Levantando a tampa do bueiro: de onde saiu a nova leva de neonazistas brasileiros

Especialistas relatam que atual governo reforça histórico de adesão ao fascismo existente no país. Capital paulista teve novos episódios de violência e palavras de ordem nazistas na última semana

Por Gil Luiz Mendes, na Ponte

Ataques recentes atribuídos a neonazistas e a demonstração pública de racismo e intolerância  trazem de volta ao debate a existência e crescimento desses grupos no Brasil. Números da Polícia Federal mostram como discurso de ódio está se expandindo. Além de usarem a internet e redes sociais para propagar ideais fascistas, membros desses grupos retornam às ruas sem pudor e com violência.

No último dia 20 de novembro, quando é comemorado o Dia da Consciência Negra, dois episódios que teriam sidos praticados por adeptos ao neonazismo ocorreram na capital paulista. O músico Dennis Sinned foi espancado por cerca de dez homens em frente a um bar na zona oeste de São Paulo e uma faixa com a frase “orgulho branco não é crime”e a imagem de uma cruz celta, elemento associado a grupos nazistas, foi pendurada numa passarela na avenida Nove de Julho, uma das principais vias do centro da cidade.

A lei federal número 7.716, de 1989, é clara ao afirmar que veicular e divulgar símbolos do nazismo é crime. A condenação pode ir de multa a prisão de dois a cinco anos. O texto também ressalta que produzir, vender ou distribuir material que contenha símbolos que remetem ao regime de Adolph Hitler na Alemanha do século XX é considerado uma ação criminosa. Diferentes países pelo mundo têm legislações semelhantes.

De acordo com levantamento feito pela Polícia Federal, em 2021 foram instaurados 51 inquéritos para investigar o crime de apologia ao nazimo no Brasil, sendo quase 30% desses casos ocorridos no estado de São Paulo. “Olhando na internet e nas redes sociais se percebe o aumento de pessoas que pregam esse discurso, mas isso traz outra questão: será que essas pessoas já não existiam e agora estão se mostrando mais abertamente?”, questiona Alexandre Almeida, doutor em história pela Universidade de São Paulo e membro do Observatório da Extrema Direita da Associação Nacional de História.

“Hoje essas pessoas se sentem empoderadas, principalmente após a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência do Brasil. Esses grupos já o orbitavam desde a época em que ele ainda era deputado federal. A gente já viu essas pessoas em diferentes atos em apoio a ele. O discurso do presidente naturaliza o discurso desses grupos extremistas”, avalia a jornalista Letícia Oliveira, que acompanha há anos as ações de grupos neonazistas.

Pelo menos dois membros do governo Bolsonaro já fizeram menções indiretas ao nazismo. Em janeiro de 2020, o então secretário de cultura do governo federal, Roberto Alvim, fez um pronunciamento em vídeo onde não só repetiu trechos de um discurso do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels, como o cenário e a música faziam referências nazismo. Felipe Martins, secretário de assuntos internacionais do governo brasileiro, fez, em março deste ano, um gesto com as mãos que remete a grupo de supremacistas brancos, que propagam o “white power”’, em um evento dentro do Senado Federal.

Histórico nazista do Brasil

O governo Getúlio Vargas demorou para se posicionar após o início da Segunda Guerra Mundial. O ditador brasileiro acabou apoiando a aliança comandada pelos Estados Unidos contra Itália, Alemanha e Japão, mas cogitou ficar ao lado de nazistas e fascistas durante o conflito. Um dos principais grupos de apoio ao governo Vargas, principalmente no seu início, foram os integralistas, um grupo de radicais nacionalistas com forte influência dos regimes alemão e italiano.

O integralismo, comandado por Plínio Salgado, é tido como o maior movimento fascista fora da Europa que já existiu. Os brasileiros copiaram dos nazifascistas da forma de se vestir até a maneira de cumprimentar. Enquanto alemães exaltavam suásticas, no Brasil o maior símbolo dos nacionalistas era letra grega sigma ∑ e ao invés de gritarem “heil Hitler” faziam a saudação “anauê”, extraída do tupi-guarani.

A derrota dos nazifascistas na Segunda Guerra e a tentativa frustrada da tomada do poder pelos integralistas no Brasil fizeram com que grupos radicais de direita ficassem um bom tempo sem se assumirem publicamente no país. Ironicamente, esses grupos só voltaram a ter alguma notoriedade justamente no período pós-ditadura militar, quando os brasileiros finalmente voltaram a ter um regime democrático após 21 anos.

