Fazenda onde foi feita abertura da colheita de soja já teve flagrante de trabalho escravo

Evento organizado pela Aprosoja Brasil e pelo Canal Rural foi realizado na manhã desta quinta-feira na propriedade do Grupo Progresso, em Sebastião Leal, no Piauí; propriedade da família Sanders tem 36 mil hectares de lavoura

Por Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas

A abertura da colheita nacional de soja foi feita na manhã desta quinta-feira (17) na fazenda do Grupo Progresso, pertencente à família Sanders, em Sebastião Leal, no Piauí. A escolha do local foi feita pela Aprosoja Brasil e pelo Canal Rural, organizadores da festa, e serve como uma maneira de homenagear os donos da propriedade que recebe a ação, transmitida ao vivo pela emissora de televisão. Nesta manhã, a atividade destacava a pujança da produção de commodities da região conhecida como Matopiba.

“Essa é a primeira vez que o estado sedia o evento e, além do aguardado enfileiramento das colheitadeiras, também estarão reunidas autoridades do setor e os maiores especialistas do país na oleaginosa para discutir temas de interesse de toda a cadeia, como custos de produção, mercado, tecnologia e logística”, anunciava, triunfalista, uma reportagem do canal no mês passado.

No texto, o sócio e diretor de Operação do Grupo Progresso, Gregory Sanders afirmou que a fazenda tem 36 mil hectares de área total de lavoura e que, na safra 21/22, 26.250 hectares foram destinados ao plantio de soja. Durante a programação, o presidente da Aprosoja Piauí, Alzir Aguiar Neto, comemorou o avanço da produção na região. “Antes o que era um Cerrado, foi transformado em um mar de soja”, disse, segundo um texto publicado hoje no canal. “Teremos uma safra recorde e o Piauí tem capacidade de mais do que dobrar a sua produção de grãos. Acredito que isso acontecerá nos próximos dez anos”.

Nas falas, nenhuma preocupação com o histórico do local onde eles estavam. Em dezembro de 2005, uma fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) encontrou na mesma Fazenda Progresso trabalhadores em condições análogas à escravidão. Em junho do ano seguinte, Cornélio Adriano Sanders foi denunciado pelo Ministério Público Federal por trabalho escravo. Os fiscais relataram ter encontrado vasilhames de produtos químicos que eram usados para armazenar a água para o consumo dos trabalhadores. Apontaram alojamentos, sanitários e cozinha em situação irregular, além de jornadas excessivas. Botas e ferramentas de trabalho eram vendidas a eles a custo exorbitante. O patriarca da família foi incluído na lista suja do trabalho escravo, elaborada pelo Ministério do Trabalho, em dezembro de 2009.

EMISSORA PERTENCE A GRUPO DA FAMÍLIA BATISTA, DA JBS

A falta de preocupação com esse histórico tem sua razão. O Canal Rural pertence desde 2013 ao Grupo J&F Investimentos, proprietário também da JBS, comandado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista. A empresa foi apontada algumas vezes como compradora de gado de fazendas que exploram o trabalho escravo e de áreas de desmatamento ilegal.

A Aprosoja e seu atual presidente nacional, Antonio Galván, enfrentaram acusações graves no ano passado. O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a bloquear contas da entidade e determinar buscas e apreensões contra Galván por suspeita de participação e financiamento dos atos antidemocráticos do dia 7 de Setembro.

A Aprosoja é uma das principais financiadoras da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a principal face institucional da bancada ruralista, por meio do Instituto Pensar Agro (IPA). Ambos funcionavam na mesma mansão, no Lago Sul, em Brasília. O grupo JBS foi um dos primeiros financiadores da campanha O Agro é Pop, da Rede Globo: “‘Agro é pop’: propaganda da Globo sobre cana tem imagens de escravos“.

Foto principal (Júnior Foicinha/Divulgação): vice-governador Carlos Brandão na abertura da colheita em Sebastião Leal, no Piauí

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