Google e Amazon anunciam em sites citados por CPI da Covid como propagadores de fake news

Dos dez sites citados pela CPI da pandemia como disseminadores de informações falsas sobre a covid-19, seis utilizaram anúncios monetizados

Por Laura Scofield, em Agência Pública

Quase um mês depois do fim da CPI da Pandemia do Senado Federal, sites apontados no relatório final da comissão como “propagadores de fake news” sobre a covid-19 continuavam sendo monetizados pelo sistema de anúncios do Google — maior plataforma de anúncios digitais do mundo — e pela Amazon.

O relatório aprovado pelo Senado em 26 de outubro deste ano apontou dez “veículos que tiveram intensa participação na desinformação sobre a pandemia” e teriam auferido “expressivos ganhos financeiros” com a publicação de “conteúdo sensacionalista”. 

Agência Pública apurou que dois deles continuam monetizados pelo Google; o terceiro que recebia dinheiro da empresa foi tirado do ar por decisão editorial em nove de novembro de 2021. Depois do contato da reportagem, a Amazon retirou os anúncios do site que financiava, mas não respondeu às perguntas enviadas. 

Três sites também exibem anúncios pagos por sistemas *como Taboola, MGID e Disqus*, que, como o Google e a Amazon, fazem a ligação entre as empresas que querem anunciar produtos ou serviços e os sites que disponibilizam espaço para propagandas.

Os sites que continuam monetizados são: Jornal da Cidade Online; Brasil Sem Medo; Senso Incomum; e República de Curitiba. A reportagem também encontrou anúncios no site Renova Mídia, que saiu do ar por decisão editorial alegando “perseguição por parte de parlamentares” e “falta de segurança jurídica no Brasil”. Já o Folha Política perdeu os anúncios depois que a Amazon foi contatada pela Pública.

Em junho de 2021, quando o país enfrentava um de seus piores momentos em meio à pandemia de covid-19, o site Brasil Sem Medo publicou texto no qual chamava as vacinas de “experimentais” e “perigosas para o ser humano”. O site também já publicou um artigo no qual afirmava que a pandemia era um “experimento psicológico de manipulação em escala global” — citado pelo relatório da CPI como um exemplo de desinformação —; e uma matéria que avaliava o lockdown e outras medidas de combate à pandemia como “instrumento completamente arbitrário” e “experimento psicológico de manipulação em escala global”.

Por conta deste tipo de postagens, o Brasil Sem Medo foi incluído no relatório da CPI da Pandemia como um “propagador de fake news” — ao lado de seu diretor, o influencer bolsonarista Bernardo Küster, citado no texto por suas conexões com o núcleo político do governo Bolsonaro. A CPI afirma que o site tem mais de três milhões de acessos e “divulgou diversas notícias negacionistas no portal e em suas redes sociais” durante a pandemia. A reportagem encontrou anúncios no Brasil Sem Medo distribuídos pelo Google Adsense, serviço que conecta anunciantes a sites. 

As políticas do Google advertem que um site que “promova declarações prejudiciais sobre saúde ou esteja relacionado a uma grande crise sanitária atual e seja contra o consenso científico oficial”, não se qualifica para o Adsense. A empresa cita diretamente que estão proibidas “manifestações contra a vacina” e “negação da existência de condições médicas, como a AIDS ou a COVID-19”, além de conteúdos que promovam “discriminação” ou busquem minar a “confiança no processo eleitoral ou democrático”.

Ainda assim, o Senso Incomum, apontado pela CPI por ter publicado “conteúdo voltado ao tratamento precoce e fortes críticas às vacinas” permanece com anúncios. Entre os exemplos dos conteúdos enganosos postados pelo site estão matérias que contestam a eficácia do uso de máscaras no enfrentamento da pandemia — um dos tópicos mais frequentes na disseminação de notícias falsas, de acordo com a comissão —  além de críticas ao imunizante Coronavac. 

