“Capital do minério” esbanja dinheiro da mineração, mas realidade aparece em indicadores sociais e análise orçamentária
por Murilo Pajolla, em Brasil de Fato
A prefeitura de Paraupebas (PA), a “capital do minério”, ganhou manchetes nacionais na última semana após comemorar o aniversário da cidade com um megachurrasco. Foram assados 1200 “costelões” de boi, totalizando 20 toneladas de carne.
Nas redes sociais, o prefeito Darci Lermen (MDB) celebrou o que chamou de “o maior churrasco do mundo”, distribuído à população durante o evento. O objetivo anunciado era entrar no Guiness Book, o livro dos recordes, o que, no fim das contas, não aconteceu.
A realidade de boa parte dos 213 mil habitantes, no entanto, contrasta com a ostentação. Moradores ouvidos pelo Brasil de Fato reclamam da falta de infraestrutura e de investimentos públicos para garantir qualidade de vida à população. Quase um terço da cidade vive em situação de pobreza ou extrema pobreza, segundo o IBGE.
“Apesar de ser um município rico em termos de receita e PIB [Produto Interno Bruto, soma de todos os bens e serviços produzidos], por outro lado temos observado é que a população tem ficado mais pobre”, aponta a economista Larissa Alves Oliveira, pesquisadora e integrante do projeto De Olho na CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral).
Prefeito foi cassado
Com 34 anos de emancipação, Parauapebas é forte na criação de gado, mas a cidade só surgiu por causa da mineração. Em 2020, foi o município brasileiro que mais recebeu royalties da exploração mineral, quase R$ 850 milhões, mais de 40% do total arrecadado. Praticamente metade desse recurso é gasto com a manutenção da máquina pública.
“O modelo de mineração vigente em nenhum momento tem melhorado a vida dos moradores. Pelo contrário, não só os tem mantido em condições pobres, mas também tem gerado diversos impactos sociais, culturais e socioambientais”, diz a economista.
Em março desde ano, Darci e o vice-prefeito João José Trindade foram cassados pela Justiça Eleitoral e declarados inelegíveis. Mas continuam exercendo o mandato enquanto aguardam julgamento na instância superior. A chapa é acusada de arrecadar dinheiro indevidamente através de caixa 2, alegação negada pelo prefeito.
Darci garantiu que o evento não usou dinheiro público e foi custeado pelo Sindicato dos Produtores Rurais. “Mesmo que a prefeitura não tenha bancado o churrasco, o ato em si é problemático. A extrema pobreza tem aumentado no município, e aparentemente a prefeitura pouco tem feito para dar melhores condições de vida à população”, opina a integrante do De Olho do CFEM.
A “minero-dependência”
O Complexo Minerador de Carajás, em Parauapebas, já foi considerado o maior produtor de minério de ferro em operação do planeta. Na avaliação do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o modelo de desenvolvimento baseado quase exclusivamente nessa atividade econômica perpetua a desigualdade social histórica na região.
Morador de Parauapebas e integrante do MAM, o sociólogo e pesquisador Justino Amorim da Silva diz que o município está “abandonado” e chamou o evento de política de “pão e circo”. Ele vê uma estratégia das elites políticas e econômicas locais de buscarem legitimação junto à população, propagando uma imagem falsa de progresso para todos.
“Temos em Parauapebas o que nós chamamos de ‘minero-dependência’, que é quando se destroem todos os outros modelos de sustentabilidade, de desenvolvimento, de cultura, de educação em função do projeto da mineração”, afirma.
De onde vem o dinheiro…
No sudoeste do Pará, Parauapebas é um dos 12 municípios da Região de Integração Carajás (RIC). Até a década de 70, a atividade econômica principal era a extração de castanha, formando o chamado “Polígono dos Castanhais”, com forte prevalência das populações tradicionais amazônicas.
Mas isso durou até a ditadura militar descobrir que a região estava sobre uma das maiores reservas minerárias do mundo. O direito de explorar o subsolo foi dado à então estatal Vale do Rio Doce, atual Vale S.A..
Como contrapartida obrigatória por lei, a empresa tem que pagar royalties à União, que repassa 60% desse valor aos municípios. Essa é a “galinha dos ovos de ouro”, ou, no caso, de minério de ferro, a principal substância explorada na região de Parauapebas.
A legislação incentiva os municípios que recebem verbas expressivas da mineração a aplicarem pelo menos 20% no desenvolvimento mineral sustentável, além da diversificação da economia e desenvolvimento tecnológico e científico.
É uma forma de tentar evitar a “minero-dependência”, que pode ser fatal para um município, caso a mineradora decida suspender ou reduzir a extração dos minérios, que, como todo recurso natural, não vão durar para sempre.
…e para onde ele vai?
Para saber se Parauapebas está investindo para diversificar sua economia, o De Olho na CFEM analisou quanto dos quase R$ 850 milhões recebidos em 2020 foram gastos em cada setor do orçamento público.
A conclusão é que “grande parte do orçamento está voltado para a manutenção de ações já realizadas pela prefeitura, ou seja, sem criar novas políticas públicas”, diz trecho de uma nota técnica elaborada pelos pesquisadores.
Além disso, o estudo aponta que metade do recurso proveniente da mineração vai para a “burocracia municipal”. Em 2020, a área mais priorizada foi a de Administração, ou seja, a manutenção da máquina pública, que abocanhou 49,1% dos recursos. Na sequência vêm Educação (17,8%), Saúde (6,3%), Urbanismo (5,3%), Segurança pública (4,2%), Cultura (4,0%), Habitação (3,4%) e Assistência social (3,0%).
O gasto com Gestão do Veículo de Comunicação Institucional foi de R$ 32,4 milhões. Já a manutenção da Secretaria de Produção Rural ficou com R$ 19,7 milhões. A manutenção do Gabinete do Prefeito custou R$ 16,8 milhões.
