Me engana que eu gosto

Por Adhemar S. Mineiro, em Terapia Política

Ficaria até engraçado, se a crise inflacionária, orçamentária e política não fossem tão profundas.

Identificando que um dos principais pontos a afetar negativamente seu quadro de intenções de votos é a questão do preço dos derivados de petróleo, Bolsonaro resolveu mexer os instrumentos do Executivo e do Legislativo para tentar contornar o problema e empurrar a sujeira para debaixo do tapete.

A questão dos preços dos derivados, em especial o diesel, afeta de várias maneiras. Afeta diretamente o bolso dos que põem combustíveis nos veículos. Aí estão os caminhoneiros, que rodam enchendo o tanque de diesel. Eles parecem ser uma base firme do projeto Bolsonaro – até aqui, pelo menos alguns dos seus setores mostraram isso de diversas formas – e são diretamente afetados pela alta do diesel e pelo corte de investimentos em infraestrutura, como estradas, o que aumenta seus custos, deteriorando o que normalmente é seu principal patrimônio – os caminhões – e aumentando o tempo de deslocamento. Afeta os taxistas, os motoristas de aplicativos, ou entregadores de diversas plataformas de transportes, e assim por diante. Mas impacta também os preços finais, dada a matriz de transportes no Brasil baseada no transporte rodoviário. E impacta ainda os custos da energia, parte da qual é produzida a partir de termoelétricas a gás e óleo combustível, cujos preços seguem o mesmo movimento.

Identificado o problema pelos atingidos, aumenta o desgaste do governo atual, e reduz a intenção de voto em Bolsonaro. O que se vê nas últimas pesquisas é uma possível vitória de Lula no primeiro turno, daqui a quatro meses. Para o candidato Bolsonaro (não vou falar do governo, já que esse governo não é muito chegado a fazer coisas…), alguma coisa tem que ser feita, algo tem que ser mudado.

Na raiz do problema, a tal PPI, a paridade dos preços internacionais, que vincula o preço de petróleo e derivados no mercado doméstico aos preços internacionais. Política adotada desde o governo Temer, continuada sem alterações no governo Bolsonaro, e que beneficia investidores internacionais (na Petrobras) e importadores locais de derivados de petróleo, ambos os setores se enchendo de dinheiro. Portanto, mudar a PPI implica em comprar uma briga com os investidores internacionais e comerciantes dessa área. O governo mancharia o seu currículo liberal na economia, compraria uma briga em um tema sensível para os interesses comerciais e financeiros no momento eleitoral, e complicaria as conexões desse governo com essas frações econômicas. Fora de cogitação.

Lamentar e fazer imprecações, além de eventualmente alterar a presidência e o Conselho de Administração da Petrobras, já deu como pantomima. A esta altura, todo mundo já percebeu que a Petrobras é um braço operativo do Estado brasileiro que segue as políticas de governo, já que o governo altera o Conselho de Administração e a presidência ao seu bel prazer.

Portanto, se não se altera a política de preços da empresa, é porque o governo, no fundo, não quer. Pode até seguir fazendo, para ver se cola ao menos para seus eleitores mais fiéis, mas isso não tem alterado o efeito inflacionário da manutenção da política de preços – e isto a maioria do eleitorado já percebeu. Alterar a subida dos preços nesta área depende, em última instância, da vontade do governo em alterar a política, e pelo cálculo político da necessidade de uma base entre os capitais, essa possibilidade está fora de cogitação.

Vamos então para as últimas cartadas. Segue sendo fundamental retirar os canhões que a campanha eleitoral coloca com esse tema sobre o candidato Bolsonaro. Então o governo vem agora com as últimas sacadas. Uma, é atirar nos governadores, o que vem fazendo desde o começo do governo (vide o caso emblemático da gestão da Covid). Então, volta a colocar a culpa no ICMS (imposto definido pelos estados), e barganha com o Congresso impor de algumas formas a redução do imposto cobrado pelos níveis estaduais, objetivando ter uma redução de preços no curto-prazo, à custa dos estados, que além de viverem já suas próprias crises fiscais, vivem também suas disputas eleitorais locais. Terreno minado, a ver como anda a proposta governista nessa área.

A outra ideia é gastar os recursos que ainda nem existem, os de uma eventual privatização da Eletrobras, para financiar (leia-se, subsidiar) os preços dos derivados de petróleo. A estimativa é a de torrar os recursos da privatização (que, de novo, ainda não ocorreu) até o fim do ano com essa manobra. Depois… bem, depois a eleição terá passado, e será problema para administrar mais à frente, por esse governo, ou por outro que ganhar a eleição. Clara manobra eleitoral, com nome e sobrenome de manobra eleitoral. Se não funcionar, pode-se usar recursos orçamentários nesse subsídio, que é outra das propostas em discussão. Déficit? Que déficit?

Será que esse “me engana que eu gosto” em torno dos preços dos derivados de petróleo vai colar eleitoralmente?

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