Um terceiro site financiado com anúncios do Google é o Renova Mídia. O site também hospedava propagandas encaminhadas pelas plataformas Flashtalking e Criteo, até sair do ar por decisão editorial em nove de novembro deste ano. No relatório da comissão, foi citado por ter divulgado “diversos conteúdos contra o isolamento social, as vacinas, as máscaras e a favor do tratamento precoce”.

Em resposta à reportagem, o Google afirmou que “tem políticas rígidas desenvolvidas para evitar a monetização de conteúdo prejudicial, perigoso e fraudulento” e que os sites de conteúdo “estão sujeitos a revisões regulares, de acordo com nossas práticas padrão”. “Estamos empenhados em elevar o conteúdo de qualidade nos produtos do Google e isso inclui proteger as pessoas contra informações médicas incorretas”. Confira na íntegra.

Sites apontados pelo TSE como “ameaças à democracia” seguem monetizados

Na lista apontada pela CPI, há sites monetizados que, além de desinformar sobre a covid-19, foram considerados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como ameaças à democracia. São exemplos o Folha Política, que exibe anúncios de livros da Amazon; e o Jornal da Cidade Online. 

Citado pela CPI por publicar “conteúdos negacionistas e a favor do tratamento precoce, contra vacinas e máscaras”, o Folha Política (dono do site e canal homônimo no YouTube) foi avaliado pela Polícia Federal como um disseminador de notícias falsas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, além de outros temas ligados às eleições. A investigação da PF culminou em decisão do então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, que ordenou em 16 de agosto a desmonetização dos perfis do grupo no YouTube (onde tinha 2,5 milhões de seguidores à época da decisão), Facebook, Twitter e Instagram. “Quanto mais se atacam as instituições e o sistema eleitoral, mais proveito econômico os envolvidos obtêm”, argumentou o ministro em documento ao qual a Pública teve acesso. 

A ordem do TSE barrou a possibilidade do Folha Política receber dinheiro por meio de suas redes sociais, mas o site segue com anúncios monetizados. Por meio de uma conta no Amazon Ads, serviço de publicidade online recente no Brasil, os responsáveis pelo site escolheram livros alinhados a defesas da extrema-direita para indicar ao seu público. De acordo com Daniel Rogers, do Índice de Desinformação Global, se trata de um tipo de mídia estática, ou seja, na qual os publicadores decidem qual produto será anunciado. “O publicador recebe uma pequena comissão da Amazon se alguém comprar algum dos livros indicados”, explica ele. 

Um dos livros que o Folha Política gostaria que seu público comprasse é o “Sereis como deuses”, da promotora Cláudia Rodrigues de Morais Piovezan. A obra critica o Supremo Tribunal Federal com o argumento de que o mesmo estaria praticando o que a autora chama de “ativismo judicial”. “O tribunal ativista não quer aplicar a lei, e sim impor sua visão de mundo, suas convicções ideológicas – sobre aborto, drogas, segurança pública, algemas e até sobre urnas eletrônicas”, registra a sinopse do livro. 

O site Jornal da Cidade Online, cujas redes também foram desmonetizadas por decisão do TSE, hospeda anúncios provenientes de pelo menos uma empresa, a MGID. De acordo com a CPI, o site se popularizou por meio da desinformação, “utilizando a estratégia de publicar dados falsos ou distorcidos que levam sua audiência a conclusões enganosas”. Ao fim de suas matérias, o veículo relembra a decisão judicial de Salomão para angariar doações de seus membros: “Precisamos da ajuda de todos os patriotas”.

Em retorno à Pública, o Jornal da Cidade Online afirmou que estão “impossibilitados e impedidos de prestar qualquer informação”. “Somos um dos maiores portais de notícias da América Latina. Nunca propagamos Fake News nem ameaçamos a democracia”. A reportagem entrou em contato com todos os veículos citados, mas eles não responderam aos questionamentos.

Rede de anúncios digitais banca desinformação sobre pandemia

“Se uma pessoa é gerente de uma pousada e quer fazer um anúncio, e outra é dona de um site de turismo monetizado, quem faz esse match é o Google, através do algoritmo do AdSense”, explica Fabio Bergamo, doutor em gestão de marketing em cultura digital pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP). 