“Entende-se que esses gastos trazem pouco retorno à sociedade e são necessários somente para o funcionamento de alguns setores do serviço público. Portanto, pelo alto valor dos recursos empregados, não influenciam na modificação da estrutura produtiva e nem geram maior bem-estar para sociedade”, afirma o relatório do De Olho na CFEM.
Por outro lado, áreas fundamentais para reduzir a dependência mineral foram contempladas com orçamento reduzido. Os setores de Ciência e Tecnologia, Energia, Comércio e Serviços, Organização Agrária e Indústria receberam entre 0 e 0,22% da arrecadação proveniente do minério de ferro.
“Um volume muito baixo diante das ações importantes que poderiam ser protagonistas do desenvolvimento econômico do município”, concluem os pesquisadores.
Outras áreas que receberam porcentagens minoritárias da arrecadação minerária foram Agricultura (0,6%), Direito da cidadania (0,4%), Saneamento (0,3%), Gestão ambiental (1,1%), Transportes (1,2%) e Desporto e lazer (1,7%).
A desigualdade em números
Em Parauapebas, 34 mil pessoas – 15,9% da população – estão em situação de extrema pobreza, ou seja, sobrevivem com menos de R$ 70 mensais. O percentual de pobres – pessoas com renda entre R$ 70 e R$ 140 – é de 10,8%.
Os dados são do De Olho na CFEM, que organizou reuniões públicas com os parauapebenses e apresentou os dados de arrecadação e gastos sociais do município.
“Eles ficaram muito abismados com o tamanho do valor que vai para a educação. E aí começaram a relatar vários problemas relacionados a essa área. Muitas escolas não tinham estrutura para ser escolas, que na verdade a prefeitura alugava casas e as transformava em estabelecimentos de ensino”, afirma Larissa Alves Oliveira.
Segundo o IBGE, Parauapebas é o 71º município do país com maior PIB per capta. Mas, no quesito taxa de escolarização de 6 a 14 anos de idade, cai para a posição 4692 entre as 5570 cidades brasileiras.
Já entre as 144 cidades do Pará, a “capital do minério” é a quinta no ranking de salário médio de trabalhadores formais. No entanto, na mortalidade infantil – causada principalmente por doenças relacionadas à falta de saneamento básico – fica na posição 96 entre municípios paraenses.
Justino, integrante do MAM, diz que “falta tudo” na saúde. E relata escassez de medicamentos nas unidades básicas, além de material de higiene. Como consultas e exames demoram dias, ele já teve que recorrer a médicos particulares para fazer tratamentos de emergência. “Há alguns dias não estavam nem tirando raio X. Pode isso? É um descaso e uma irresponsabilidade pública em alto grau”, critica.
Ele afirma ainda que o problema nos serviços públicos se estende ao transporte: “Somos obrigados a usar coletivos e vans apertadas, latas de sardinha insalubres, com motoristas estressados pelas péssimas condições de trabalho”.
“Retrocesso”, diz morador de Parauapebas
O advogado Fagno Lopes mora há 17 anos em Parauapebas e sente na pele os efeitos do baixo investimento público no bem estar da população. Ele relata conviver com graves deficiências de infraestrutura. “E parece que esse churrasco é uma forma de tentar amenizar ou tentar disfarçar um pouco desses problemas”, afirmou ao Brasil de Fato.
“A cidade vive em constante reparação das vias e, mesmo assim, há muitos buracos. Aqui no meu bairro temos problemas sérios quanto a isso e não é exclusividade nossa. As empresas vêm, fazem a reparação de qualquer forma e 2 ou 3 meses depois a rua já está como antes ou pior. Eles fazem apenas ‘uma maquiagem’”, descreve.
Lopes tem a percepção de que os serviços públicos fornecidos pelo município não são compatíveis com o volume de recursos arrecadados. Para o advogado, a estrutura de educação, saúde e outras áreas consegue “atender minimamente” às demandas. “No entanto, poderia ser bem melhor, considerando o poderio econômico de que o município dispõe”, contesta.
Para ele, o megachurrasco é um sintoma do “retrocesso que a sociedade brasileira vem sofrendo nos últimos anos”. “Enquanto parte da comunidade de Parauapebas se mobiliza para tentar fazer uma conscientização das pessoas quanto ao desenvolvimento sustentável, a gestão de uma das cidades mais importantes do Pará vai no sentido contrário dessa mobilização”.
Interesses em jogo
A busca de realidade socioeconômica mais justa passa por conscientizar os moradores sobre a realidade do orçamento público. É o que tenta fazer o projeto De Olho na CFEM em Parauabebas e outras cinco cidades da região de Carajás.
“A gente tem tentado acionar os movimentos sociais dentro desses municípios para que eles pressionem a prefeitura para que esses recursos sejam de fato destinados a população, para melhorar a vida dos mais pobres”, afirma a economista integrante do projeto.
Justino, do MAM, conta que a estrutura de poder local blinda os cidadãos da participação efetiva na vida pública. “Denunciar é correr risco de vida ou perseguição social e política, é enfrentar os grandes interesses dos empresários e políticos”, relata.
Outro Lado
O Brasil de Fato procurou a prefeitura de Parauapebas e perguntou se considera adequada a proporção de gastos com a manutenção da máquina pública. Também abrimos espaços para respostas às críticas feitas, nesta reportagem, por pesquisadores e moradores da cidade. Não houve retorno até a publicação. O espaço segue aberto para manifestações.
Edição: Felipe Mendes
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Criada pela mineração, Paraupebas celebrou 34 anos em 10 de maio – Reprodução/Prefeitura de Paraupebas