Audiência pública “Carestia, fome e segurança alimentar e nutricional no Brasil” teve participação de movimentos populares, pesquisadores e parlamentares
Por Janelson Ferreira, na Página do MST
Na tarde desta terça-feira (2), ocorreu na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, em Brasília, DF, a audiência pública “Carestia, fome e segurança alimentar e nutricional no Brasil”. A atividade atendeu a requerimento do deputado Rogério Correia (PT-MG).
Apenas quatro em cada dez famílias brasileiras têm acesso pleno à alimentação e 33 milhões de brasileiros passam fome, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, publicado em junho deste ano. Se comparado aos dados de 2020, houve um crescimento de 7,2% no número de pessoas em algum estado de insegurança alimentar. São 14 milhões a mais de pessoas com fome.
Ao todo, 125 milhões de brasileiros vivem algum nível de insegurança alimentar, sendo 59 milhões em insegurança leve, 31 milhões em insegurança moderada e 33 milhões em insegurança grave.
A pesquisa foi conduzida pela Rede Penssan, formada por pesquisadores em segurança alimentar, e executada pelo Instituto Vox Populi, com apoio de entidades da sociedade civil. Foram ouvidas 12 mil famílias em 577 municípios, de novembro de 2021 a abril de 2022.
“O inquérito vem para dar nome e rosto a estes números” destacou Renato Sérgio Jamil Maluf, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan). “O que o inquérito nos aponta foi que, em um ano, o equivalente à população de São Paulo entrou para o mapa da fome”, apontou Maluf.
O pesquisador também destacou a forma de atuação da Rede, que também demanda de órgãos oficiais a retomada de aferições sobre a fome no país, como já fez no passado. “Nosso papel como rede foi mobilizar o conhecimento para suprir a necessidade de dados oficiais.”
“Como a fome está fazendo 33 milhões de pessoas sofrerem se temos o famoso agro, que diz alimentar 1 bilhão de pessoas no mundo?”, questionou Suzana Prizendt, do movimento Banquetaço e da campanha “Gente é pra brilhar, não para morrer de fome”. Segundo Prizendt, ano passado, o agronegócio produziu o equivalente a 1 tonelada de grãos por habitantes no Brasil. “Acontece que estes grãos, que utilizam nossa água, nosso solo, nossos recursos financeiros, além de não serem alimentos, mas mercadorias que enchem os bolsos de uma minoria, são destinados para o mercado internacional”, explica.
“O império nos impôs a fome, a ditadura nos impôs a fome e, agora, estamos repetindo a tragédia de nossa história, por conta deste governo”, sinalizou Alexandre Conceição, da direção nacional do MST, ao destacar o aspecto estrutural da fome no Brasil. “Sem combater o latifúndio não há o combate efetivo da fome. E o governo que aí está é de natureza latifundiária, por isso o Brasil voltou para o mapa da fome”, apontou o dirigente.
O deputado Rogério Correia, que solicitou a audiência, apontou também a ação e omissão do governo frente ao crescimento da fome. “O momento é grave e o poder público tem o dever de ser agente ativo para construção de políticas de combate à fome de forma mais robusta”, afirma Correia. “Uma das tarefas para acabar com a fome é derrotar o governo Bolsonaro, mas precisamos discutir também o que vamos construir para o futuro”.
Entre as diversas políticas adotadas pelo governo Bolsonaro para contribuir para o aumento da fome, pode-se destacar o desmonte dos estoques de alimentos, que são fundamentais em momentos de inflação e fome.
Em 2013, o país tinha 944 toneladas de arroz estocados, em 2015, mais de 1 milhão de toneladas. Em 2020, eram apenas 22 toneladas, o que não garantia nem uma semana de consumo no país. Atualmente, não existem estoques governamentais de alimentos para contingência, para intervir nos preços nos mercado ou para apoio aos programas sociais.
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é outra política pública que foi desmontada com Bolsonaro. Com o Programa, o governo compra alimentos que são produzidos pela agricultura familiar e destina para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. Entre 2003 e 2015, durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), o PAA adquiriu mais de 4 milhões de toneladas de alimentos. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, foram adquiridas somente 14 mil toneladas, uma queda de 95% se comparada com a quantidade de 2012 (297 mil toneladas). Em 2012, o governo destinou ao PAA R$ 587 milhões, contra os R$ 41,3 milhões de Bolsonaro – valor mais baixo desde 2003 -, apresentando um corte de 93%.
“A fome é um projeto político para estes que estão governando o país agora”, afirmou a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). “Se eles têm um projeto de fome, nós temos um projeto de vida”, destaca.
Fome no Brasil tem gênero, cor, raça e região
O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil apontou que a fome possui um recorte de gênero, cor e raça muito bem delimitado.
Um em cada cinco domicílios chefiados por mulheres está em estado de insegurança alimentar – um aumento de oito pontos percentuais em relação a 2020 – contra um em cada dez domicílios chefiados por homens. Domicílios habitados por pessoas brancas registraram um índice de segurança alimentar de 53%, contra 35% de domicílios habitados por pessoas negras.
No Norte e no Nordeste o índice de pessoas com fome chega a 25% e 21%, respectivamente. Enquanto isso nas regiões Sul e Sudeste, os índices ficam abaixo da média nacional, de 15%.
Parlamentares assinam carta compromisso de combate à fome
No evento, parlamentares que serão candidatos nas próximas eleições assinaram uma Carta, se comprometendo com o direito à alimentação e o combate à insegurança alimentar e nutricional, à fome e à sede. O documento assinala a necessidade dos candidatos encamparem ações legislativas, executivas e mobilizações sociais para concretizar as propostas apresentadas pela Frente Nacional Contra a Fome a Sede.
*Editado por Fernanda Alcântara
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Foto: TV Câmara