Imagens apontam garimpo ilegal em área solicitada por parceiro do ex-presidente do ICMBio

Indiciado recentemente pela Polícia Federal, Bruno Cezar Cecchini tem pedidos de garimpo em unidade de conservação onde imagens indicam ocorrer atividade garimpeira

Por Anna Beatriz Anjos, Bruno Fonseca, Ciro Barros, José Cícero, Agência Pública

O presidente da Confederação Nacional de Mineração (CNMI), o empresário Bruno Cezar Cecchini, foi indiciado ao lado de outras 14 pessoas físicas e jurídicas pela Polícia Federal de Goiás (PF-GO) por supostamente chefiar uma organização criminosa para exportar ouro ilegalmente do Brasil para a Europa. Cecchini, conforme revelado pela Agência Pública, atua na CNMI junto ao ex-presidente do ICMBio, o coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo Homero de Giorge Cerqueira, que se apresenta como diretor da entidade. A confederação foi registrada na Receita Federal neste ano e afirma atuar em defesa dos interesses dos grupos garimpeiros para regularização do garimpo em áreas protegidas.

A partir de análise de imagens de satélite e consulta a processos minerários da Agência Nacional de Mineração (ANM), a Pública também encontrou indícios de atividades de garimpo em áreas requisitadas por Bruno Cecchini e uma cooperativa de garimpeiros ligada a ele, a Coopermix Gold (Cooperativa Mineral da Bacia do Tapajós de Itaituba), dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, criada pelo Governo Federal em Itaituba, no sul do Pará.

Em março deste ano, Cecchini e o coronel Homero participaram de uma audiência pública que discutiu propostas para a regularização da atividade garimpeira no interior da APA do Tapajós. Ela é a Unidade de Conservação (UC) mais afetada por extração de ouro irregular no país, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). De acordo com o estudo, foram nove toneladas do minério extraído ilegalmente de lá só entre 2019 e 2020.

Apesar de não constar no quadro societário da Coopermix Gold, há registros em vídeo nos quais Cecchini se apresenta como presidente da cooperativa. Além disso, a filha e a esposa do empresário estão entre os sócios formais da cooperativa, sediada em Itaituba.

Procurada pela Pública, a defesa do empresário Bruno Cecchini e de seus familiares afirmou que: “as matérias veiculadas tratam apenas de elementos de informação, que não passaram pelo filtro do Ministério Público Federal e muito menos da Justiça Federal, pois não existe sequer denúncia oferecida”. O empresário e seus familiares também disseram à reportagem que “negam veementemente a prática de qualquer ilícito e em caso de eventual existência de ação penal rebaterão a tempo e modo todas as acusações.” A defesa do empresário não quis dar entrevista pelo fato da investigação da Polícia Federal correr em sigilo. Cecchini também não se manifestou sobre os indícios de garimpo no interior da APA Tapajós apurados pela reportagem.

Garimpo ocorre há anos em áreas cobiçadas por Cecchini e Coopermix na APA do Tapajós, sugerem imagens

O garimpo que Cecchini e a CNMI buscam legalizar na APA do Tapajós já aconteceria há anos dentro da área de proteção. A Pública analisou imagens de satélite e encontrou registros que indicam atividade garimpeira em áreas que foram requisitadas por Cecchini e pela Coopermix. Há imagens até mesmo de 2014, que sugerem que o garimpo já acontece na região há bastante tempo, antes mesmo dos pedidos serem protocolados na ANM.

Um exemplo é uma grande área no limite leste da APA, em direção à fronteira de Itaituba com o município vizinho de Novo Progresso. Lá, há uma mancha requisitada pela Coopermix para lavra de ouro, cassiterita, columbita e tantalita em 2020 e que avança em trechos da unidade de conservação. A autorização para garimpo da ANM saiu apenas em outubro de 2020, porém, a reportagem encontrou imagens que indicam garimpo no local desde 2014.

