Perícia mostra “triplex” de terras rurais da família Dallagnol no Mato Grosso

Sobreposição é uma das acusações do Incra para reaver dinheiro gasto com desapropriações; fazendas de tios e pai do ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol estão em gleba com 1,9 mil hectares incidentes em dezenas de matrículas de propriedade e decretos de uso social

Por Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas

O ex-procurador da República Deltan Dallagnol ficou conhecido como um dos autores da denúncia que atribuía ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva um triplex pertencente à construtora OAS na praia das Astúrias, no Guarujá, litoral paulista. O imóvel na estância balneária foi arrematado por R$ 2,2 milhões e usado pelo proprietário em uma ação promocional na internet.

Bem diferente desse triplex urbano e litorâneo, o pai de Deltan, o procurador de Justiça aposentado Agenor Dallagnol é um dos protagonistas de um outro tipo de triplex: o da sobreposição de terras na Amazônia. As terras da família Dallagnol estão entre estão as áreas apontadas por um laudo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que atesta quase sessenta matrículas de propriedade e decretos de áreas de interesse para reforma agrária, em um imbróglio que soma 1,9 mil hectares de terra — mais de 5% do total da Gleba Japuranã, de 36 mil hectares.

Em referência à gleba, o Incra identificou a impossibilidade de se identificar uma fronteira definida entre as propriedades:

— As 20 matrículas atuais registradas na Comarca de Nova Monte Verde e uma de Alta Floresta, bem como todas as 21 matrículas que as antecederam, registradas na Comarca de Alta Floresta, as quais compõem os 18 Decretos da Presidência da República que declararam de interesse social para fins de reforma agrária a Gleba Japuranã, constatamos a impossibilidade técnica da individualização das matrículas das figuras.

Tais escrituras criam fazendas que vão além de seus limites, uma passando por cima da outra. Um verdadeiro “triplex cartorial”.

SÉRIE MOSTRA COMO A FAMÍLIA GANHOU DINHEIRO COM AS INDENIZAÇÕES

Somadas, as fazendas da família têm, no papel, mais de 36 mil hectares. Segundo o Incra, o sobrepreço para todas as indenizações ao clã, em meio às desapropriações, somou R$ 147 milhões. Considerando apenas o pai de Deltan, Agenor Dallagnol, o Incra tenta recuperar uma indenização de mais de R$ 8 milhões. Outra reportagem traz no título um tema caro ao ex-procurador: “Para Incra, pai de Dallagnol é suspeito de se beneficiar de corrupção dentro do órgão“.

O observatório revelou em 2019 a existência das terras em Nova Bandeirantes (MT). Em nova série sobre a face agrária da família, esmiúça agora as investigações recentes feitas pela autarquia, que não podem ser associadas a algum mérito do presidente da República: “Presidente do Incra que abriu investigações contra a família Dallagnol foi demitido por Bolsonaro“. Entenda aqui como o valor das indenizações se multiplicou nos últimos anos.

Nova Bandeirantes fica no noroeste do Mato Grosso, quase no Amazonas. O avanço colonialista da família paranaense significou também a destruição das matas: “Pai de Dallagnol entregou propriedade na Amazônia com metade da floresta destruída“.

SOBREPOSIÇÃO ATRAPALHA RECONHECIMENTO DE CAMPONESES

A sobreposição de terras traz prejuízo ao erário público também de outras formas. Além de prejudicar programas de reforma agrária, ela atrapalha o reconhecimento de áreas de povos tradicionais e originários.

“Essa é uma das características fundamentais do processo de apropriação privada da renda da terra através da grilagem”, afirma Ariovaldo Umbelino, professor titular de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP), no artigo “Reforma agrária, grilagem de terras públicas e a luta pela terra e território no Brasil”, em que cita a apropriação de terras públicas em municípios mato-grossenses como Lucas do Rio Verde, Sorriso, Campo Novo do Parecis, Sapezal, Campos de Júlio e Primavera do Leste. O problema histórico foi agravado pela possibilidade de autodeclaração para o Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Além de sobreposição, o Incra encontrou falhas nos cálculos que podem ter inflado o valor das indenizações ao pai, tios e primos do ex-procurador, pré-candidato ao Senado em seu estado, o Paraná. Ao não aplicar os descontos no valor de aquisição por ancianidade e por devastação ambiental, o Incra pode ter pago a eles valor acima do mercado pelas terras da gleba, além de falhas nos contratos de comodato assinados entre os proprietários e os moradores da área.

No caso do triplex do Guarujá, atribuído por Deltan e equipe a Lula, a denúncia foi recebida, como mostrou a série Vaza Jato, do Intercept Brasil, em uma ação coordenada entre os procuradores e o então juiz Sergio Moro. Este se tornou ministro da Justiça do governo Bolsonaro e se apresentou como possível candidato à Presidência da República pelo Podemos. Mas seu endereço em São Paulo não foi reconhecido — o que pode gerar sobreposição de candidaturas ao Senado no Paraná e deslocamento das pretensões de Dallagnol para a Câmara.

A condenação do ex-presidente Lula foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou, no ano passado, que Moro era parcial e que tanto ele como os procuradores do Paraná não teriam jurisdição para atuar no caso. A decisão, depois derrubada, manteve Lula preso por 580 dias e o impediu de disputar a eleição de 2018, vencida por Jair Bolsonaro.

Imagem Principal (Reprodução/De Olho nos Ruralistas): Incra foi quem investigou inicialmente os supostos desvios ocorridos na própria autarquia

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