Conflitos entre comunidades e empresas de óleo de palma se acirram em territórios indígenas e quilombolas no estado do Pará, maior produtor da commodity no país
Por Bruna Bronoski, em Agência Pública
No dia 27 de junho, José Joaquim Pimenta fez mais uma vez o trajeto de duas horas entre sua casa, no município de Tailândia, no nordeste do Pará, até a Delegacia de Polícia Civil de Acará. O presidente da Associação dos Ribeirinhos e Quilombolas das Comunidades da Balsa, Turi-Açu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará (ARQVA), foi registrar um boletim de ocorrência com denúncias já conhecidas pelos servidores de segurança pública da região.
Quatro quilombolas foram abordados por dois seguranças da empresa Agropalma S.A. às margens do rio Acará, tendo suas redes de pesca levadas, registra o documento. Em outra ocasião, na mesma semana, Pimenta denunciou que oito seguranças tomaram três espingardas, caça e pesca de outros dois pescadores. Nas duas abordagens, os quilombolas foram expulsos e escoltados até o portão de saída da empresa, informados que “ali seria propriedade privada da Agropalma”, empresa que, junto com a Brasil Bio Fuels (BBF), domina a produção do óleo de palma na região nordeste do Pará.
A presença do negócio de óleo de palma em áreas onde comunidades cultivam seus modos de subsistência agudiza ano a ano o conflito instalado há quase duas décadas, quando o Pará foi apontado como a nova fronteira agrícola do dendê pelo governo federal. Documentos obtidos pela Agência Pública revelam que ambas as empresas avançaram sobre terras públicas, onde vivem quilombolas e ribeirinhos.
Setenta e dois por cento das plantações de dendê e agroindústrias da Agropalma no Pará estão sobrepostas a áreas reivindicadas desde 2016 por comunidades quilombolas e ribeirinhas dos dois lados do rio Acará, segundo análises cartográficas das áreas declaradas pela empresa, entre os municípios de Tailândia e Acará. Por decisão judicial, as fazendas Castanheira e Roda de Fogo, à margem direita do rio e em posse da Agropalma, tiveram as matrículas canceladas por se tratarem de terras públicas estaduais. A sentença reconheceu a “falsidade e nulidade de todos os documentos” fundiários das duas fazendas.
Já 75% da área das fazendas de dendê da Brasil BioFuels correspondem ao território reivindicado pelo quilombo Nova Betel, segundo informações declaradas pelo consórcio BioVale, que vendeu a área à BBF, no sistema do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A Agropalma e a BBF ainda proíbem, segundo moradores, atividades de subsistência das comunidades tradicionais, com o argumento de que estas praticam a “degradação ambiental” de suas reservas legais. Utilizam também forte estrutura de monitoramento, com uso de drones, câmeras, segurança armada e barreiras físicas, para manter afastados os moradores.
Segundo levantamento exclusivo do Centro de Documentação Tomás Balduino, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) para a Pública, quatro quilombolas foram assassinados por conflitos de terra na região nos últimos dez anos. Houve ainda registro de outras quatro tentativas de assassinato e 14 ameaças de morte contra quilombolas e indígenas nos municípios de Acará e Tomé-Açu, no mesmo período.
As lavouras de palmeira de dendê, cujo óleo beneficiado do fruto é usado na indústria alimentícia, farmacêutica e na produção de biocombustíveis, têm como compradoras as multinacionais Bunge, Cargill, Kellogg’s, Nestlé, Unilever, entre outras.
Vigiados por câmeras, torre e segurança armada
O mais recente aparato de controle da Agropalma no Vale do Acará é uma torre de monitoramento, instalada em junho na área de litígio, a cerca de 40 metros do rio Acará. Segundo os quilombolas, a torre possui placa solar, sinal de internet e uma câmera para captação de imagem de longo alcance para vigilância das duas margens do rio.
Em janeiro deste ano, também foram cavadas trincheiras com tamanho suficiente para evitar a passagem de veículos às áreas não autorizadas pela Agropalma. Após embates com as comunidades e por ordem judicial, as trincheiras foram desfeitas em abril.
