O Brasil no relatório do IPCC – o que podemos esperar do futuro no cenário de mudanças climáticas

País não está minimamente preparado para lidar com os impactos da crise do clima, diz o pesquisador Paulo Artaxo, autor de um dos capítulos do relatório

Por: Cristiane Prizibisczki, em O Eco

Ondas de calor, secas extremas, enchentes, perda de produtividade humana e agrícola, extinção de espécies e deslocamentos humanos forçados. O cardápio de impactos das mudanças climáticas no mundo – presentes e futuros – é extenso e preocupante. Com o Brasil não será diferente. A segunda parte do 6º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), divulgado na última semana, dedica grande espaço às regiões tropicais e alerta: a Amazônia e o Nordeste brasileiro são altamente vulneráveis às mudanças no clima.

Esta segunda parte do novo Relatório do IPCC trouxe não só o cenário de vulnerabilidades e consequências das mudanças climáticas para ecossistemas e pessoas, mas também as opções de adaptação a essas mudanças.

Para fazer a avaliação, o grupo de pesquisadores responsável pelo documento utilizou os diferentes cenários climáticos do IPCC, que incluem reduções drásticas de emissões, limitando a alta na temperatura global a 1,5°C ao longo deste século, até a manutenção das emissões nos níveis atuais, o que levaria a um aquecimento médio de 3,5°C ao redor do globo.

Atualmente, o planeta já está 1,1°C mais quente e, segundo a primeira parte do Relatório, divulgada em agosto passado, o aquecimento de 1,5°C será alcançado já na próxima década.

((o))eco fez um compilado dos principais impactos esperados para o Brasil, com base no relatório do Grupo II, entrevistas com autores e nos materiais divulgados sobre o assunto pelo Instituto Climainfo e Observatório do Clima. 

Ondas de calor

O aumento da temperatura, associado à alta umidade, poderá ultrapassar os limites de sobrevivência. Se as emissões continuarem a aumentar, as mortes por calor no Brasil vão aumentar em 3% até 2050, e em 8% até 2090. Se as emissões de gases estufa forem rapidamente reduzidas, o aumento da mortalidade cai para 2%. Habitantes de grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, serão particularmente expostos a níveis perigosos de temperatura, devido aos efeitos da chamada ilha de calor.

Secas

No Nordeste, a redução de chuva, que já é pouca, pode chegar a 22%. Esse cenário de seca, combinado com aumento de temperatura de 3°C a 4°C, pode tornar a região semidesértica, caso os níveis de emissões se mantenham em patamares elevados.

“Hoje já existem regiões no Nordeste onde a precipitação já caiu 20% e a temperatura média já subiu 2,4°C. Ao agravar a situação das mudanças climáticas, este quadro pode se tornar muito mais crítico para a sustentação de populações no nordeste brasileiro. O Brasil vai ter que pensar aonde e o que vamos fazer com os milhões de brasileiros que vivem no agreste nordestino e que pode ter sua capacidade de sobrevivência prejudicada naquela região”, explicou a ((o))eco o pesquisador Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor de um dos capítulos do relatório do IPCC.

O cenário de seca também vai afetar áreas maiores no sul da Amazônia. Até 2100, o aquecimento pode reduzir em 27% a vazão na bacia do Tapajós e em 53% na bacia do Araguaia-Tocantins. 

As secas na região amazônica, associadas ao desmatamento e queimadas, poderão transformar a floresta úmida em regiões de savana. A redução da precipitação nessas condições pode chegar a 40%, impactando de sobremaneira a circulação dos chamados rios-voadores, que levam umidade e chuvas da Amazônia para a região central e sudeste do país, diminuindo a pluviosidade geral de grande parte do Brasil.

Além disso, a floresta Amazônica, o maior reservatório de carbono do mundo, pode se tornar um vertedouro, lançando parte dos 120 bilhões de toneladas de carbono contidas no bioma, o que agravaria ainda mais o efeito estufa. Tal situação já é verificada em porções do sudeste do bioma.

Enchentes 

O IPCC também projeta um aumento no número de eventos de chuvas extremas, o que implica aumento na probabilidade de enchentes e deslizamentos de terra, como os verificados em Petrópolis no início de 2022. 

Os estados do Acre, Rondônia, Pará e o sul do Amazonas são citados como regiões que devem sofrer com aumento do risco de inundações mais frequentes e extremas. No país como um todo, a projeção é que a população afetada pelas enchentes dobre ou até triplique até o final do século, mesmo com o corte rápido de emissões.  

