Normalmente palco sempre aberto aos lobistas do garimpo, o Ministério de Minas e Energia viu hoje um protesto de milhares de indígenas de todo o Brasil contra o garimpo ilegal que tem causado um verdadeiro genocídio e ecocídio na Amazônia.
O PL 191/2020 também foi alvo da marcha que saiu do Acampamento Terra Livre, no Eixo Monumental e foi até a Esplanada dos Ministérios com faixas, cartazes e manifestações contra a tentativa de abrir as terras indígenas para a mineração e o agronegócio.
“De que lado está essa empresa?”, perguntou a liderança Alessandra Munduruku, do Médio Tapajós, no Pará, apontando para uma placa em inglês com o nome da mineradora inglesa Anglo American, respondendo em seguida.
“Ela já tem um lado, o lado do PL 191, o lado da destruição. Se vocês querem ouro, tá aqui (no ato). Se vocês querem a nossa morte…é nós que estamos lá com a força das crianças. Lutamos por 522 anos, não vai ser agora que vamos desistir. Jamais a mineradora vai entrar na nossa terra, porque somos povo Munduruku, Kayapó, Pataxó, somos 305 povos. Se querem projeto de lei, tem que ouvir todo mundo, não é um ou dois (povos) não”, disse Alessandra.
Após ser revelado em março de 2020 por uma matéria minha que a Anglo American e suas subsidiárias mantinham centenas de requerimentos sobre 18 terras indígenas na Agência Nacional de Mineração, uma campanha foi criada para pressionar a mineradora inglesa a desistir dos pedidos.
Embora tenha se comprometido formalmente a retirar os requerimentos na ANM em julho de 2021, muitos seguem na base da Agência e podem se retomados caso o PL 191 seja aprovado. É a mesma situação dos requerimentos da Vale no Pará. A BlackRock, o maior fundo de investimentos do mundo, que tem bilhões em empresas de mineração, e a Potássio do Brasil, dona da mina de potássio apoiada por Bolsonaro no Amazonas, também foram cobradas.
Ato reproduziu as consequências do garimpo ilegal
Com o nome de “Marcha contra o garimpo que mata e desmata!”, o ato pacífico teve como objetivo principal expor e pressionar o poder público contra a aprovação do PL 191. Uma carta aberta contra o PL foi lançada no início do ATL.
Lideranças indígenas e apoiadores marcharam sujos de lama e sangue cenográfico, representando todas as mortes, violências e o sofrimento advindo desta prática ilegal.
Em frente ao Ministério de Minas e Energia, foram posicionadas barras de ouro estampadas com a palavra “crime!”, pepitas de ouro e pessoas sujas de sangue e lama até o pescoço – os elementos que simbolizam a destruição causada pelo garimpo nos territórios. Além disso, a ação contou com a produção de um banner de 14m de altura por 9m de largura que foi produzido durante o ato pelo artista baiano Ibraim Nascimento, contando com a colaboração de diversos povos indígenas. O desenho representa a luta dos indígenas contra os malefícios do garimpo.
Presente no ato, Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – Sul, reforçou a importância de lutar pelas futuras gerações.
“Precisamos lembrar que o garimpo não é só ouro, não é só prata. O garimpo é também o gás, o petróleo e a mineração. E o incentivo dessas produções [de petróleo, gás e minério] dificulta ainda mais a demarcação de nossas terras, além de contaminar rios e aquíferos. Nós sofremos muito, as gerações futuras sofrem também. Por isso, é muito importante lutarmos hoje para garantir o futuro das gerações que virão depois de nós”, afirmou Kretã.
Para o porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Danicley de Aguiar, o garimpo entra nos territórios causando uma série de violências e violações dos direitos dos povos indígenas. “Ele causa uma enorme desorganização social que ameaça a sobrevivência física e cultural dessas pessoas”, explicou. O Greenpeace articulou o ato junto com a Apib.
Weibe Tapeba, liderança do seu povo e assessor jurídico da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), condenou o desmonte da Constituição.
“Esse PL 191 faz parte de um pacote de destruição. Ao invés do governo brasileiro resolver esse passivo de demarcação de terras indígenas, tenta destruir os nossos direitos”, disse, durante a marcha.
Garimpo leva violência sexual, aliciamento, crime organizado e doenças às terras Yanomami
Comunidades dentro da Terra Indígena Yanomami situadas até 10 quilômetros de áreas invadidas pelo garimpo enfrentam violência sexual, estupro de menores, crime organizado, aliciamento de jovens indígenas para o garimpo, assassinatos e graves problemas de saúde, como malária e desnutrição infantil.
O alerta está em um levantamento publicado nesta segunda-feira (11), elaborado pela Hutukara Associação Yanomami, que estima que 273 comunidades Yanomami e 56% dos 27 mil habitantes da reserva são afetados diretamente pelo garimpo. Matéria da Mongabay Brasil, parceira do Observatório, destacou os impactos terríveis.
“A Terra Indígena Yanomami vive o pior momento desde a sua demarcação, ocorrida em 1992”, diz o pesquisador responsável, que prefere não se identificar por causa de ameaças sofridas nos últimos meses.
“Tem comunidade que está sem atendimento há 6 meses porque os garimpeiros tomaram o posto de saúde. Quando o governo, a polícia federal, vão tirar os garimpeiros? Nós Yanomami estamos pedindo socorro. Ano passado 300 crianças morreram, 300 crianças não receberam atendimento. Todos os dias as mães choram”, disse Júnior Hekurari, liderança Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY) em matéria do Observatório sobre a situação dos indígenas isolados no ATL 2022.
Previsto inicialmente para ser votado esta semana após aprovação de regime de urgência na Câmara dos Deputados, há uma indefinição sobre se a votação do PL 191 irá ocorrer na quinta (14) diante do fato de que o grupo de trabalho que deveria ter sido criado ainda não saiu do papel e sobretudo da pressão feita por indígenas e do péssimo momento de conjuntura internacional para o setor mineral comprar essa briga ao lado de Arthur Lira e Jair Bolsonaro.
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Foto: Matheus Alves / Apib