A área reivindicada pelos quilombolas é de 18.203 hectares. No mesmo local, fica sobreposta a área de domínio da Agropalma, com 22.972 hectares. O dendezal está a poucos metros das vilas Gonçalves, Palmares, Balsa, Nossa Senhora da Batalha e Turi-Açu.
Nessa área, o juiz da Vara Agrária da Região de Castanhal determinou a nulidade de 12 títulos de terra expedidos pelo estado do Pará por meio do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), o cancelamento de sete escrituras públicas de compra e venda de áreas ditas da empresa, além do cancelamento de 24 matrículas em cartórios de registros de imóveis dos municípios de Acará e Tailândia, de posse da Agropalma e usados para lavouras e agroindústrias de dendê. A área vendida pelo Iterpa, correspondente às escrituras e matrículas de propriedade da empresa, tinha 13 vezes o tamanho real do imóvel.
É do rio Acará, que corta as terras sob posse da Agropalma, que as cerca de 285 famílias quilombolas e ribeirinhas do entorno sempre tiraram seu sustento. A pesca é uma das principais fontes de alimentação dos moradores.
Se um quilombola pretende acessar um dos três cemitérios da comunidade, o rio Acará ou a floresta, depara-se com o cercamento da área com “chapas”, telas e portões observados por seguranças 24 horas por dia. Um acordo firmado entre a Agropalma e as comunidades em uma audiência de conciliação definiu que os quilombolas só podem entrar na área da Agropalma mediante apresentação de documento de identificação.
“Eles colocaram balsa com guardas armados e não deixam ninguém pescar. É o cercamento do rio, que também é nosso. Já tomaram pescaria inteira nossa, peixes apodreceram”, detalha Pimenta.
A Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE) passou a se inteirar do conflito a partir de uma reclamação protocolada por moradores no plantão do feriado de Finados, em novembro de 2020. Eles denunciaram ter sido proibidos por funcionários da Agropalma de chegar ao cemitério da Vila Nossa Senhora da Batalha, onde foram enterrados entes quilombolas e ribeirinhos por várias gerações. A limpeza dos túmulos e cerimônias daquele Finados não ocorreram.
No último dia 12 de julho, a Defensoria Agrária de Castanhal, núcleo da DPE, esteve na comunidade Vila Gonçalves para ouvir moradores da região. Segundo Joaquim Pimenta, as comunidades quilombolas estão desprotegidas. “A morosidade do Estado para resolver é muito grande, para haver uma tentativa de controle teria que ter uma legalização de território. Tem comunidades aqui que estão lutando há anos por titulação e não conseguem. Agora imagine uma empresa desse tamanho, ela tem capacidade de explorar o tamanho da terra que ela queira”, afirma a liderança.
Reconhecimento atrasado
Em 2016, a Associação dos Ribeirinhos e Quilombolas das Comunidades da Balsa, Turi-Açu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará entrou com processo de reconhecimento do território quilombola no Iterpa. No ano seguinte, a Agropalma também deu entrada em processo para regularizar a área pública que já ocupa e onde planta dendê, apontada pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público do Pará como imóvel parcialmente grilado.
O processo quilombola ficou parado por dois anos, até 2018. O Iterpa, que não disponibiliza todo o processo em formato digital, não informou o paradeiro do processo físico, em papel, entre novembro de 2020 e dezembro de 2021. O “sumiço” foi notificado pela DPE.
Mesmo tendo sido protocolado depois, o pedido da Agropalma andou rapidamente. Só no primeiro ano de tramitação, o Iterpa deu andamento a 18 fases do processo da empresa, contra dois do da comunidade quilombola.
Segundo a defensora pública Andreia Barreto, da Defensoria Agrária de Castanhal, há uma disparidade nas tramitações dos processos da comunidade quilombola. Pela legislação estadual do Pará, as comunidades quilombolas que têm pretensão ao reconhecimento dos territórios têm prioridade. “Estamos questionando que o Iterpa não seguiu os procedimentos da legislação estadual”, diz.
