Comunidades do campo, das águas e das florestas participarão da audiência em conjunto a Articulação Agro é Fogo na Câmara dos Deputados, em Brasília/DF
Por Articulação Agro É Fogo, na Página do MST
Lutar pelo futuro passa por barrar o avanço dos incêndios e toda a devastação do agronegócio que atinge, principalmente, os povos e comunidades tradicionais. Essa pauta será debatida durante a Audiência Pública da Articulação Agro é Fogo e da Comissão Externa de Queimadas em Biomas Brasileiros, coordenado pela Deputada Professora Rosa Neide, na Câmara dos deputados, no próximo dia 19 de maio às 14h (horário de Brasília). O momento será no formato híbrido, presencialmente no Anexo II – Plenário 7 da Câmara dos deputados, pelo zoom, e com transmissão ao vivo pelo Youtube da TV Câmara.
Em favor da manutenção da sociobiodiversidade da Amazônia, Cerrado e Pantanal, será apresentado, junto a representantes das comunidades, a nota técnica, elaborada em parceria com o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), pautado nos casos apresentados no Dossiê Agro é Fogo.
Já temos a presença confirmada de Claudia Sala de Pinho, da Rede de comunidades tradicionais Pantaneiras (MS); Leonida Aires, Liderança da Comunidade Barra de São Lourenço (MS); Davi Krahô, Liderança Indígena do povo Krahô (TO); Leandro dos Santos, Liderança da comunidade quilombola Cocalinho (MA); Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Eliane Martins, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
O fogo continua
Estamos chegando na estiagem com grande quantidade de focos de incêndios e isso requer atenção do poder público. Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), até a metade de maio deste ano mais de 4 mil focos de incêndios foram contabilizados só no Cerrado, isso significa 20% a mais do que o mesmo período ano passado; Na Amazônia, já a são mais de 3.500 focos e no Pantanal os focos já são maiores do que toda a quantidade do ano passado.
O Dossiê Agro é Fogo, que se encaminha para sua terceira fase, afirma que os problemas e descontrole de incêndios no campo são orquestrados para o avanço do agronegócio. O documento reúne discussões e relatos de conflitos que denunciam um processo sistemático de avanço do agronegócio e suas interfaces, por incêndios, intimidação, destruição de propriedades, bens ou recursos dos modos de sobrevivência e de produção das comunidades, permeando a grilagem, garimpo, agrotóxicos e desmatamento.
Além disso, entre outras graves consequências desse processo de devastação, que impacta tanto o campo quanto a cidade, também é fruto dessa violência o aumento da fome, da insegurança alimentar, frente às commodities de monocultura que cresceram nos últimos dois anos de pandemia, como bem expõe o artigo do pesquisador Sílvio Isoppo Porto e da pesquisadora Diana Aguiar.
Por outro lado, o Dossiê Agro é Fogo ressalta os anúncios dos povos e comunidades tradicionais que, apesar de tudo, resistem para permanecer, com vida digna, em seus territórios. Nesse sentido, brigadas indígenas junto a Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) são uma das formas de organização coletiva para combate e, principalmente, realizar a prevenção do fogo.
Com a sabedoria ancestral a respeito do fogo, as brigadas funcionam promovendo a educação ambiental, treinamento e conscientização para a comunidade em situações de incêndios. Importante ressaltar que são brigadas formadas também por mulheres indígenas que, aliadas ao treinamento da PrevFogo, “acalmam” o fogo e evitam o avanço da morte sobre suas comunidades.
De acordo com investigação realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) e publicação do El País, incêndios e desmatamento na Amazônia podem ser estratégia para negócios milionários. Uma área de mil hectares incendiada vale um milhão de reais no mercado ilegal. A devastação de 2019, no chamado Dia do Fogo, na Amazônia e no Pantanal, está calculada em vinte milhões de reais que, pelo que apontam os indícios, tem a participação de grupos criminosos.
Além disso, conforme matéria do Repórter Brasil, um dos locais mais atingidos no Dia do Fogo, foi o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa onde, devido a invasão de fazendeiros e inoperância do Estado, atualmente são áreas repletas de monocultura. Tal cultivo contraria a finalidade da terra destinada à reforma agrária e que ainda está em processo de regulamentação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Um ano depois do evento, apenas 5% dos responsáveis pelo ocorrido foram punidos, segundo levantamento do Greenpeace Brasil.
Guardar a sociobiodiversidade é manter as comunidades em seus territórios
“Tem muita gente aqui com problema respiratório, teve gente que desmaiou, eu mesma estou com problema, até hoje tenho uma coceira no corpo, outras pessoas também têm, não sei o que pode ser. E já a gente tem que fazer exames pra saber e teve gente que ficou ruim, várias pessoas desmaiaram devido à fumaça, à cinza”, relata Leonida Aires, da Comunidade Pantaneira Barra de São Lourenço.
Um dos casos a ser apresentado na Audiência Pública será o da Comunidade Pantaneira Barra de São Lourenço, que sofreu e sofre as consequências intensas dos incêndios do agronegócio. O caso foi relatado no DOSSIÊ AGRO É FOGO por Claudia Sala de Pinho, coordenadora regional da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras.
Os incêndios florestais no Pantanal brasileiro já vinham fazendo estragos em anos anteriores a 2020 e suas cicatrizes não cessaram depois desse ano trágico. A comunidade, que perdeu uma criança durante tais acontecimentos, ainda reúne forças para sobreviver ao desmatamento, aos agrotóxicos, à falta de qualidade da água, a falta de saúde física e mental, e até de direito à terra, pois é um território em processo de demarcação para ser reconhecido como Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Segundo levantamento, os conflitos por terra envolvendo o fogo (2021) concentram 47% nas áreas do Cerrado e suas transições, na Amazônia contabilizam 25% e no Pantanal 6% do total. Somado a isso, no ano de 2021, foram 37 mil famílias afetadas pelo uso do fogo como arma nos conflitos no campo. Além disso, os incêndios destroem não só o componente material, mas, principalmente, afeta o sagrado e os saberes dos povos, isso se mostra em relação às casas de reza, violência que já envolveu quase 6 mil famílias no Brasil.
Dados da Agro é Fogo e CEDOC-CPT, reafirmam a relação dos incêndios quando o assunto são os conflitos por terra. É possível perceber que as regiões que sofrem com desmatamento, grilagem e o sistema agro-minerador são as mesmas atingidas, de alguma forma, pelo fogo criminoso, que ameaça a sociobiodiversidade, a vida, e avança violentamente devastando por onde passa.
*Editado por Fernanda Alcântara
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Foto: Greenpeace