Por Lorena Simas*, Irpaa
Mãe, porque eu tenho que varrer a casa e meu irmão não? Por que ele é homem. Mãe, porque eu tenho que lavar a louça e o meu irmão não? Por que ele é homem. Mãe, porque depois da escola eu tenho que arrumar a casa e meu irmão pode ficar na rua brincando. Por que ele é homem. Essa era a resposta que eu sempre ouvia ao questionar minha mãe, porque na casa onde moravam quatro pessoas (eu, minha mãe, meu pai e meu irmão), apenas eu tinha a obrigação de colaborar nas atividades domésticas; enquanto meu pai assistia televisão e meu irmão brincava.
Mesmo sem entender muito sobre desigualdade de gênero, aquela situação me incomodava profundamente, pois achava injusto que por ser mulher eu herdasse as obrigações de cuidados com o lar. Já que a casa é da família inteira, nada mais justo que todos se comprometessem em mantê-la limpa e organizada.
A realidade que eu vivi na zona urbana, minha mãe, minhas tias, minhas avós também viveram na zona rural e de uma forma ainda mais intensa, pois acreditavam que aquela situação na qual se encontravam era a certa, então aceitavam sem nenhum questionamento. Mas essa vivência não está restrita a minha família, ela vai muito além de uma questão particular da família de alguém, ou de um espaço.
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que em 2019, as mulheres dedicaram aos cuidados com pessoas e afazeres domésticos mais de 21 horas semanais, enquanto os homens apenas 11 horas. Na região Nordeste, essa desigualdade ainda é mais acentuada. O estudo mostra que as atividades cotidianas como alimentação, arrumação da casa, limpeza da roupa ficam concentradas com as mulheres, enquanto os homens realizam os pequenos reparos esporadicamente.
A desigualdade e o não reconhecimento do valor do trabalho doméstico não remunerado não acontecem por acaso. O sistema econômico precisa que alguém trabalhe gratuitamente ou recebendo muito pouco, para gerar lucro ao sistema; e as mulheres estão nesta escala de ganhar nada ou muito pouco. “Não é uma questão da casa de fulano, da comunidade que não é desenvolvida, da cidade que é do interior. A gente tem que pensar no sistema como um todo. (…) O sistema precisa de alguém que cozinhe, que lave, passe para que uma parte da força de trabalho que, geralmente, é o homem saía para trabalhar, volte, descanse e no dia seguinte esteja com muita energia para voltar a trabalhar e gerar riqueza para o mundo, ficando com uma parte muito pequena geralmente”, explica a embaixadora da Campanha Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Simone Santarém.
Dados do relatório da organização de ajuda humanitária Oxfam, de 2019, apontam que diariamente, mulheres e meninas em todo o mundo gastam 12 milhões de horas cuidando de crianças e idosos e com o trabalho doméstico. Se essas atividades fossem remuneradas de acordo com o salário mínimo de cada país, a soma seria superior a 11 trilhões de dólares por ano.
O trabalho doméstico precisa ser contabilizado no sistema econômico, pois esta atividade contribui para o desenvolvimento econômico e social da sociedade, como aponta Simone “Que ele entre na conta, que vá para a balança comercial do trabalho que elas estão realizando para alicerçar e construir a sociedade. É preciso reconhecer o seu trabalho, mas também transformar o atual modelo econômico em um sistema que respeite os seres humanos, que respeite a Terra, que dê condições de toda a geração possa viver bem”.
Mudar essa rotina do trabalho doméstico não remunerado na responsabilidade da mulher não é fácil. A mudança deve começar com a mulher, que precisa compreender que lavar, passar, arrumar, cozinhar, etc., deve ser responsabilidade de todos que moram na casa. A divisão do trabalho doméstico gera união familiar e melhora o relacionamento entre as pessoas, pois ninguém fica sobrecarregado.
Após compreender sobre essa desigualdade de gênero em relação ao trabalho doméstico, conversei com minha mãe sobre a importância de se dividir de forma justa o trabalho dentro de casa. Então, ela começou a compreender porque sempre estava cansada, pois mantinha jornada tripla cuidando do trabalho fora de casa, das atividades domésticas e da criação dos filhos. E ela passou a cobrar a contribuição do meu pai nas tarefas, ele às vezes faz, mas infelizmente, ainda considera como uma ajuda, pois pensa que não é sua obrigação.
Assim como minha mãe, outras mulheres da cidade e do campo estão compreendendo a importância da divisão justa do trabalho doméstico, como a agricultora Valmira da Silva, da comunidade Serra da Boa Vista em Juazeiro, que mora com o marido e seus dois filhos. A agricultora diz que todos colaboram de alguma forma com as atividades domésticas, e relata que não foi difícil fazer com que o marido também realizasse essas atividades, o que acontece desde que casaram há 23 anos. “Mesmo algumas pessoas achando besteira, eu acho importante para que o trabalho em casa não fique só com a mulher”, ressalta a agricultora.
Por outro lado, na casa da agricultora Maria Madalena dos Santos, da comunidade Algodões em Campo Formoso, dos/as três moradores/as da casa, apenas duas realizam os trabalhos domésticos. A agricultora que gasta cerca de 2 horas e meia por dia fazendo as atividades do lar diz que não é fácil convencer o marido a colaborar. “Ele não ajuda na área da limpeza (…) Ele faz um café, faz um almoço, mas não é direto, é de vez em quando”. Mesmo sem ter a contribuição do marido na limpeza da casa, Maria Madalena reconhece a necessidade da divisão justa do trabalho doméstico. “A divisão justa das tarefas é importante, porque como todos sujam, seria bom se todos ajudassem”, destaca.
Assim como a agricultora Maria Madalena, muitas mulheres do campo ainda são as únicas responsáveis pela limpeza do lar. A colaboradora do Irpaa, Maria de Fátima Ribeiro, atua como técnica do projeto Ater Agroecologia e acaba conhecendo a realidade de muitas famílias. “A gente vê uma participação bem tímida dos companheiros, dos parceiros na realização de algumas atividades. Mas não é algo do cotidiano. (…) É um processo que precisa de muita sensibilização, de muita construção, de muito diálogo, tanto com as mulheres, quanto com os homens para que essa realidade se mude no campo”, conta Maria de Fátima que reside com o companheiro, com o qual divide as atividades domésticas, gastando média de 3h diárias realizando essas tarefas.
Assim como Maria de Fátima, moro com meu companheiro e realizamos juntos os trabalhos domésticos, pois compreendemos que é obrigação dos dois cuidar e organizar o ambiente em que moramos. Assim, não ficamos sobrecarregados e como trabalhamos fora, sobra tempo para lazer e descanso.
Essa discussão sobre a divisão justa do trabalho doméstico ainda é pouco visibilizada nos meios de comunicação. A falta desta discussão reforça a realidade presente na maioria dos lares brasileiros que continua sendo injusta com as mulheres. Portanto, neste dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, vamos fortalecer o debate acerca deste tema tão importante e que há séculos, coloca a mulher como serva do lar, sem remuneração, nem reconhecimento. Mas que a discussão não fique apenas neste dia, que possamos conversar com mulheres e homens, fazendo-os refletir que este processo fortalecido pelo sistema econômico precisa mudar.
Lorena Simas é colaboradora do Eixo Educação e Comunicação.
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Foto: CTB | Portal dos Trabalhadores