Imagens de satélite de julho de 2020 indicam que atividade garimpeira ocorre dentro de áreas pedidas pela Coopermix dentro da unidade de conservação do Tapajós — e que tiveram autorização da ANM apenas em outubro do mesmo ano – Satélite Google

De acordo com dados públicos consultados pela reportagem, a autorização da Coopermix, válida até 2025, já trouxe lucros. Mais de 312 kg de minério de ouro foram extraídos da área correspondente ao título só no ano de 2021. O metal foi vendido somente a duas empresas: a F’D Gold e a Carol DTVM. Ambas respondem a ações civis públicas do Ministério Público Federal (MPF) no Pará por exploração ilegal de ouro. Aos questionamentos da Pública, o representante da Carol DTVM respondeu que não tem “conhecimento desse fato” e que vai “verificar para acionar nossa área competente”. Já a F’D Gold não deu retorno até o fechamento da reportagem.

O garimpo não é necessariamente proibido em APAs: atividades econômicas são permitidas e devem seguir as diretrizes e regras estabelecidas pelo plano de manejo, caso exista — o da APA do Tapajós ainda não foi concluído. Além disso, para funcionar legalmente, o garimpo precisa da permissão de lavra garimpeira (PLG) concedida pela ANM, que, por sua vez, depende de uma licença de operação (LO). De forma geral, segundo a Lei Complementar 140/2011, a LO deve ser emitida pelo estado, que pode delegar a tarefa ao município no qual o empreendimento se localiza, conforme ocorre em Itaituba.

Cecchini não se manifestou sobre os indícios de garimpo no interior da APA Tapajós – Jannes Stoppel/Greenpeace

Como a APA do Tapajós é de domínio federal, a Secretaria Municipal de Itaituba deve receber o aval do ICMBio antes de conferir as licenças, o que, segundo apuração da Pública, não aconteceu no caso da PLG em nome da Coopermix. A assessoria de imprensa do ICMBio confirmou que nunca emitiu nenhuma ALA – Autorização para o Licenciamento Ambiental – “para atividades de PLG dentro da APA do Tapajós”, o que indica que a LO e posterior permissão da Coopermix foram conferidas sem a anuência do órgão ambiental federal. Questionada, a ANM admitiu que, em processos desse tipo, não cobra a autorização do ICMBio antes de outorgar as PLGs “por entender que tal atribuição compete ao órgão ambiental licenciador”. A reportagem procurou, então, a Secretaria de Meio Ambiente de Itaituba, que não se manifestou.

A Pública também encontrou imagens que indicam mineração em outra área requisitada por Cecchini dentro da APA. Embora o pedido de lavra deste segundo pedido não tenha sido autorizado pela ANM, há imagens de abril de 2016 que mostram intensa atividade de garimpo na região.

Diversos pedidos de mineração de Cecchini passam por alguma área da APA do Tapajós — todos eles protocolados num período de menos de dois anos. Em abril de 2020, em um intervalo de dez dias, o empresário protocolou 11 pedidos de lavra garimpeira que incidiram em trechos da APA. Em maio de 2021, foram cinco pedidos de pesquisa de ouro.

Já a Coopermix Gold protocolou dez pedidos de lavra garimpeira na região em março do ano passado, e uma em novembro do mesmo ano.

A esposa de Bruno, Claudia Rosa Cecchini, por sua vez, também cadastrou pedidos de mineração na ANM que passam por algum trecho da APA do Tapajós. Foram cinco requerimentos de lavra nos dias 9 e 10 de março de 2021 — pouco antes dos requerimentos da Coopermix, que aconteceram no dia 11.

Barras de ouro apreendidas em aeroporto levaram polícia a Cecchini

A investigação que terminou com o indiciamento de Bruno Cecchini começou após uma apreensão realizada em junho de 2019 no Aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia. Na ocasião, 111 kg de ouro em barras foram apreendidos em malotes escondidos no banco de uma aeronave monomotor. A partir de indícios colhidos naquele dia, a PF começou a voltar os olhos para o empresário Bruno Cecchini.

No dia da apreensão, a PF prendeu os dois ocupantes da aeronave: o piloto Danilo Jorge Fulanetti (posteriormente liberado) e o único passageiro daquele voo, José Celso Rodrigues Silva. José é ligado a Bruno Cecchini em outras empresas, inclusive na própria Coopermix, da qual é diretor e parte do quadro societário. O registro das marcas da aeronave (PT-RIX) apontou que ela pertencia à empresa RJR Minas Export Eireli, uma extratora e negociante de produtos minerais. À época, a RJR tinha em seu quadro societário Julia Leão Cecchini, uma das filhas de Bruno, e o próprio José Celso Rodrigues Silva, o passageiro preso em flagrante.

