Por que Lula não pode jogar de salto alto. Por Gilberto Maringoni

Cada ato precisa ser um momento de engajar. Uma convocação para que cada uma e cada um se envolva com a campanha, agindo para ganhar votos e para tornar, por meio da mobilização social, o golpe impossível. É o oposto de jogar parado

Por Gilberto Maringoni*, em Outras Palavras

O desempenho de Lula até aqui é muito bom, o ex-presidente dá um show de bola em todos os eventos de que participa e as pesquisas seguem exibindo uma vantagem tida como “irreversível” por especialistas no assunto. Mas não há campanha.

Isso me preocupa.

Há uma espécie de salto alto geral por parte da direção da campanha, que parece até aqui não dirigir uma campanha, mas uma sucessão de eventos com a presença de impressionante quantidade de público. Candidatos a ministérios quando falam à mídia se esforçam por se mostrarem moderados, confiáveis e repetirem que não haverá sustos para o mercado. Todos são sensatos naquela vibe de não descontentar ninguém e a nenhum interesse, tirando de cena a revogação de barbaridades cometidas após o golpe de 2016, como a reforma trabalhista e a independência do Banco Central. Isso no país do osso, da pele de frango e do revirar o lixo.

Enquanto a campanha Lula gera passividade em sua base social, Bolsonaro prepara sua tropa para a guerra. Ameaça botar fogo no país, carrega a pilha de sua base alucinada e insufla seus alucinados.

Curioso é que até os anos 1990, o diferencial da esquerda era ter militância ativa, enquanto a direita lançava mão de cabos eleitorais pagos e desmotivados. A situação se inverteu: agora eles têm militância de combate e nós temos um vastíssimo contingente que fica cantando Lulalá, fazendo coraçãozinho com as mãos (o gesto mais brega das últimas décadas) e achando que o amor vai vencer o ódio. As posições se inverteram. O fenômeno tem a ver com a maneira como os governos petistas lidaram com os movimentos sociais e isso um dia precisará ser examinado.

Vale dizer que, apesar de ser situação e ser responsável pela catástrofe humanitária e social em que nos metemos, é a extrema-direita quem toma a ofensiva. É inacreditável!

É isso que faz as falanges extremistas irem às ruas com sangue nos olhos.

A esquerda tem de imitar isso? Não, até porque a capacidade militar dessa escória é muito superior à dos setores progressistas. Um enfrentamento nas ruas hoje é o que eles querem e é sangue certo. Do nosso lado.

Mas a campanha Lula precisa dirigir e organizar a campanha (o pleonasmo é proposital). Organizar não quer dizer montar comitezinhos na sala de cada casa, de cada bairro, para distribuir bandeirinha e panfletinho. Temos dois meses até o dia do voto e a tarefa é evitar que a baderna inviabilize as eleições, num processo que pode combinar ações tipo Capitólio mais golpe na Bolívia. Isto é, o aparato oficial de segurança cruzar os braços para que as milícias toquem o terror de norte a sul.

Cada ato do Lula poderia ser um ato de engajamento de quem vai até ele. Poderia ser uma convocação para que cada um se torne um agente da campanha, que vá à luta para ganhar o voto do tio, da tia do zap, do colega de ponto de ônibus, da família, dos amigos. E alertar para o que é a violência fascista nessas horas.

Não adianta ter quase o contingente para ganhar no primeiro turno se a escória pode, por meio da violência, criar tamanha mazorca a ponto de inviabilizar a realização desse primeiro turno.

Colocar gente em movimento, cativar a própria tropa, imbuir-lhe de responsabilidades, dar gás à militância é oposto de jogar parado e de salto alto, confiando que faltam X dias para tirarmos Bolsonaro. Faltam é X dias para deixarmos de ser apenas eleitores do Lula e sermos milhares de Lula, como ele falava antes de ser preso nas assembleias do estádio de Vila Euclides, há quatro décadas. Vale a pena prestar atenção no que aquele metalúrgico falava.

*Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da UFABC e diretor da Fundação Lauro Campos. Foi candidato do PSOL ao governo de São Paulo (2014).

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