“Não caímos em polarização, nosso foco é a ciência”

Responsável pelas redes sociais da Fundação Oswaldo Cruz fala sobre os desafios da comunicação em tempos de pandemia, negacionismo e brigas ideológicas. Instituição foi apontada como uma das mais influentes no Twitter.

Edison Veiga, Deutsche Welle

Funcionária concursada há quase 20 anos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a jornalista Elisa Andreis, como coordenadora de comunicação social, tem sob suas rédeas a ferramenta que é vidraça constante de críticos — ao mesmo tempo que ganha afagos de apoiadores — do trabalho realizado pelos cientistas da instituição: as redes sociais.

“Somos alvo o tempo todo [de críticas], mas nosso foco é a ciência”, diz ela. “Não postamos nada para falar do negacionismo, por exemplo. Postamos sempre um artigo, um pré-print, uma informação científica de qualidade. Não caimos nessa armadilha da polarização.”

Andreis conta que muitas vezes os usuários “criticam a vacina”, dizendo que é “coisa do demônio” e outros achismos infundados. “Não respondemos, não entramos nesse tipo de questão. O debate em que entramos é o qualificado, o da ciência.”

Um estudo divulgado na semana passada, a partir de análise desenvolvida pelo monitor Science Pulse em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), qualificou dois perfis da entidade (@agencia_fiocruz e @fiocruz) como primeiro e segundo lugares num ranking das instituições mais influentes na divulgação científica dentro do Twitter.

As redes sociais mantidas pela Fiocruz (Twitter, Instagram, Facebook e TikTok) são alimentadas por uma equipe de quatro pessoas, gerenciados por Andreis. Durante a pandemia, a audiência aumentou — o Twitter saltou de 55 mil seguidores para 150 mil; o Facebook, de 146 mil para 1,4 milhão; o Instagram, de 62 mil para 556 mil; o TikTok foi criado em outubro.

Em entrevista à DW Brasil, a jornalista falou sobre os desafios de informar nas redes sociais em tempos de covid-19 e negacionismo.

DW Brasil: Qual a maior dificuldade em cuidar das redes sociais de um instituto científico em meio a esse contexto de pandemia e polarização ideológica?

Elisa Andreis: Somos alvo o tempo todo [de críticas], mas nosso foco é a ciência. Não postamos nada para falar do negacionismo, por exemplo. Postamos sempre um artigo, um pré-print, uma informação científica de qualidade. Não caimos nessa armadilha da polarização. Com o crescimento das redes da Fiocruz, percebemos que a interação dos usuários cresceu. E eles volta e meia criticam a vacina, a gente vê de tudo, gente falando que vacina é coisa do demônio…

E vocês respondem?

Não respondemos, não entramos nesse tipo de questão. O debate em que entramos é o qualificado, o da ciência.

Quando a vacinação começou no Brasil, essa polarização se tornou mais visível no trabalho de vocês?

Sim, com certeza. Passamos a ser questionados. Janeiro deste ano foi um dos meses mais difíceis, porque estava exatamente naquela polarização entre [o governador de São Paulo, João] Doria e [o presidente Jair] Bolsonaro para ver quem aplicava a primeira vacina. Naquele momento, a Fiocruz estava se preparando para produzir a [vacina] da AstraZeneca, mas os primeiros lotes de IFA [o ingrediente farmacêutico ativo] atrasaram, chegaram só em fevereiro, eram para ter chegado em dezembro. Por conta disso fomos muito atacados nas redes sociais. A própria população dizia: o [Instituto] Butantan [ligado ao governo de São Paulo] está entregando… E aí começou aquela narrativa do “atraso da vacina”. Mas, na verdade, um processo de fabricação com transferência de tecnologia, que antigamente demorava de cinco a dez anos, estava acontecendo em dez meses. Isso na emergência, na urgência. Fomos muito criticados até abril, quando aumentamos o número de doses entregues. A partir de maio a Fiocruz passou o Butantan [no número de doses]. Mas também nunca caímos nessa esparrela de ficar dizendo que “nós estamos entregando mais”.

Não era hora de rivalizar.

Exatamente. Quando nós divulgávamos qualquer coisa referente a esse assunto, sempre colocávamos a produção do Butantan e da Fiocruz juntas, mostrando a importância dos dois. São dois produtores públicos, brasileiros. E o momento é de exaltar, de mostrar a importância que isso tem, que esses produtores tiveram e têm nessa pandemia. O que seria se não tivéssemos nem o Butantan nem a Fiocruz?

Mas nem só de ódio foram as redes sociais. Muita gente marcou vocês na famosa foto tomando a vacina, elogiou o trabalho, interagiu positivamente.

Até hoje recebemos isso, e valoriza em nossas redes. Foi bem bacana. A covid-19 veio reavivar na memória das pessoas a importância da vacinação como prevenção. Foi maravilhoso isso [as pessoas elogiando], mas não só o reconhecimento da Fundação Oswaldo Cruz. Também percebemos que hoje a população tem um entendimento diferente sobre o SUS [Sistema Único de Saúde, o sistema público de saúde brasileiro], a imagem do SUS mudou. As pessoas entendiam o SUS como fila de hospital, emergência, pessoas morrendo na fila. Hoje as pessoas têm uma noção diferenciada. Entendem o SUS como vacinação, vigilância, epidemiologia. Antes, nós tínhamos dificuldade para comunicar isso. A Fiocruz é uma instituição que trabalha para o SUS. Somos uma instituição do Estado, vinculada ao Ministério da Saúde, que trabalha para o SUS, faz pesquisa, atua no campo da educação. 

Durante a pandemia, a base de seguidores de vocês nas redes sociais aumentou muito. Acredita que isso agora ajude a divulgar mais informações científicas de qualidade e interesse público?

Neste ano nós sentimos a possibilidade de entrar com outros temas [depois de um 2020 postando exclusivamente sobre a pandemia]. Aconteceu mas não teve impacto nenhum. Quando publicávamos sobre um evento, por exemplo, era algo como três curtidas. Quando publicamos sobre vacina são 5 mil. Espaço tem, mas não repercute. Agora no segundo semestre trabalhamos outros temas, como a luta contra a aids.

O crescimento das redes sociais foi muito orientado pela necessidade que as pessoas sentiam de se informar, ter informação de qualidade, em relação à covid-19. Quando publicamos coisas fora da covid-19, o engajamento é muito baixo. E isso deixa claro que agora precisamos pensar de que maneira vamos manter esse público cativo, entender o que esse público está querendo. É um público muito variado, de todos os lugares do Brasil.

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