No final de 2021, o Iterpa sinalizou o arquivamento do processo movido pela ARQVA apontando irregularidades formais da associação quilombola que deu entrada no pedido, fato questionado pela DPE como não suficiente para arquivá-lo.
Em fevereiro, a Defensoria Pública Agrária deu prazo de um ano para o estado do Pará concluir o processo de titulação do território quilombola no Vale do Acará. Além do andamento prioritário do processo quilombola, a DPE pediu a suspensão do andamento dos processos de reivindicação da área da Agropalma.
Em resposta, o Iterpa declarou que a exigência é “complexa e inédita” e que não pode ser atendida. O procurador autárquico do Iterpa, Raimundo Nonato Rodrigues Barros, argumentou que o processo “requer minuciosa apuração técnica que muito provavelmente extrapola as próprias prerrogativa e competência da autarquia fundiária”. O Iterpa não respondeu diretamente aos questionamentos da reportagem.
Disputa de narrativa
Por sua vez, a Agropalma não só se defende das reivindicações das comunidades como ataca judicialmente. Em fevereiro deste ano, pediu reforço da Polícia Militar do Pará para “evitar uma tragédia anunciada”, afirmando ter sua área de reserva legal invadida por ribeirinhos, que estariam “praticando atividade criminosa contra o meio ambiente”, ao caçar e pescar no local.
De acordo com a legislação, a reserva legal é uma área do imóvel rural de proteção da cobertura vegetal natural a fim de manter o equilíbrio ecológico, mas que permite manejo do proprietário. A empresa, que afirma ter a “posse legítima” das áreas mesmo após o cancelamento das matrículas pela Justiça, que entendeu se tratar de terras públicas, pede a saída dos quilombolas.
O juiz Arielson Ribeiro Lima, da Vara Cível e Criminal da Comarca de Tailândia, acatou o pedido da Agropalma. Dois dias depois, teve sua decisão revogada em segunda instância.
Também há uma ação de reintegração de posse em que as comunidades quilombolas são rés e a Agropalma, autora do processo. Segundo o advogado da empresa, os quilombolas “invadem a área de reserva legal da Agropalma, realizando queimadas e degradação ambiental”.
A Terra de Direitos, organização de direitos humanos que acompanha o caso, considera que os acordos com a Justiça têm prejudicado as comunidades. “Eles têm um histórico de luta e, de repente, têm que dispor de documentos para entrar num território que eles sabem que originalmente é deles. É uma violação sem tamanho”, afirma a assessora jurídica da organização, Selma Corrêa. Segundo a advogada, os acordos acabam cedendo direitos à empresa, mesmo sem uma definição fundiária. Ela defende que o prazo estipulado pela DPE para titulação do território tem plena condição de ser cumprido.
O coordenador executivo da região Norte da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), José Carlos Galiza, critica o descumprimento de ordens judiciais pela Agropalma. “Mesmo com liminares em favor da comunidade, a empresa não cumpre as determinações”, pontua.
Galiza se refere, entre outros casos, às poucas decisões judiciais que atendem aos pedidos dos quilombolas. A Agropalma, por exemplo, não retirou suas atividades das áreas depois do cancelamento das matrículas de imóveis. Cabe recurso contra a sentença.
A Agropalma respondeu em nota que a empresa “ocupa legitimamente todas as suas áreas”, tendo entrado com pedido de regularização dos imóveis tão logo soube das “inconsistências na documentação dos registros imobiliários”. Ainda citou que “não há porque se falar em retirada da área em virtude do cancelamento [das matrículas], já que a Agropalma é a legítima possuidora há 40 anos”.
Sobre a instalação da torre, a Agropalma confirmou que sua função é de fiscalização de toda a área em sua posse, a fim de “garantir a segurança da região”. A íntegra da nota enviada pela empresa pode ser lida aqui.
