“A insegurança está colada nos muros”, diz professora sobre tiroteios próximos a escolas no Rio

Segundo CESeC, 74% das escolas da rede municipal tiveram as rotinas alteradas por operações policiais em 2019

Eduardo Miranda, Brasil de Fato

O retorno dos alunos da rede pública do Rio de Janeiro às aulas presenciais, no início de fevereiro, deveria ter sido marcado por reencontros e comemorações, depois de meses de aulas remotas em função da pandemia da covid-19. Mas os tiroteios, naquela mesma semana, cancelaram aulas e instauraram mais uma vez o terror entre crianças, adolescentes, pais e docentes.

Professora da rede municipal da capital fluminense durante os últimos 28 anos, D.F., que pediu para não ter seu nome divulgado, contou ao Brasil de Fato que na unidade onde dá aulas, na zona oeste da cidade, o medo de pais e responsáveis em deixar os filhos nas escolas tem como consequência uma série de problemas de aprendizado e evasão escolar.

“Em todos esses anos, vi com muita frequência mães e responsáveis levando os filhos à escola, mas com grande receio de deixá-los lá. É uma população que vive sob o medo diário e que acaba não saindo de casa. As crianças, consequentemente, têm interrompida a aprendizagem da escrita e da leitura. É difícil para a escola construir esse processo com a insegurança ali, colada nos muros”, afirma D.F.

A percepção da professora não é um ponto de vista particular sobre a cidade. Muito pelo contrário, ela é reforçada pela estatística sobre a relação entre violência urbana e educação no Rio de Janeiro. Um dossiê divulgado recentemente pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) mostra que 1154 escolas da rede de ensino municipal foram afetadas por tiroteios em 2019.

A pesquisa do CESeC, a partir de um extenso banco de dados da Plataforma Fogo Cruzado, chama a atenção para o fato de que 74% das unidades escolares da rede municipal terem tido suas rotinas alteradas por operações e tiroteios. O impacto da violência em 2019 atingiu aproximadamente 450 mil estudantes.

Todos os eventos acima tinha a presença de pelo menos um policial. Segundo o dossiê do CESeC, a maior parte dos estabelecimentos (57%) teve até 10 episódios naquele ano e 11% tiveram mais de 30 casos, sendo que quatro escolas concentraram 95 tiroteios no seu entorno.

Reprovação e abandono

A análise do CESeC, focada nos problemas para a rotina escolar decorrentes da chamada guerra às drogas por meio de operações policiais, avalia também que cada evento de tiroteio envolvendo agentes de segurança aumenta a probabilidade de reprovação na escola em 0,11% e as chances de ter pelo menos um abandono em 0,05%, que equivale a um aumento de 2,43% no percentual de escolas com pelo menos um abandono.

“Em média, as 30 escolas do 5º ano expostas à violência registraram 19 tiroteios com presença de agentes de segurança em 2019. Isso significa que, ao longo do ano, devido à frequência desses episódios, tais escolas podem ter tido um aumento de 2,09% na taxa de reprovação e de 46,4% na probabilidade de ao menos um (a) de seus alunos ter abandonado a escola”, afirma trecho do documento.

Para a professora D.F., que narrou uma rotina de medo, constrangimentos e pedidos de licença para ultrapassar barricadas até a chegada à escola, o conflito constante de operações policiais, vetadas durante a pandemia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na “ADPF das Favelas“, assusta também a quem está supostamente protegido pelos muros da escola.

“Tudo isso gera um abalo emocional muito forte nos professores e nos alunos, mesmo quando os tiroteios ocorrem quando estamos dentro de sala de aula. Nosso medo, que a gente esconde das crianças, pode ser visto na forma como elas se expressam visualmente durante as aulas. São desenhos sem cor, sem a alegria de quem está começando a conhecer o mundo”, afirma a professora.

Edição: Mariana Pitasse

Imagem: Protesto no Alemão. Foto: Mídia Ninja

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