Entidades da sociedade civil estão preocupadas com o mistério feito pelo governo federal em relação a reforma do Programa Nacional de Direitos Humanos: “processo obscuro”, diz diretora da Human Rights Watch
Por Gil Luiz Mendes e Beatriz Drague Ramos, na Ponte
O programa do governo federal responsável pelas políticas de direitos humanos no país está sendo reformado sob sigilo e sem a participação da sociedade civil. Diferentes organizações que trabalham o tema estão preocupadas com a falta de transparência do Palácio do Planalto e do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Há um temor que ações que já foram implementadas deixem de existir.
Desde o início do ano, a pasta comandada pela ministra Damares Alves formou um grupo secreto para reformular o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que existe desde 1996. A apresentação deste documento, com as novas diretrizes do programa estava prevista para ser divulgada nesta segunda-feira (1/11), mas foi adiada e deve acontecer até junho do próximo ano.
A Human Rigths Watch foi uma das organizações que pediu para acompanhar os trabalhos do ministério em relação ao programa, mas não obteve resposta. Em um comunicado publicado nesta sexta-feira (29/10), o ministério afirma que convidará entidades da sociedade civil para serem consultadas sobre as mudanças no programa. Porém essas organizações não terão poder de decisão sobre as novas diretrizes. O clima de mistério com que o assunto vem sendo tratado preocupa, como explica Maria Clara Canineu, diretora do escritório do Brasil da Human Rights Watch.
“O papel do grupo de trabalho criado em fevereiro deste ano pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos é, de acordo com seu ato constitutivo, revisar as políticas de direitos humanos do Brasil, incluindo o PNDH. Entretanto, este grupo foi e permanece sendo formado apenas por representantes do próprio ministério. Um processo genuíno de participação popular implicaria que representantes independentes da sociedade civil fossem incluídos como membros do grupo. Apenas convidá-los para reuniões sem garantia de que suas posições serão refletidas no documento final parece uma estratégia para legitimar um processo obscuro”, explica.
O grupo de trabalho formado pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos conta com 14 pessoas. Todos são funcionários da pasta e, consequentemente, subordinados à ministra Damares Alves. “É obrigação do Brasil perante a comunidade internacional garantir que sempre que um processo de tomada de decisão afete substancialmente o modo de vida e a cultura de um grupo minoritário, o governo consulte esse grupo”, lembra Canineu
Desde o fim da ditadura militar, o Brasil implementou três programas nacionais de direitos humanos. Em todos houve uma ampla participação de diferentes setores para que novas diretrizes fossem tomadas.
O programa foi revisado pela última vez em 2008 e, para que novas políticas fossem introduzidas, participaram da construção representantes da sociedade civil, comissões de direitos humanos do Congresso, promotores, juízes e defensores públicos, além do poder executivo. Estima-se que 14 mil pessoas participaram das discussões para reformulação do programa anterior por meio de conferências regionais realizadas por todo o país.
Para a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, tamanho mistério e sigilo por parte do governo federal é uma clara indicação que haverá um desmonte nas políticas de direitos humanos, assim como já houve em outras áreas do país.
“A manutenção da exclusão da sociedade civil do grupo de trabalho e o segredo dos debates comprovam que o objetivo do governo é esvaziar a Política Nacional de Direitos Humanos. É um governo de destruição dos avanços democráticos que a sociedade brasileira conquistou, com lutas e sofrimentos.”
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) defende que a única forma de debate de avaliação e de uma possível revisão é que não haja retrocessos em ações que estão em vigor. “A gente sempre tem que caminhar pra frente. Se nós temos então o PNDH-3 pautado na ampla participação social, como ocorreu de fato, a gente não pode ter agora um novo plano nacional discutido em mesas de gabinetes com representantes exclusivamente de um ministério”, explica o presidente do CNDH, Yuri Costa.
O atual Programa Nacional de Direitos Humanos, o PNDH-3, tem seis eixos orientadores. São eles: Interação democrática entre Estado e sociedade civil; desenvolvimento e direitos humanos; universalizar direitos em um contexto de desigualdade; segurança pública, acesso à justiça e combate à violência; educação e cultura em direitos humanos; direito à memória e à verdade.
Foi após a implementação do PNDH que foi criada a Comissão da Verdade, para apurar os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar. O atual presidente da República sempre foi um ferrenho opositor da comissão. “Você acredita em Comissão da Verdade? Foram sete pessoas indicadas por quem? Pela Dilma”, disse Jair Bolsonaro em julho de 2019, quando foi questionado por jornalistas no Palácio da Alvorada.
A Ponte perguntou, por email, ao Ministério da Mulher Família e Direitos Humanos qual mecanismo foi criado para garantir a transparência e a participação da sociedade civil e por que o ministério não alterou a composição do grupo de trabalho, mas não teve resposta.
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