Para especialista, Bolsonaro erra ao equiparar as duas ideologias. Cientista político diz que enquanto há partidos comunistas que aceitam a democracia, não há nazistas que respeitem direitos humanos.
Por Thomas Milz, na DW
Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro declarou, em uma manifestação em redes sociais, que “a ideologia nazista deve ser repudiada de forma irrestrita e permanente”. No texto, que aparenta ser uma reação ao caso do Flow Podcast sobre a possibilidade da criação de um partido nazista no Brasil, o chefe de governo afirma que a ideologia nazista deve ser repudiada “sem ressalvas”, assim como qualquer ideologia totalitária. Nisso, ele inclui explicitamente o comunismo.
“A ideologia nazista deve ser repudiada de forma irrestrita e permanente, sem ressalvas que permitam seu florescimento, assim como toda e QUALQUER ideologia totalitária que coloque em risco os direitos fundamentais dos povos e dos indivíduos, como o direito à vida e à liberdade”, escreveu.
“É de nosso desejo, inclusive, que outras organizações que promovem ideologias que pregam o antissemitismo, a divisão de pessoas em raças ou classes, e que também dizimaram milhões de inocentes ao redor do mundo, como o comunismo, sejam alcançadas e combatidas por nossas leis”, prosseguiu.
Em entrevista à DW Brasil, o jurista e cientista político Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito de São Paulo, diz ser um erro o paralelo entre comunismo e nazismo feito por Bolsonaro. “A simetria me parece absolutamente indevida”, avalia, acrescentando que ninguém negaria que ambos os regimes cometeram crimes graves contra a humanidade, “Mas há também partidos comunistas que abdicaram do uso da força e de uma ideologia anti-democrática”, pondera. “O que não se tem é um movimento nazista aceitando os direitos humanos e as premissas de um regime constitucional, o que ocorreu por partes de diversos partidos de esquerda ao redor do mundo.”
Mas a manifestação veemente contra o nazismo feita por Bolsonaro surpreendeu o especialista. Vilhena sublinha que “o histórico do presidente não respalda uma posição tão contundente”, devido aos constantes elogios do chefe de governo a regimes autoritários. O especialista atribui a declaração à pressão de aliados. “Ele a faz certamente impulsionado por sua base de apoio no Congresso, que hoje é o Centrão. Que não é uma base de direita radical, mas um grupo muito pragmático”
No Brasil, discute-se a possibilidade de se ter um partido nazista. Falar desse assunto em pleno 2022 é uma surpresa?
Não chega a me surpreender, pois evidentemente estamos vivendo um período em que temos um presidente de extrema direita, que é apoiado por grupos muito radicais, entre eles, simpatizantes do nazismo. Me parece que é uma decorrência da própria radicalização da política brasileira por um presidente de extrema direita.
Para muitos, ouvir Bolsonaro repudiar o nazismo de forma tão clara foi uma surpresa. O que o senhor achou da declaração presidencial?
É uma reação positiva. Ainda que o histórico do presidente não respalde uma posição tão contundente. O presidente sempre foi um apoiador dos regimes autoritários, não só no Brasil, como em outros países. Sempre fez muitas homenagens a ditadores como (o ditador chileno Augusto) Pinochet. O presidente sempre esteve ao lado de regimes autoritários.
Evidente que nós devemos reconhecer a distinção entre regimes autoritários e regimes totalitários como o nazismo. Há uma distinção relevante, inclusive em função de uma ideologia de supremacia racial, o que não necessariamente regimes autoritários têm.
O presidente navegou, ao longo de todo a sua história, ao lado de movimentos de direita, movimentos autoritários e simpáticos a causas de discriminação. Então, a manifestação dele me surpreendeu.
Ele a faz certamente impulsionado por sua base de apoio no Congresso, que hoje é o Centrão. Que não é uma base de direita radical, mas um grupo muito pragmático. E que tem, nos últimos meses, pressionado o presidente quando ele faz ameaças ao Supremo e ao Congresso. Agora, com essa questão, o Centrão certamente contribuiu para que ele fosse pressionado a repudiar esse tipo de manifestação.
Bolsonaro também falou em combater, com leis, o comunismo. Já havia, no passado, várias falas de Bolsonaro contra o comunismo e a China. Isso não prejudica a relação do Brasil com seu maior parceiro comercial?
A ação internacional do governo Bolsonaro é absolutamente temerária e medíocre. É um governo que não tem uma capacidade de pensar estrategicamente, que não se comporta em conformidade aos dispositivos da Constituição brasileira, que regula a ação do poder do governo nas relações internacionais.
O governo brasileiro conduziu a política externa de forma equivocada e, eu diria até, de forma contrária aos princípios constitucionais. As nações que têm políticas externas mais consistentes reconhecem essa irresponsabilidade do presidente. Portanto, acho que hoje poucos levam a sério esses movimentos que ele faz.
Certamente, essa forma conflitiva com que ele agiu em relação à China gera prejuízos à política brasileira. O governo Bolsonaro tem uma politica externa errática, e isso já foi percebido pelos governantes. No final do governo dele, o modo como ele se comporta não terá grandes consequências (para o Brasil).
Na sua declaração, Bolsonaro equipara o comunismo ao nazismo, provavelmente já preparando o campo da batalha eleitoral. Mas equipar os dois movimentos faz sentido?
É uma tentativa de criar uma simetria entre dois movimentos que têm distinções e nuances muito fortes. Ninguém sério negaria que tanto regimes comunistas quanto regimes nazistas cometeram crimes gravíssimos contra a humanidade. O stalinismo cometeu tais crimes.
Então, dentro dos regimes comunistas houve violações brutais aos direitos humanos, assim como ocorreu dentro dos regimes fascistas e do regime nazista. Mas há também partidos comunistas que se democratizaram e abdicaram do uso da força e de uma ideologia anti-democrática, como o PCdoB.
O que não se tem é um movimento nazista aceitando os direitos humanos e as premissas de um regime constitucional, o que ocorreu por partes de diversos partidos de esquerda ao redor do mundo. Então, a simetria (entre o comunismo e o nazismo) me parece absolutamente indevida.
No Flow Podcast, o apresentador Monark tinha defendido que no Brasil deveria haver um partido nazista “reconhecido pela lei”. Isso faz sentido?
Alguém que está propondo um partido que tenha uma ideologia baseada na supremacia racial, que nega o pluralismo, que nega a democracia, num pais que tem uma Constituição que diz que não pode haver um partido que seja contrário à democracia e ao pluralismo, evidentemente está propondo algo inconstitucional. Não há espaço dentro da Constituição brasileira para se criar um partido com ideologia nazista. Isso está vedado pelo artigo 17 de maneira expressa.
Estranho ainda ter de falar destas coisas hoje em dia…
Que tema danado para ressurgir assim! É um atraso. Mas é assim quando você tem pessoas da extrema direita no governo e um presidente o tempo todo achincalhando as instituições. Aí, os grupos mais radicais começam a sentir-se à vontade para falar.
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Imagem: Pieter Paul Rubens, Cabeça de Medusa (1616-17)