Bolsonaro vai à guerra. Por Janio de Freitas

Esperada visita de Bolsonaro a Putin em Moscou cerca-se de uma diversidade de expectativas, civis e militares

Na Folha

Uma frase típica de editorial, sempre útil com simples mudança de personagens, recebe aqui uma homenagem pelos longos serviços prestados. A esperada visita de Bolsonaro a Putin em Moscou cerca-se de uma diversidade de expectativas, civis e militares, de elevada significação.

As importantes intenções de Bolsonaro, em momento crítico para o mundo, insinuam-se nas substituições, em sua comitiva, de costumeiros turistas por militares. Subdesenvolvidos e, ainda por cima, reformados, mas experimentados em lides com a morte (alheia, é claro).

Como o general Augusto Heleno, com a mortandade que fez em uma favela do Haiti, e Pazuello com a devastação de doentes —para citar ao menos dois casos de muitas condecorações.

Não é a primeira vez que o Brasil se faz citado em meio à iminência de guerra entre Estados Unidos e Rússia.

Foi assim na Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962, com implicação no golpe de 1964.

Foi o que revelou Samuel Wainer, ainda exilado na França pela influente presença ao lado de João Goulart, a três ouvintes: Dauro Mendes, então diretor da Última Hora de Minas; Orlando Vaz, jovem repórter; e eu mesmo.

Desde a Crise dos Mísseis, Jango estava ciente de que ali a situação interna do Brasil passara por mudança extrema.

O acordo de distensão EUA-URSS fixava zonas de predomínio político para cada um dos dois países, impedida qualquer influência de um na zona do outro. Estava assim excluído o apoio alternativo da URSS a políticas brasileiras contrárias ao interesse americano.

O projeto de Jango, sobre o qual Samuel nada disse, nem é certo que o conhecesse ou que houvesse, seria naturalmente afastado do americanismo já pela origem no getulismo.

Por causa, ao menos em parte, da indefinição interna do Brasil, que motivava a maior preocupação dos EUA na América Latina, a cláusula dos respectivos predomínios valia de imediato. Com exceção apenas de Cuba.

As ideias de reformas estruturais, política externa independente e outras, não importa qual fosse sua seriedade, estavam sepultadas sem o saber. Para isso, logo o estariam, também, a legalidade, a liberdade e os direitos fundamentais.

A divisão dos predomínios confirmou-se na prática, sem jamais ser alçada a referências oficiais ou oficiosas.

A própria história da crise e do seu desenlace é falsa, difundida pelo sistema de propaganda dos Estados Unidos. Com destaque negativo para o seu jornalismo, sujeito a hipotéticas razões de estado.

Foi Robert Kennedy quem levou ao embaixador soviético, no vazio da madrugada, a admissão americana de retirar os mísseis que circundavam a URSS pela Europa e pela Ásia. Em troca, a URSS sustaria a entrega de mísseis a Cuba.

Por isso, e não pelo propalado recuo do primeiro-ministro Nikita Kruchov, o navio que os transportava deu meia-volta —e encerrou o suspense de 13 dias do mundo todo. Quem participou da enfurecida batalha por Stalingrado contra as forças nazistas, como Kruchov, não recuaria nunca na vida restante.

A história verdadeira da Crise dos Mísseis, ao que me conste, está só no livro de Ernest R. May e Philip D. Zelikow, “The Kennedy Tapes”, levado a bom e honesto filme por Roger Donaldson com o titulo brasileiro de “Treze dias que abalaram o mundo”.

Bush, o filho, violou o acordo. De lá para cá, a Rússia voltou a ser progressivamente cercada. Biden, mal assumira, aumentou o cerco. Putin repete a resposta de Kruchov.

A ida a Putin, que os americanos repelem, sujeita Bolsonaro a temores sobre o que dirá por lá. A preocupação nesse sentido, suponho, deve dirigir-se ao intérprete russo. Seja quem for, é ele o cúmulo dos infelizes entre seus pares. Cairá em perplexidade sem solução, se ouve o Bolsonaro típico, esse que indaga assim sobre a cidade de padre Cícero: “De que cidade fica lá? Não sabem que cidade fica padre Cícero?”

O risco de que Putin suponha ser seu tradutor o imbecil, tomando as providências comuns, é o mais preocupante do encontro. Mas enfim propõe uma finalidade para a ida a Moscou de Bolsonaro e dos seus militares empijamados: testar, para Putin, os intérpretes russos.

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Eleitorado que espera Moro é o do litoral de Minas. Por Janio de Freitas

Em campanha no Nordeste, ex-ministro falou de sua conversa com um agricultor do agreste cearense, região inexistente no Ceará

Na Folha

Em campanha no Nordeste, Moro falou de sua conversa com um agricultor do agreste cearense, região inexistente no Ceará. Perde tempo em casa de Lula e Ciro. O eleitorado que o espera com ansiedade é o do litoral de Minas.

OS RESPONSÁVEIS

Por falar em Moro, o que é sempre agradável, a entrevista-propaganda de cinco horas com seu cabo-eleitoral Monark não lhe rendeu repercussão alguma. A não ser pela maconha que ali fumou sem tocar nos cigarros. Mas sua defesa de Kim Kataguiri por propor a legalidade para um partido nazista é, mais do que interpretável, explícita e definidora. Ver na proposta de Kim apenas “gafe verbal” é má-fé de primarismo bolsonarista.

Os agitadores extremistas, bem representados pelos nazistóides Monarks, Kataguiris e cia., foram criados por dinheiro de grupos conspiratórios de empresários. Exibem o tipo de contribuição que essa mentalidade, não pré-histórica, anti-histórica dá à degradação política que tanto critica.

Antes de reforma administrativa, reforma tributária, reforma do IR, seria básico reformar o poder dessa gente que, não é de agora, fomenta o crime político e o crime antissocial.

Destaque: Coppo di Marcovaldo, Inferno (1260-70). Fragmento de mosaico do teto do Batistério de Florença

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