Como a fome reduz a capacidade cognitiva

No momento em que quase um em cada seis brasileiros não tem o que comer, e metade da população vive em insegurança alimentar, estudo revela: alterações no cérebro levam famintos a “enxergar o mundo em baixa resolução”

Por Alessandra Monterastelli, em Outra Saúde

Os períodos prolongados de fome, que o ser humano enfrentou diversas vezes em sua trajetória, parecem ter retornado no momento em que os poderes econômicos e políticos mais prometiam o bem-estar. Isso tem ampliado os estudos científicos sobre a relação entre o estado faminto e a atividade cerebral. Nosso corpo teria desenvolvido um sistema próprio de “baixo consumo de energia” para emergências? Nesse caso, quais as consequências?

Nessa semana, um estudo da Universidade de Edimburgo (Escócia) publicado pela revista Neuron revelou uma estratégia de economia de energia presente nos sistemas visuais dos ratos. Seus autores explicam que os resultados podem levar a implicações importantes no entendimento de como a desnutrição afeta os humanos. 

Os cientistas descobriram que, quando os camundongos eram privados de comida por semanas a fio – tempo suficiente para perderem de 15 a 20% de seu peso saudável típico –, os neurônios de seu córtex visual reduziam a quantidade de adenosina trifosfato (ATP) usada em suas sinapses em 29%. A molécula é a principal transportadora de energia em seres vivos e é responsável por continuar alimentando o cérebro após o recebimento de glicose. A pesquisa detectou  que a fome alterava a capacidade dos ratos de perceberem o mundo ao seu redor e de ver detalhes. 

Ssem comida, os neurônios entraram em um modo de baixa potência e consequentemente processam sinais visuais com menos precisão. Expostos a tarefas desafiadoras, os camundongos com restrição alimentar tiveram um desempenho pior. “É como se, no modo de baixo consumo de energia, você obtivesse uma imagem de baixa resolução do mundo”, explicou Zahid Padamsey, um dos autores do estudo. 

A pesquisa foi muito elogiada por cientistas ao redor do mundo e traz particular interesse – e preocupação – em um momento de aumento da fome mundial. Segundo o relatório da ONU The State of Food Security and Nutrition in the World (SOFI) de 2022, o número de pessoas afetadas pela fome no mundo subiu para 828 milhões em 2021. Os dados estão na contramão do objetivo das Nações unidas, que pretendia acabar com a fome e a insegurança alimentar até 2030. 

Entre as maneiras pelas quais os governos podem combater o atual cenário, a ONU sugere o aumento do apoio à agricultura para reduzir o custo de dietas saudáveis – o que não acontece. No Brasil, a alta inflação está levando ao aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, mais baratos e com poucos nutrientes. Em estudo recente, a Unicef detectou que, com o aumento da insegurança alimentar, cresceu também o consumo de ultraprocessados por famílias cujos pais recebem o Bolsa Família. As consequências podem se estender por toda a vida. Já se sabe, por exemplo, que a fome em crianças está associada a déficits cognitivos por causar anemia – mal representado pela ausência de ferro, imprescindível para o funcionamento cerebral. 

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