Uso de drone e arma de fogo
A 94 quilômetros de Acará, a comunidade quilombola Nova Betel, no distrito Quatro Bocas, no município de Tomé-Açu, igualmente reivindica o território quilombola ante as pressões do dendê. Apesar de a comunidade já ter sido certificada pela Fundação Palmares, o processo para reconhecimento do território tramita no Incra desde 2017. A primeira visita de vistoria do órgão federal na área deve ocorrer só agora, cinco anos depois, na segunda semana de agosto.
Com base na análise de sobreposição do território reivindicado pelos quilombolas e do histórico de declaração da BBF no CAR, é possível observar que 75% dos 1.870 hectares dos quais os quilombolas pedem reconhecimento como território tradicional já estão tomados por palmeiras de dendê.
Segundo relatos de um morador da comunidade Nova Betel que preferiu não se identificar, a vigilância da empresa sobre o território é constante por terra e pelo ar. “A gente viu drones sobrevoando aqui até o mês de junho.” Na área, vivem 40 famílias quilombolas e 20 famílias não quilombolas.
A BBF comprou a Biopalma da Amazônia S.A. em 2020, empresa que começou as atividades de plantio em Tomé-Açu em 2008. Antes da compra, havia um consórcio entre a Biopalma e a brasileira Vale S.A., chamado BioVale, uma vez que há outros interesses econômicos na área do território, como a mineração. Reportagem da Repórter Brasil mostra que o óleo de palma da BBF gerará biodiesel para a empresa que responde por 70% do mercado de aviação nacional.
De acordo com o quilombola que falou à Pública, a situação “piorou muito” depois que a BBF entrou no negócio. “Quando era Biopalma, BioVale, tinha algum consentimento, eles até enrolavam a gente. Mas, quando veio a BBF, vieram com ameaça. É uma empresa diferente, um diálogo ruim”, conta.
A comunidade denuncia à reportagem o incêndio de duas casas usadas para armazenar ferramentas coletivas para roça de subsistência. “Eles chegaram a queimar duas casas de uso nossas. Eles nos proibiram de plantar. Diziam: ‘Não é para plantar aí, senão vamos denunciar para o Ibama, para a Semas [Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade]. Nós vimos dois carros da empresa perto das casas, aqui dentro só tinha carro deles transitando.”
O argumento usado pela BBF aos moradores para a “proibição de plantio” é que a área corresponderia à reserva legal da empresa, o mesmo usado pela Agropalma para impedir atividades quilombolas em Acará. Um inquérito civil corre desde 2018 para apurar o impacto da dendeicultura no “modo de vida espacial e territorial” da comunidade.
A tensão na área de conflito é iminente. “Como a comunidade nossa fica dentro da empresa, eles [seguranças] ficam nos vigiando, fortemente armados, ficam no meio do nosso caminho. Eles ficam com medo de nós e nós com medo deles”, conta o quilombola.
Os impactos do dendê sobre as comunidades tradicionais são tema de pesquisa de Elielson Pereira da Silva, doutor em ciências e desenvolvimento socioambiental e professor da Universidade Federal do Pará (Ufpa). Silva compara os conflitos vividos por populações na região do Pará, estado que mais produz óleo de palma no Brasil, e a Colômbia, maior produtor latino-americano. O Brasil está na nona posição na produção de dendê no continente.
De acordo com Silva, a presença dessas empresas no quintal das comunidades tradicionais têm efeitos agressivos à sua sobrevivência. “A gente vem chamando essa situação de guerra ecológica, quando você tenta aniquilar todas as possibilidades de existência do outro. O que a gente vê aqui é uma tentativa de aniquilamento total, em que a fragilidade do reconhecimento jurídico formal é só o começo”, adverte.
Dendeicultura em território indígena
Não são só os quilombolas os afetados pela presença do dendê nos pelo menos últimos 12 anos de plantio ininterrupto em Tomé-Açu. Perto cerca de 25 quilômetros da comunidade Nova Betel, a Terra Indígena (TI) Tembé ocupa 1.075 hectares e também convive com os problemas causados pela palma.