Se hoje o estereótipo de pessoas que têm predileções por doutrinas nazifascistas é de brancos de classe média que moram em bairros nobres, esse cenário era diferente na década de 1980, quando muitos desses discursos partiam de pessoas que viviam na periferia das grandes cidades, como lembra Alexandre Almeida. “Os primeiros skinheads brasileiros foram os Carecas do Subúrbio. Eles eram admiradores de Hitler e moradores do Itaim Paulista [bairro pobre do extremo-leste da capital paulista], não do Itaim Bibi” [bairro rico na zona sul da cidade]. 

Desde então, a ação de grupos neonazistas nacionais ficou mais frequente e violenta, mas não com tanta recorrência como nos tempos atuais. “Em 1992, o programa Documento Especial exibiu uma longa entrevista na TV com skinheads white power. Aquilo fez com que a polícia tivesse que tomar providências e fez com que esses grupos se dissolvessem. Só voltamos a ter notícia desses grupos na mídia anos depois”, relembra Almeida.

Uma das ações mais violentas feita por radicais de extrema-direita foi a morte do adestrador de cães Edson Neri, na Praça da República, região central de São Paulo, no ano 2000. Neri passeava de mãos dadas com o seu namorado quando foi atacado por 18 skinheads do grupo Carecas do ABC. Desses, apenas dois foram condenados com penas de 21 e 19 anos de prisão pelo crime.

Em dezembro de 2003, em uma estação de trem de Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, outro grupo de skinheads obrigou dois rapazes, um com 20 e outro de 16 anos, a pularem de um vagão em movimento. Um deles morreu e outro teve um braço decepado na queda. Dois homens foram condenados pelo crime e um terceirto recorreu da sentença. 

Há 10 anos Johni Galanciak foi morto a facadas por skinheads neonazistas em frente a uma casa de shows em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Várias pessoas com tatuagens que remetiam ao nacionalismo e ao nazismo foram detidas na ocasião, mas ninguém foi preso na noite do crime. “De tempos em tempos esses grupos vão se sentindo mais à vontade. Já se passaram dez anos desde o último episódio mais violento e agora tivemos esse caso da última semana que, ainda bem, não resultou em mais uma morte”, destaca Alexandre Almeida.

“Esses grupos nunca se desfizeram, mas a gente percebe que agora as ações voltaram a ser mais ousadas, basta ver a exibição dessas faixas, por exemplo. Ano passado na mesma data puseram uma faixa com a frase ‘vidas brancas importam’. A gente percebe que diante de um governo como o de Bolsonaro muitos grupos se sentem à vontade para agir. São essas pessoas que vão pra rua pedir AI-5 e golpe contra o Supremo Tribunal Federal”, destaca Alexandre.

Quem são os neonazi brasileiros?

Alexandre Almeida destaca que não é possível cravar um perfil dos membros dos grupos radicais de discurso supremacista no país. Um dos motivos é a dinâmica e fluidez desses movimentos. De acordo com o professor, mesmo com um número pequeno de pessoas, é normal que esses grupos se desfazem por um tempo e voltem depois com novos adeptos.

A Misanthropic Division é um organização neonazista com células em vários pontos do planeta e frequentemente relacionada a atos de violência. O grupo tem origem na Ucrânia e uma forte influência na extrema direita brasileira. A divisão brasileira foi a responsável pela faixa exibida em 20 de novembro de 2020 com a frase “vidas brancas importam”.

“É bom lembrar que a Misanthropic Division tem uma quantidade pequena de pessoas na rua, mas que faz algum barulho. A maior parte das ações deles está na internet. Vale ressaltar que por conta da pandemia muitos estabelecimentos que serviam de ponto de encontro para essas pessoas estavam fechados, talvez isso explique, de certa forma, eles terem aparecido menos nos últimos tempos”, explica Alexandre Almeida.

Existem outros grupos neonazista no país, como o Kombat Rac, conhecido por ter um cunho essencialmente antissemita e que costuma espalhar propagandas na internet e nas principais capitais do país contra judeus. O Impacto Hooligan é um grupo neonazi que em 2009 lançou uma bomba contra pessoas que estavam na Parada da Diversidade de São Paulo e seus membros foram acusados de espancar até morte um homem negro e homossexual no mesmo dia. Há ainda o Front 88, que é um dissidência do Impacto Hoolligan, formado por skinheads fascistas que tem em seu histórico ações violentas que também resultaram em mortes.

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“Para quem não conhece a fundo estes grupos é normal acharem que todos são a mesma coisa, mas há algumas diferenças como na questão visual e de símbolos. Aquela figura do skinhead careca e de coturno, que existia nos anos 80, hoje em dia é pouco recorrente. Tanto no Brasil, quanto no exterior, é mais difícil identificar esses grupos apenas pela questão estética. Além disso, os grupos supremacistas brancos e neonazistas passaram a usar um tipo de comunicação mais sutil entre eles, dificultando a sua identificação”, argumenta Alexandre Almeida.

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