Quando foram ouvidos, Julia e José Celso forneceram à PF elementos que teriam formado a convicção dos policiais de que era Bruno o operador de fato da RJR. Alguns elementos da investigação, que corre em sigilo, tornaram-se públicos a partir de manifestações do MPF e da PF que apareceram em decisões da Justiça Federal.

Segundo o inquérito da PF, Julia Leão Cecchini, quando foi ouvida, embora constasse no quadro societário da RJR, afirmou que “nada sabe sobre a empresa e o transporte do ouro apreendido, nem tampouco conhece José Celso Rodrigues, apesar dele também figurar no contrato social como sócio, asseverando, ao final, entretanto, que seu pai administrava a empresa mencionada [a RJR]”.

José Celso, por sua vez, “esclareceu que foi o pai de Julia, Bruno, quem lhe ofereceu para abrir uma empresa de venda de ouro em nome do declarante e de sua filha, auferindo 0,5% do lucro obtido, não sabendo onde o ouro era adquirido, mas tinha conhecimento que era destinado à cidade de São Paulo para o refino e, em seguida, remetido para a Europa”. José Celso também complementou em seu relato à PF ”que em 2017 Bruno disse que passaria a empresa para o nome de Julia tendo em vista a maioridade alcançada.”

Para a PF, “tanto Julia, como José Celso, apenas emprestaram seus nomes para constar no contrato social da empresa, ocultando o real proprietário que é Bruno Cezar Cecchini, o qual admitiu efetivamente administrar a empresa, constituída em 2017.” José Celso Rodrigues não respondeu aos questionamentos da reportagem enviados por e-mail e a reportagem não conseguiu contato pelo telefone.

O próximo passo da PF foi buscar a origem do ouro apreendido em Goiânia. A fonte declarada seria uma lavra em Colniza (MT), pertencente à RJR, no entanto, visitas dos policiais e imagens de satélite indicaram que não havia sinais de mineração no local. Para a polícia, as diligências levaram à conclusão de que as notas apreendidas eram falsas.

Polícia aponta ligações de Cecchini com financiadores do garimpo ilegal no MT

Dois dias após a apreensão no aeroporto, a PF alega ter recebido uma denúncia anônima dizendo que o ouro apreendido vinha do município de Alta Floresta (MT) e que teria sido vendido pela empresa Texas Gold, do empresário Willian Ribeiro. Segundo a PF, “Willian possui outras cinco ou seis lojas Texas Gold nos arredores da referida cidade, que funcionam como pontos de compra de ouro de garimpeiros clandestinos.” A denúncia afirmava que Bruno Cecchini era o comprador do ouro e que o fazia por meio de empresas das quais seria “proprietário oculto”, como a RJR e a BJR, sediadas em Goiânia e registradas no nome de suas filhas. Ainda de acordo com a PF, Bruno teria ligações com pessoas que exportariam o ouro ilegal para a Itália.

Em documentação apreendida pela PF, constava a informação de que, de fato, o ouro vinha da Texas Gold. Esta empresa mantinha, segundo a PF, um escritório em um imóvel pertencente à empresa ligada a Bruno Cecchini, a RJR. A PF afirma que tanto o proprietário da Texas Gold, Willian Ribeiro (conhecido como “Cowboy”), como seu irmão, Wilson Ribeiro Filho, atuam na compra de ouro ilegal, notadamente no município de Nova Aripuanã (MT), alçado anos atrás a polo do garimpo no país, e então chamado por grupos de garimpeiros de “Nova Serra Pelada”.

Wilson chegou a ser preso pela Polícia Militar do Mato Grosso no aeroporto de Nova Aripuanã transportando 6,5 kg de ouro ilegal também em junho de 2019. Na ocasião, o ouro apreendido trazia as mesmas marcas do apreendido em Goiânia. Em outubro, Wilson foi preso novamente ao lado do irmão, Willian Ribeiro, na Operação Trype 2 da PF sob a acusação de financiar o garimpo ilegal no norte do Mato Grosso. Os irmãos tiveram seus respectivos pedidos de prisão preventiva revogados em janeiro de 2021. A Pública entrou em contato com Willian e Wilson, mas não obteve resposta.

