De cunho autoritário, proposta da base governista estabelece um sistema de vigilância paralelo sob controle do presidente da República e cria mecanismos de perseguição a opositores.
A Câmara dos Deputados deve votar hoje (01) um requerimento de urgência para a apreciação do PL (Projeto de Lei) 1595/2019, que dispõe sobre “ações contraterroristas”. De autoria do deputado Major Vitor Hugo (PSL/GO), o texto prevê, entre outras coisas, a criação de uma “polícia política” composta por órgãos de Estado e controlada diretamente pelo presidente da República. Caso o requerimento seja aprovado, a entrada do projeto na pauta de votação do plenário da Câmara pode ser acelerada.
Aprovado em uma comissão especial da Câmara em setembro deste ano, o PL 1595/2019 utiliza justificativas vagas “contraterroristas” para criar mecanismos que podem criminalizar movimentos sociais e outras organizações, ampliar a vigilância inconstitucional e isentar agentes públicos que cometerem crimes. O projeto é uma reedição de uma proposta apresentada em 2016 pelo presidente Jair Bolsonaro, então deputado federal.
Nesta quarta-feira (01), mais de 100 organizações da sociedade civil, que já haviam se manifestado contra o texto em outra ocasião, lançam a campanha “Lutar não é Crime” para tentar barrar a tramitação do projeto no Congresso Nacional.
“Polícia política” de Bolsonaro
Na avaliação das entidades, o ponto mais crítico do texto está na criação do Sistema Nacional Contraterrorista e da Política Nacional Contraterrorista, que deverão ser instituídos pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Estes mecanismos terão como finalidade coordenar o preparo e emprego das forças militares, policiais e das unidades de inteligência nas ações contraterroristas e fornecerão informações para possíveis decretos de intervenção federal, estado de defesa ou de sítio em caso de “ações repressivas em território nacional”.
Na prática, o projeto cria uma “polícia política” composta pelas Forças Armadas, Polícia Federal e Abin (Agência Brasileira de Inteligência), com controle direto do presidente da República, que passará a ter acesso amplo a dados privados e informações privilegiadas de todos os cidadãos, especialmente de opositores ao seu governo.
A criação deste mecanismo é ainda mais preocupante no momento em que a estigmatização, a perseguição e a criminalização de vozes dissidentes e dos movimentos sociais no Brasil têm sido estimulada por lideranças políticas ligadas ao governo federal. Soma-se a este cenário o uso arbitrário e abusivo das legislações penais já existentes pelo presidente Jair Bolsonaro para intimidar opositores, lideranças sociais, jornalistas e advogados. Entre os casos mais conhecidos estão o da liderança indígena Sônia Guajajara e do comunicador Felipe Neto, que foram processados pela extinta Lei de Segurança Nacional por criticarem o presidente da República.
Portanto, o Congresso brasileiro, alinhado a este movimento de cunho autoritário, vem empreendendo esforços para ampliar uma legislação antiterrorista, que pode intensificar essas perseguições a opositores do governo Bolsonaro, especialmente no contexto das eleições de 2022.
Conceito amplo de terrorismo
Além da criação de uma “polícia política”, o texto estabelece um conceito de terrorismo a partir de critérios amplos e pouco definidos. Em nota conjunta das organizações sociais e movimentos populares, entre elas a Terra de Direitos, o coletivo aponta que Ao propor que a lei seja aplicada contra ações que, apesar de não tipificadas como crime de terrorismo, “sejam ofensivas à vida humana ou efetivamente destrutivas em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso chave” (artigo 1º, §2 e artigo 4º), o projeto coloca em risco qualquer manifestação de oposição a qualquer governo, além de ameaçar as liberdades fundamentais, em particular as liberdades de expressão e
associação”, diz um trecho.
O projeto autoriza ainda a investigação e punição dos chamados “atos preparatórios”, ou seja, cria formas de intervenção policial sem ter a concretude do ato e, sendo assim, meras intenções poderão se tornar crimes. Outro ponto problemático está na parte do texto que diz que caso o agente público, em legítima defesa, provoque a morte ou ferimento de pessoas em uma ação contraterrorista, ele poderá ser isento de responsabilização.
Relatores Especiais das Nações Unidas já solicitaram que o Brasil não proceda com o trâmite do texto durante a pandemia de covid-19, devido aos altos riscos que acarreta em direitos fundamentais, em especial a liberdade de expressão e associação. Em setembro, a Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, demonstrou preocupação com o projeto de lei e alertou para os eventuais abusos que podem ocorrer contra ativistas sociais e defensores de direitos humanos caso a proposta seja aprovada pelo Congresso.
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Foto: Dida Sampaio, AE