Agricultura

Secas, ondas de calor, altas temperaturas e enchentes já impactam a produção de alimentos no mundo. O relatório do IPCC sugere que tais fatores vão prejudicar ainda mais a agricultura no Brasil. A produção de trigo pode cair 21% no cenário de altas emissões ou 5% com cortes rápidos de emissões. 

A produção de arroz, segundo cenário mais pessimista, pode cair 6%, ou 3% no cenário mais otimista. A redução na produção da soja pode passar de 15% no centro-oeste e chegar a 33% nas pastagens da Amazônia Legal, caso as emissões continuem altas. A produção de milho pode cair até 71% até final do século no Cerrado, no cenário de altas emissões. Apesar dos números alarmantes, o próprio IPCC alerta que tais projeções podem estar subestimadas. A queda geral na produtividade agrícola pode ser ainda maior.

Produção de carne 

O IPCC projeta que o aumento na temperatura aumenta a chance de provocar estresse térmico extremo no gado, aves de granja e suínos em grande parte do país. O estresse causado pelo calor pode reduzir o crescimento animal, a produção de leite e ovos, no caso de gado e aves, e mortalidade de animais.

Os impactos das mudanças no clima também vão prejudicar a pesca e a aquicultura no Brasil. No cenário de altas emissões, a produção de peixes pode cair em 36% entre 2050-2070, em comparação com 2030-2050. A produção de crustáceos e moluscos será quase extinta, com redução projetada de 97% no mesmo período.

Produção e economia 

O IPCC projeta que a redução da capacidade de trabalho no Brasil será de 24%, principalmente na agricultura, caso as emissões aumentem rapidamente. Se as emissões forem reduzidas rapidamente, essa redução na capacidade de trabalho cai para 9%. A renda média no Brasil também poderá ser 83% menor em 2100, do que seria sem a crise climática. 

Impactos vindos de fora 

Além dos impactos que as mudanças climáticas trazem dentro de seu território, o Brasil também será muito afetado pelos eventos extremos que acontecem em outros países. A crise climática vai atingir cadeias de abastecimento, mercados, finanças e o comércio global, reduzindo assim a disponibilidade de bens no Brasil e aumentando seus preços, além de prejudicar os mercados das exportações do país.

“Maladaptação”

Um conceito novo trazido no trabalho do Grupo II do 6º Relatório do IPCC foi o de maladaptação, que é quando os países adotam medidas que, ao invés de ajudar no enfrentamento das mudanças climáticas, aumentam os riscos e as vulnerabilidades. Como a adoção de agricultura irrigada e a construção de hidrelétricas em regiões sujeitas a secas, ou a construção de muros de contenção de encostas que se mostram inúteis com o aumento da força das águas. 

Segundo Paulo Artaxo, o Brasil está em situação ainda mais vulnerável, pois não tem aplicado qualquer técnica de adaptação climática em larga escala. 

“O Brasil não está se adaptando às mudanças climáticas. Tem o Plano Nacional de Adaptação, mas ele não saiu do papel ainda. Veja a questão de reflorestamento de encostas, que é uma técnica de adaptação evitando eventos climáticos extremos, se tivesse ocorrido em Petrópolis, não teríamos tido esse desastre que a gente viu. Todo mecanismo de adaptação climática que não leva em conta o funcionamento dos ecossistemas, obviamente está fadado ao fracasso”, diz.

Lições para o Brasil

Segundo o pesquisador Artaxo, o relatório traz duas grandes mensagens ao Brasil: 

“A primeira delas é que é fundamental tratar a questão da mitigação das mudanças climáticas junto, em consonância, com a preservação da biodiversidade e junto com a redução das desigualdades socioeconômicas. O relatório deixa claro que se você tratar os três tópicos de maneira integrada a sua chance de sucesso vai ser muito mais alta”, disse o pesquisador, a ((o))eco.

“A segunda mensagem é que muito do relatório foca na produção de alimentos, da qual o Brasil tem uma dependência econômica enorme e o relatório deixa claro que a produção de alimentos pode estar muito comprometida com as mudanças climáticas, em particular nas regiões tropicais, como o Brasil. E isto implica em ter que pensar qual é o modelo de desenvolvimento econômico que nós queremos implementar no Brasil, porque a dependência extrema como nós temos hoje do agronegócio pode ser um tiro no pé da economia brasileira”, finaliza.

A terceira e última parte do novo Relatório do IPCC, focada nas soluções para enfrentar as mudanças no clima, está prevista para ser publicada no começo de abril. A publicação final do 6º Relatório de Avaliação do Painel deve ocorrer no segundo semestre de 2022.

Pessoas atravessam uma rua de barco após enchente causada por fortes chuvas em Ilhéus, na Bahia, em janeiro de 2022. Foto: Laura Lopes/AFP.

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