Outro ponto em que as diligências da PF convergem com a denúncia anônima é em relação à exportação do ouro para a Itália. De acordo com a investigação, de fato, o ouro apreendido no aeroporto de Goiânia tinha como destino o país europeu. A carga já estava vendida para uma empresa goiana, com filiais em São Paulo, e de sócios italianos: a C.H.M do Brasil Metais. A carga apreendida no aeroporto de Goiânia tinha como destino São Paulo, onde seria entregue à C.H.M para depois ser enviada à Itália, conforme declarações da própria C.H.M prestadas à Justiça.

A C.H.M. foi posteriormente investigada pela Polícia Federal em outro inquérito, que apontou que a empresa comprou ouro extraído ilegalmente da Terra Indígena Kayapó, no Pará, conforme noticiado pela Repórter Brasil. De acordo com dados obtidos pela PF, o ouro comprado na TI também tinha como destino final a Itália, mais precisamente a gigante italiana Chimet SPA Recuperadora e Beneficiadora de Metais, a 44ª empresa em faturamento daquele país. A C.H.M tem como sócios os italianos Mauro Dogi e seu filho, Giacomo. Mauro trabalhou como operário na Chimet entre os anos de 1990 e 1995, antes de mudar-se para o Brasil. O relatório da Operação Terra Desolata, que apontou a participação da C.H.M na compra de ouro ilegal oriundo da terra indígena no Pará, aponta que a empresa fez transações financeiras que ultrapassam os R$ 880 milhões com a RJR Minas Export, ligada a Bruno Cecchini. O mesmo relatório aponta que a RJR fez transações no valor de R$ 100 milhões com grupos de garimpeiros ilegais do sul do Pará.

A C.H.M do Brasil Metais afirmou que “jamais adquiriu ouro extraído ilegalmente”, que “ao efetivar cada transação de compra, a C.H.M sempre solicitou das empresas vendedoras toda a documentação exigida por lei, que demonstrava a licitude do produto comercializado” e que as exportações de ouro foram autorizadas pelos órgãos competentes. A empresa afirmou que cumpre todas as determinações legais impostas a ela e que realiza processos de verificação documental para prevenir-se quanto a compra de ouro ilegal.

As decisões da Justiça Federal consultadas pela Pública mostram que a PF ampliou as investigações sobre as atividades da RJR e apura a legalidade da comercialização de mais de uma tonelada de ouro da empresa. “Segundo informou a autoridade policial, as provas, até então reunidas no inquérito policial, demonstram que não apenas o ouro apreendido foi usurpado da União pelos investigados, mas, também, outros mil e quatrocentos quilos de ouro, quantidade esta constante de notas fiscais emitidas pela RJR Minas Export Ltda, no período de 04/08/2019 a 22/08/2019, e transportada por meio de documentação legal falsa”, segundo decisão proferida no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Outras empresas ligadas a Bruno Cecchini também estão sendo investigadas. Ao todo, ao menos dez empresas estariam envolvidas no esquema de envio ilegal de ouro à Europa segundo o MPF informou à Pública.

No último dia 25 de março, a PF comunicou o indiciamento de 15 pessoas físicas e jurídicas pelos crimes de organização criminosa, usurpação de bem da União, extração de ouro sem autorização legal, receptação qualificada, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. na investigação iniciada em junho de 2019. De acordo com o comunicado, “além da carga apreendida, foi identificado pela Polícia Federal que o grupo criminoso investigado extraiu, explorou, transportou e comercializou mais de 1,5 toneladas de ouro ilegal extraídos de garimpos ilegais do Mato Grosso, o que equivale atualmente a mais de R$ 457 milhões”.

Conforme revelado pelo portal Folhamax, de Mato Grosso, entre os indiciados estão Bruno Cecchini e duas de suas filhas, José Celso Rodrigues Silva, os italianos Mauro e Giacomo Dogi, sócios da C.H.M do Brasil Metais, e os irmãos e empresários mato-grossenses Willian e Wilson Ribeiro.

Imagem destacada: APA do Tapajós é a UC mais afetada por extração de ouro irregular no país – Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

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