Seminário no ES reúne comunidades impactadas por “zonas de sacrifício” portopetroleiras no Brasil, Angola e Argentina
Por Fernanda Couzemenco, no Século Diário
Moradores de territórios impactados pelas “zonas de sacrífico” criadas em favor de empreendimentos petroleiros e portuários, além de ativistas socioambientais e membros de entidades em defesa dos direitos humanos e de movimentos sociais, se reúnem para a realização do VII Seminário Nacional da Campanha Nem Um Poço a Mais!, que acontece de quinta a domingo (4 a 7) nos municípios de Piúma e Presidente Kennedy, no sul do Estado.
O evento contará com a presença de comunidades de norte a sul do Espírito Santo, além de outros cinco estados brasileiros (Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro), da Argentina e de Angola. “Gente em luta contra a infraestrutura de portos, plataformas, dutos, terminais de gás e de óleo, termelétricas, refinarias. Gente em resistência contra a superestrutura de petrodependência, greenwashing e carbono neutro. Gente que enfrenta o racismo ambiental e a criminalização. Que denuncia a violência das empresas e do Estado. Gente que exige reparação de direitos humanos e da natureza. Que experimenta caminhos de transição para outros modos de vida”, destaca a divulgação do seminário (veja lista de entidades organizadoras e apoiadoras abaixo).
“Estaremos reunidos para atualizar o diagnóstico da expansão petroleira no Brasil, trocar experiências de lutas comunitárias e estratégias de transição, e para celebrar a resistência ecológica e anticapitalista”, complementa.
Professor do Instituto Federal Fluminense (IFF) em Bom Jesus do Itabapoana, no norte do Rio de Janeiro, e vice-coordenador da ONG Reflorestamento e Ecodesenvolvimento do Itabapoana (Redi), Carlos Freitas é dos participantes confirmados. A bacia hidrográfica do Itabapoana, foco do trabalho da entidade, nasce nas montanhas capixabas e mineiras da Serra do Caparaó e desagua na Praia das Neves, em Presidente Kennedy. O curso principal é ainda o marco natural da divisa entre Espírito Santo e Rio de Janeiro.
O desenvolvimento ambiental e social empreendido pela ONG atualmente tem frentes de atuação em agroecologia, reflorestamento e turismo, especialmente na vertente histórica e patrimonial. No lado do Espírito Santo, o trabalho se volta ao patrimônio histórico e natural da Praia das Neves, incluindo a Igreja Nossa Senhora das Neves, com mais de 300 anos de idade (o templo atual foi reconstruído em 1694), além do início de uma interação com os pescadores artesanais do município, que também já marcaram posição de alerta em relação ao empreendimento.
Mais um megaporto?
Sobre o Porto Central, projeto com verbas de grupos econômicos brasileiros e holandeses, segundo pesquisa feita pela Campanha Nem Um Poço a Mais, e que será um dos temas focais do VII Seminário, Carlos Freitas afirma que a ONG é contrária.
“A Redi se posiciona contra. Os pescadores do Itabapoana já estão impactados pelas barragens. A partir da Usina de Rosal, em 1999, eles já estão sofrendo. Depois vieram as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), são três. Os pescadores do Itabapoana estão subsistindo, inclusive os da foz. A piracema foi interrompida. Existe ainda alguma pesca, muito pouca. O Porto Central está previsto para se instalar a apenas uns dois quilômetros da foz! E a uns 200 metros de uma área de restinga e alagados. Então a salinização desses ambientes é um fato, caso ele seja construído. E aí, pronto, ‘pode fechar a tampa do caixão, porque morreu mesmo’, como se diz popularmente”
Carlos Freitas lembra ainda o aspecto especulativo e politiqueiro do empreendimento. “Estamos a 50km do Porto Açu [localizado em São João da Barra, estremo norte do Rio de Janeiro, em operação desde 2014] e ele não tem nem um terço de uso, está subutilizado, mas causou muitos impactos na região. Tem muito aporte para receber a mesma coisa que o Porto Central vai receber. Para que um porto tão próximo um ao outro? Não faz sentido”, questiona.
