Como remédio para tantos golpes, os passarinhos é que sabem. Por Janio de Freitas

Quadro de reação ao golpismo mudou, mas sem sugerir seus próximos aspectos

Na Folha

Nos últimos dias passaram-se meses. Bolsonaro sentiu a estocada. Acovardou-se, em sua reação típica quando enfrentado: “Não existe interferência, ninguém quer impor nada, atacar as urnas eletrônicas, atacar a democracia, nada disso”. Cinismo e medo.

ministro Edson Fachin dispôs as coisas como o ministro Luís Roberto Barroso, mas com a energia do seu estilo e a extensão ao bolsonarismo fardado ou saudoso: “Ninguém vai interferir nas eleições. Quem trata de eleições são as forças desarmadas”. Era o que os bolsonaristas, de um lado, e de outro os seus oponentes precisavam ouvir. Veio na veia.

E não foi tudo. Um jantar a mais, entre os exigidos em Brasília para o que se pretenda mais sério, resultou em novidade não mais esperada. A política descobriu o golpismo de Bolsonaro e a necessidade de defender a Constituição. Nesse hábito de Roma Antiga, entre delícias sólidas e líquidas na casa da senadora Kátia Abreu, senadores expressivos de diferentes partidos decidiram-se, diante de três ministros do Supremo, pela adesão ativa ao antigolpismo.

O quadro mudou, sem no entanto sugerir seus próximos aspectos. Com exceção dos dois guarda-costas de Bolsonaro, o Supremo está exaltado. E mais firme do que seu presidente, Luiz Fux. Esse estado torna ainda mais influente, na disposição do quadro, o avanço indicado na junção de dois processos sob a condução musculosa do ministro Alexandre de Moraes. Bolsonaro e seus ataques ao Supremo equiparam-se agora aos ataques da milícia digital, sujeitando-se aos mesmos riscos judiciais.

As Forças Armadas seguem em suas incógnitas diferenças, com Marinha e Aeronáutica em silêncio espectador. E contrastante com o fumacê golpista de tanques dos fuzileiros navais, portanto da Marinha, na Brasília em dia de cerimônias golpistas. O Exército, por provável providência do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, não deu resposta imediata ao novo quadro. Coube a um general da reserva tratar disso.

Portador de sobrenome que o antecedeu por décadas nas ligações do Exército com a política, o general Sérgio Etchegoyen só tem em comum com os colegas bolsonaristas a perversão corporativista. Seu preparo o diferencia.

Apesar disso, atribui a situação problemática a que “candidatos e juízes, num acesso descabido de vaidade, posicionam-se acima das instituições”. Não é vaidade que está em disputa. E não se sabe que candidatos plurais seriam esses, sendo só Bolsonaro a agir —aliás, impunemente por proteção militar— acima das instituições e à frente dos inimigos delas.

Se as Forças Armadas têm a incumbência da segurança institucional, como tão repetido, estão em falta com sua missão há muito tempo.

O general Etchegoyen vê no ministro Fachin o ambicioso “papel de lacrador”, o que está por ser definido. Entende que eleições são questão de segurança nacional, e assim incluídas nas competências dos militares. Tanto ou mais, é a presunção da tese, do que as instituições civis incumbidas pela Constituição.

Esse conceito, de aparecimento recente, socorre Bolsonaro e seus (ex) militares. Mas a responsabilidade constitucional das Forças Armadas é proporcionar segurança ao livre exercício do direito de voto. A segurança que cabe às Forças Armadas é física, objetiva, e por isso dotada de armas, que são instrumentos de ação física.

sistema eleitoral e sua aplicação, de ponta a ponta, competem a ideias específicas e a preceitos constitucionais, que vêm das forças desarmadas. E desarmadas por natureza, princípios e deveres.

A hipótese de “golpe é ridícula”, na visão do Etchegoyen atual. Também foi, algumas vezes, na opinião insustentada dos antecessores. Sua resposta não respondeu a Edson Fachin nem ao novo quadro de enfrentamento, que rompe o mesmismo extenuante.

Como remédio verdadeiro para o testemunho de tantos golpes, consumados ou não contra o país e a civilidade, o que interessa mesmo é o reaparecimento no outono desse casal de tiês, pouco depois do casal de saíras-sete-cores, nas vindas matinais. Da aroeira, podem me ver bem de perto, e, com toda a razão, não me dão a menor importância.

O resto não é vida. É o Brasil atual.

Destaque: Coppo di Marcovaldo, Inferno (1260-70). Fragmento de mosaico do teto do Batistério de Florença

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