No Brasil há 17 anos, o fotógrafo esloveno Simon Plestenjak documentou o cotidiano do povo amazônico Yawanawá. Para ele, é absurdo constatar que situação dos indígenas é a mesma de 500 anos atrás.
por Edison Veiga, em DW
A Amazônia fascinava Simon Plestenjak desde a infância, quando suas férias no então litoral iugoslavo eram povoadas por livros de aventura ambientados na floresta e gibis com as aventuras de Mister No, personagem criado pelo quadrinista italiano Sergio Bonelli (1932-2011). Meio herói, meio anti-herói, trata-se de um ex-soldado americano que, depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, decide morar no coração da Amazônia brasileira.
“Ele era um gringo e morava na Amazônia, onde se envolvia em várias aventuras. Tudo isso despertou em mim um interesse pelos povos indígenas, pela América do Sul”, comenta Plestenjak, hoje com 45 anos — 17 dos quais vividos no Brasil, na maior parte do tempo em São Paulo.
Desde que se mudou para o país, o fotógrafo esteve três vezes na floresta. A última, em 2019, foi quando teve a experiência mais intensa. Durante dez dias viveu na companhia de indígenas do povo Yawanawá, no Acre. Participou de todas as atividades deles — da caça aos rituais. E, principalmente, os fotografou.
Ele considera absurdo o cenário atual de desmatamento e ameaças aos povos indígenas. “Estamos presenciando uma mentalidade medieval, bárbara, colonizadora, como a de 500 anos atrás. Os indígenas se encontram na mesma situação, como se não houvesse tido um progresso de 500 anos no meio disso.”
Na última sexta-feira (07/01), ele inaugurou em Bled — sua cidade-natal, no norte da Eslovênia — a exposição Amazonija, com as principais fotos dessa aventura.
DW Brasil: Como foi para você trazer um pouco da Amazônia para sua terra?
Simon Plestenjak: É o último grande trabalho autoral que fiz, então eu queria divulgar, mostrar… E casou superbem com o lugar [a mostra está em cartaz na sede do Parque Nacional do Triglav], uma entidade importante para a preservação da natureza. As pessoas se interessaram pela temática da floresta [Amazônica] e também por ser exótico.
De onde veio seu interesse pela Amazônia?
Dos gibis do Sergio Bonelli, especificamente os do [personagem] Mister No, que a gente lia durante as férias na Croácia todos os anos. Eu até coleciono esses gibis. Ele era um gringo e morava na Amazônia, onde se envolvia em várias aventuras. Tudo isso despertou em mim um interesse pelos povos indígenas, pela América do Sul. Já tinha viajado por muitos países da América Latina, e o Brasil estava me esperando.
Logo em meu primeiro ano de Brasil, já fui para a Amazônia, mas como turista. E sempre fiquei procurando um jeito de chegar mais próximo ao dia a dia dos indígenas. Em 2019 [na terceira vez em que esteve na Amazônia], encontrei essa maneira. Foram dois dias de viagem: um avião de São Paulo para Manaus, depois outro para o Acre, depois um ônibus, então oito horas de barco. Fiquei dez dias lá, hospedei-me na casa dos índígenas, fui caçar com eles, participei de rituais xamânicos.
A Amazônia real é mais interessante do que a dos gibis?
É muito mais fascinante do que eu imaginava. Tem uma intensidade absurda, especialmente à noite. Tem tanta vida presente que o ar vibra de som, cheio de vida. Eu imaginava que fosse mais perigosa. No fim das contas, me senti tão seguro quanto indo às montanhas aqui da Eslovênia. Em qualquer lugar é preciso ter cuidado, contar com conhecimentos de locais sobre os animais e os terrenos, mas fisicamente a floresta é bem tranquila. O que mais me surpreendeu foi o frio à noite. Foi quando percebi o quanto são importantes as árvores, o quanto a floresta preserva, não deixa esquentar o chão. À noite era supergostoso o frio para dormir.
Alguma coisa o decepcionou?
Nada me decepcionou. Identifiquei-me muito mais do que esperava com os indígenas. Super me conectei com eles, são seres humanos incríveis. Vi paralelos com qualquer pessoa que mora junto à natureza. Eu me surpreendi com o quanto eles são espirituais e o quanto essa espiritualidade está conectada com a natureza, diretamente.
Vivemos um cenário de bastante desmatamento, em um contexto em que povos originários indígenas também têm perdido proteção e vivem sob ameaça. Do ponto de vista de um estrangeiro que vive no Brasil, como você analisa esse problema?
Acho essa situação simplesmente absurda. Estamos presenciando uma mentalidade medieval, bárbara, colonizadora, como a de 500 anos atrás. Os indígenas se encontram na mesma situação, como se não houvesse tido um progresso de 500 anos no meio disso. Muitas coisas ligadas às diferenças sociais no Brasil parecem verdadeiros absurdos para um europeu, especialmente para um esloveno. Como as pessoas podem deixar chegar a esse ponto? É triste, não sei o que dizer.
Vê alguma solução?
Muitas pessoas ainda veem a natureza como recursos materiais para serem tomados, não respeitando a vida, a terra, não respeitando nada. Tiram [da natureza] com objetivos que não têm nada a ver com a vida em si, só se importando com a acumulação, a ganância. Como erradicar isso, ninguém tem a resposta. Mas acredito que um dia isso vai acontecer, esse tipo de mudança precisa de centenas de anos… Por outro lado, acabei de falar que se passaram 500 anos e nada mudou, né? Então não sei. Não sei se posso ser otimista.
Nos últimos anos temos acompanhado um movimento em que diversas empresas europeias boicotam produtos brasileiros como retaliação pelo desmatamento. A solução pode vir do mercado?
Essa é a real opção do momento. Enquanto vivemos em um mundo absolutamente capitalista, as mudanças que acontecem são pelo mercado. Direitos humanos, direitos de pessoas LGBT, tudo isso só aconteceu por causa do mercado. Esse é um lado bom do capitalismo, que não faz tudo acontecer, mas faz muita coisa acontecer. Com o que a gente tem à mão agora, esse é jeito de pressionar.
Vê algo em comum entre a sua Eslovênia e a Amazônia?
Sim. A natureza. Na Eslovênia eu meio que cresci entre florestas. Na natureza sempre me senti em casa. Podia estar sozinho e me sentia seguro, em casa. O mesmo aconteceu comigo na Amazônia e por isso foi maravilhoso. De alguma maneira vejo que quando estamos na natureza, estamos em casa. Temos o direito moral de estar na natureza, de ser parte da natureza. Quando nos conectamos com ela, sentimos que é nosso lar. Na Amazônia me senti superbem. Em São Paulo me sinto estrangeiro. Na Amazônia, não. Estar com os indígenas foi como visitar uma família distante.
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“Estar com os indígenas foi como visitar uma família distante”, diz Plestenjak (Foto: Simon Plestenjak)