresa. Não protegeram a vida e a saúde daqueles que estavam sob sua responsabilidade. Me espanta profundamente a completa omissão dos órgãos, do Conselho Federal de Medicina. A Prevent estava sendo assessorada pelo gabinete paralelo do presidente”.

NAZISMO E EXTERMÍNIO

Na avaliação da médica, as ações na pandemia no Brasil “são compráveis ao nazismo, aos campos de extermínio. Temos 602 mil mortes, a maioria evitável. O que que é isso, senão você colocar a população brasileira para ser exterminada?”.

Analisando o histórico dessa pandemia, Greco afirma que a situação é de quase terra arrasada. “Não é terra arrasada porque ainda tem o SUS, apesar de tudo que fizeram contra. O SUS impediu que essa barbárie se transformasse em caos. Tudo o que é importante na saúde no Brasil é o SUS que faz. Vacina, Anvisa, medicamentos”.

Ele reforça o fato de que, apesar dos números da vacinação, 100 milhões de brasileiros ainda não receberam as doses. “É um momento complicadíssimo. Temos 10% dos casos mundiais, 10% da mortalidade, tendo 3% da população. Tudo errado. O erro foi crasso. O governo foi incapaz, irresponsável”.

NÃO BAIXAR A GUARDA

Lúcia ressalta:

“Não é momento de baixar a guarda. É o momento de mantermos as medidas: evitar aglomerações, manter o uso de máscaras, de uso da higiene. Temos que comemorar a CPI, porque ela ajudou a acelerar o processo de vacinação. E a própria sociedade brasileira, que, apesar dessa comunicação tóxica do governo federal, não caiu na conversa do negacionismo frente à vacina. Há uma adesão real da população à vacinação, com todas as barreiras colocadas por esse governo criminoso”.

Lúcia Souto e Dirceu Greco enfatizam a necessidade de discussão de um projeto para o pós-pandemia. Apontam para urgência de mobilização ampla da sociedade, numa reedição dos movimentos nos anos 1970 e 1980, que resultaram na derrubada da ditadura, na elaboração da Constituição de 1988 e na construção do SUS.

Fala Lúcia:

“O Brasil precisa começar a ter essa consciência mais ampla. Se trata de correlação de forças. Em vários momentos da história do Brasil tivemos uma correlação de forças para ganhar um projeto de solidariedade. Esse projeto só não vingou por golpes. Aqueles que não têm apreço pela democracia. Qualquer fio de cabelo de distribuição de renda deixa esses grandes capitalistas enlouquecidos. São eles os fiadores, como foram lá atrás, no Hitler, dessa história desastrosa que a gente está vendo hoje. É preciso uma sociedade mais solidária, que é uma sociedade dos direitos universais de cidadania. E não desse desmonte de hoje, essa devastação cujo resultado é a maior calamidade da história do Brasil, a pandemia”.

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