Neste tipo de publicidade digital, denominada programática, o valor de cada anúncio é calculado instantaneamente a partir de um leilão online em tempo real, no qual a plataforma disponibiliza dados sobre o perfil do usuário e o anunciante que oferecer mais dinheiro ganha o espaço. Se cliques, impressões e interações forem feitos o anúncio fica mais caro; parte do dinheiro vai para o site e parte fica com a plataforma. 

De acordo com relatório publicado pelo Índice de Desinformação Global sobre o financiamento da disseminação de conteúdos falsos sobre a covid-19 em espanhol, 12 milhões de dólares foram parar em 56 sites de desinformação por meio da monetização em 2021. Google, Taboola e Criteo foram responsáveis por 86,4% do total gasto — o Google sozinho respondeu por 51%, o que equivale a cerca de seis milhões de dólares. Em 2020, estudo conduzido pelo Instituto de Internet da Universidade de Oxford já havia demonstrado que a maioria de sites e canais de baixa credibilidade utiliza o Google Ads como sua principal forma de faturamento.

Daniel Rogers, co-fundador do Índice de Desinformação Global, (Global Disinformation Index, GDI, em inglês), explica: “A maior parte das pessoas usa a desinformação para fazer dinheiro, porque conseguir a atenção do público é lucrativo, e a melhor forma de conseguir isso é deixando as pessoas irritadas”. “Se a desinformação é criada para vender anúncios, então a melhor forma de diminuir esse tipo de conteúdo perigoso é torná-lo menos financeiramente lucrativo”, propõe. 

“Quando a gente fala na internet que o produtor, que é um site desinformativo, está ganhando dinheiro com a desinformação, a plataforma também está. A desinformação virou um modelo de negócios”, explica Leonardo de Carvalho Leal, um dos responsáveis pelo perfil Sleeping Giants Brasil, que busca desmonetizar conteúdo que consideram odioso ou desinformativo. 

Pesquisador avalia que é preciso cobrar responsabilidade pelo financiamento à desinformação

Além do Google e da Amazon, outras plataformas contribuem para a monetização de sites apontados por difundir conteúdos enganosos sobre a pandemia. A apuração da Agência Pública encontrou anúncios provenientes de empresas *como Taboola, MGID, e Disqus* nos sites investigados.

Para Fabio Bergamo, alguns sites estão deixando os anúncios do Google após decisões de desmonetizar sites acusados de desinformação. “É válido ressaltar que muitas dessas plataformas (para as quais os sites migram) têm suas sedes em países que são de difícil alcance para entidades jurídicas internacionais, então é difícil de combater isso”, acrescenta o pesquisador. 

Outra forma de garantir a sobrevivência financeira dos sites é mudar o  modelo de negócios. “Há uma forte tendência de migração para assinatura, porque eu acho que eles estão sacando que o cerco está se fechando e estão procurando outras formas”, explica Bergamo. 

Daniel Rogers, do Índice de Desinformação Global, aponta que é necessário cobrar a responsabilidade de todos os envolvidos no financiamento da desinformação. “Uma grande consideração que temos que ter acerca dessas empresas é que se elas são pagas pelos anúncios que colocam nos sites, recebendo uma parcela do valor, elas vão preferir que o gasto com anúncios seja maior, não menor. Existe um fundamental conflito de interesses aí”. 

Entre os dez apontados pela CPI como parte do núcleo de produção e distribuição das fake news, além dos seis já citados, constam na lista o Conexão Política, Brasil Paralelo, Crítica Nacional e Estudos Nacionais.

O relatório final da CPI da Pandemia segue para a Procuradoria Geral da União, onde aguarda análise de Augusto Aras, advogado-geral da União, a quem cabe a decisão de denunciar o presidente Jair Bolsonaro e outros agentes públicos com foro privilegiado citados. Os senadores também afirmaram que distribuíram o documento com o resultado das investigações para outras instâncias judiciais, a fim de agilizar a responsabilização de cidadãos comuns não dotados de foro.

Pesquisadores apontam que sistemas de anúncios têm responsabilidade ao financiar desinformação (Guilherme Peters/Agência Pública)

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