O acadêmico e militante avalia que a proposta do Porto Central chega como uma tentativa de reprise de histórias com desfechos infelizes para as comunidades locais, que se prolongam até hoje. “Parece aquelas coisas políticas, de conseguir verba para uma obra, mais um elefante branco, e com aquelas ilusões para a comunidade, de emprego, progresso. E isso dá voto! Por um ou dois mandatos, como aconteceu no Porto Açu”, relata.
Dá votos, diz, mas também provoca salinização do solo e outros impactos ambientais graves, pouca empregabilidade e nada do desenvolvimento prometido. “Estamos lutando para que esse empreendimento não saia”, reforça.
Patrimônio Histórico
A Igreja das Neves é outra grande preocupação. O projeto prevê a construção de um canal que pode chegar a 50 metros da Igreja, nos períodos de cheia do rio, alerta. “A restinga realmente protege a igreja. O canal vai passar a 100 metros e é mais alto que ela. Imagina numa ressaca, que no mar é tudo muito imprevisível, imagina esse paredão arrebentar!”.
Especificamente sobre o templo centenário, há um esforço concentrado da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim para proteger esse patrimônio histórico, que realiza a segunda maior mobilização religiosa do Espírito Santo, atrás apenas das romarias de Nossa Senhora da Penha, em Vila Velha.
Advogado membro da Comissão da Diocese que cuida do Patrimônio Histórico da Igreja Nossa Senhora as Neves, José Irineu conta que a Diocese já se reuniu com o empreendimento e com gestores do município e do governo do Estado para tratar do assunto.
“O empreendimento é importante para o desenvolvimento econômico? É. Mas é importante para os pescadores? Não. É sustentável e tem garantia para o patrimônio histórico? Até agora não vimos nenhuma garantia sobre isso, a empresa não apresentou”, afirma.
A Diocese, relata, ainda aguarda o projeto da macrodrenagem que poderia salvaguardar a Igreja das Neves. “São milhares de hectares planos naquela região, tudo alagado. Ainda existe uma área ali que não é da Diocese, que terão que resolver com o Instituto do Patrimônio Histórico e Geográfico [Iphan], que é demarcada com área de pesquisa arqueológica”, descreve. “Até agora também não vi vontade política para garantir a realocação dos pescadores, para resolver a questão estudantil, de segurança, de saúde…”
José Irineu faz menção ao Portocel, em Barra do Riacho, Aracruz, norte do Estado, criado pela então Aracruz Celulose (ex-Fibria, atual Suzano Papel e Celulose) e com operações iniciadas em 1978. “Quando surgiu o Porto em Aracruz, também foram prometidos milhares de empregos, depois da obra reduziu para poucos. A pesca foi muito impactada. E lá ficaram dezenas de meninas grávidas sem pai. É um problema social seríssimo e que a igreja está preocupada”, diz.
“A Igreja não quer ser empecilho, ela quer que se apresentem projetos para garantir que tudo isso será cuidado. Queremos garantias social, histórica e patrimonial. Nada pode suplantar a vida, é a avaliação da igreja. É muito mais importante que o porto. Enquanto não chegar o projeto da macrodrenagem, não vamos permitir construção, nem que tenhamos que fazer uso da Justiça”.
Entidades
Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH); Oilwatch; REDI ITABAPOANA- Reflorestamento e Ecodesenvolvimento da Bacia Hidrográfica do Rio Itabapoana; Comissão Pastoral da Pesca (CPP); Associação dos Pescadores Artesanais de Porto de Santana (APAPS); Fórum Suape/PE; Baía Viva; CDDH Pedro Reis; Pastorais da Ecologia Integral do Brasil; Associação De Homens E Mulheres Do Mar Da Baía De Guanabara (Ahomar); Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Espírito Santo – Zacimba Gaba; Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); Universidade Estadual Do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf); Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional (Fase/ES); Fórum dos Atingidos pela Indústria de Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da Baía de Guanabara (Fapp – Rio); Federação das Associações de Pescadores Profissionais, Artesanais e Aquicultorres do Espírito Santo (Fapaes).
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greja de Nossa Senhoras das Neves no amanhecer de 5 de agosto. Foto: Vitor Taveira