PFDC lembrou que a ditadura influencia até hoje a prática de tortura, bem como ressaltou a contrariedade do órgão com a possível extinção da CEMDP
Neste domingo (26), foi celebrado o Dia Internacional em Apoio às Vítimas de Tortura. Em alusão à data, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) reuniu a professora Vera Paiva e o jornalista Ivan Seixas para expor a experiência deles como vítimas da tortura e também como ativistas no que se refere à prevenção da prática no país. Na oportunidade, eles defenderam ao fomento de iniciativas voltadas à educação para direitos humanos, a criação de locais de memória, bem como a realização de campanhas que reforcem a ideia do respeito, da solidariedade e de que tortura é crime.
O procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, fez a abertura do evento, intitulado webinário “Tortura: por que ainda existe”, que representa o 31º evento promovido no âmbito do Projeto Encontros da Cidadania da PFDC. Na ocasião, lembrou que o período ditatorial influencia até hoje a prática de tortura. Manifestou, ainda, a contrariedade da PFDC com a possível extinção da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), recentemente noticiada pela imprensa.
Segundo ele, tal pretensão não encontra amparo legal. “Essa questão vem sendo acompanhada de perto pelo nosso Grupo de Trabalho (GT) Memória e Verdade, que me informou o cancelamento da reunião agendada para a próxima semana, cuja pauta previa a votação do relatório final e consequente encerramento das atividades daquela Comissão”, disse Vilhena. No último dia 15, a PFDC encaminhou ofício ao CEMDP e ao MMFDH com os fundamentos que sustentam a inviabilidade jurídica acerca da anunciada extinção da comissão.
Uma das mediadoras do evento, a procuradora regional da República Eugênia Augusta Gonzaga – coordenadora do GT Memória e Verdade – recordou que, embora a tortura seja um crime inafiançável e insuscetível de anistia, graça e indulto, o Brasil “vive um momento muito grave de naturalização da violência”. Ela elencou casos de violência que ocorreram, em menos de 30 dias, no Brasil, como o caso de Genivaldo Santos, do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, a negativa do aborto de uma criança vítima de estupro e da agressão física a uma procuradora no seu ambiente de trabalho.
O jornalista Seixas abordou o papel da tortura como instrumento de dominação de classe. “Não dá para a gente abstrair que a população negra sofre, nas periferias, prisão, tortura e desaparecimento, do mesmo modo que nós sofríamos na ditadura. Nos dois casos, é uma manifestação de dominação”, explicou.
Já a expositora professora Vera emocionou os participantes, lendo trechos do livro “Ainda estou aqui”, escrito por seu irmão Marcelo Rubens Paiva, que traça a história de sua família na luta pela verdade em relação à morte do pai Rubens Paiva – militante político morto na ditadura. Capitaneada por Eunice Paiva, esposa e mãe, a família brigou com o Estado brasileiro para ter o direito a um atestado de óbito, só conquistado em 1996.
Apesar de o Brasil ter avançado em uma certa institucionalidade normativa e de algumas estruturas, para o professor Paulo Abrão, não tem como falar de tortura no Brasil, sem falar da atividade policial. “Os métodos empregados, em geral, refletem toda uma cultura de policiamento repressivo, herdada do regime militar”, afirmou. Ele listou modalidades formais de tortura empregadas contra suspeitos levados até delegacias, como eletrochoque, espancamento, palmatória, subversão de cabeça em saco plástico, simulação de execução como técnica de interrogatório. Tais práticas são objetos de denúncias feitas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da qual Abrão já participou como secretário executivo.
Para outro debatedor convidado, o advogado Rildo Marques, é preciso que todos sejam sujeitos de direito conforme determinou o pacto de 1988. “O que foi observado nesses anos que só são sujeitos de direitos os brancos, os homens e os proprietários. Se você não tiver uma dessas características, os direitos são insólitos, ficam em suspenso”, afirmou, dando exemplos de casos atuais.
Atuando como mediador ao lado de Eugênia, o procurador da República Helder Magno – coordenador do GT Prevenção e Combate à Tortura – contou sobre o trabalho desenvolvido pela PFDC no incentivo à criação de Mecanismo Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura em diversos estados. “Se tivermos esses mecanismos em funcionamento, teremos meios de fiscalização”, disse, convidando a sociedade civil para cobrar também a implementação desses órgãos.
Confira aqui o webinário completo.
Reportagem – Allana Albuquerque
Assessoria de Comunicação e Informação
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)
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Ilustração: Latuff