A liderança indígena Marquês Tembé afirma que o monocultivo já começou com várias irregularidades. “Chegou aqui sem nenhum estudo de componente indígena, quilombola, ribeirinho, antropológico, não respeitou a Convenção 169 [OIT], que precisa de uma zona de amortecimento perto desses territórios em projetos de agronegócio”, diz.
Doze anos depois, a violência continua. “A BBF usa seguranças para intimidar esses povos, parando e humilhando lideranças, atirando para cima, fazendo as pessoas ficarem no chão. No dia 1º de junho, uns seis seguranças pararam um grupo e fizeram eles abaixarem, perto das comunidades ribeirinhas”, relata Tembé. Ainda segundo ele, há lideranças indígenas ameaçadas de morte por denunciarem atos de violência ao Ministério Público. “Quem denuncia não consegue viver tranquilamente com medo da BBF.”
Para Tembé, a monocultura dentro de seu território desconfigurou o modo de vida indígena. “As comunidades já estavam vendendo o próprio dendê plantado dentro do território para sua sobrevivência, pois já não conseguem pescar e caçar. E a empresa acusa as comunidades de roubar o dendê que eles plantaram dentro do nosso território.”
O Ministério Público Federal (MPF) tem um inquérito civil aberto para apurar a existência de impactos ambientais sobre a TI Tembé, assim como eventuais ofensas aos seus direitos territoriais.
Também em Tomé-Açu, a TI Turé-Mariquita foi supostamente alvo de contaminação por agrotóxicos de dendezais da empresa Biopalma da Amazônia S.A. Na ocasião, o MPF requereu exames na população da TI para averiguar possíveis “danos à saúde dos indígenas e impactos socioambientais”. O requerimento, iniciado em 2014 pelo MPF, foi arquivado em 5 de julho deste ano, tendo sido a perícia negada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília (DF).
A Pública entrou em contato com a BBF, que preferiu responder aos questionamentos por meio de nota. Segundo a empresa, as declarações de uso de arma de fogo, incêndio provocado e ameaças contra a vida de moradores das comunidades tradicionais não procedem. A empresa afirmou que possui código de conduta e que treina funcionários para “não cometer qualquer ato de violência”. Ao contrário, a BBF afirma ser vítima de ataques ao seu patrimônio “promovidos por invasores oriundos das comunidades indígenas e quilombolas”.
A nota ainda informou que a empresa utiliza equipamentos do tipo veículo aéreo não tripulado (VANT) para sobrevoar as áreas de sua posse, não áreas de comunidades tradicionais, a fim de impedir “crimes ambientais em duas áreas de reserva legal e de preservação permanente”. A BBF nega que haja sobreposição de áreas com territórios tradicionais.
A Amazônia do mercado internacional
“Somos a maior produtora de óleo de palma sustentável das Américas.” Com este slogan, a Agropalma S.A. apresenta os números de sua grandeza em seu site oficial. São 107 mil hectares de terras informados para a produção da commodity e parceiros comerciais nos Estados Unidos, Canadá e Alemanha.
A Política de Responsabilidade Socioambiental Corporativa da Agropalma afirma que “a empresa respeita o direito das comunidades tradicionais e povos indígenas às suas terras e não ocupa essas áreas”. O documento ainda descreve que as fazendas “foram compradas de agentes privados, a preço de mercado e em conformidade com a legislação brasileira”. No entanto, no entendimento do Ministério Público do Pará, autor da ação, a Agropalma se valeu de “fraudes concretizadas através de esquema de grilagem de terras”.
Já a BBF expõe em seu Relatório de Sustentabilidade que promove ações de contrapartida nas comunidades indígenas e quilombolas com as quais a empresa tem contato.
O uso indevido de terras públicas se dissipou pela região nordeste paraense para além das regiões do Acará, Tailândia e Tomé-Açu abordadas na reportagem, afirma a economista Auristela Corrêa de Castro, especialista em gestão pública. Auristela investiga os impactos da dendeicultura na região do baixo Tocantins, no município de Moju (PA), considerado o “berço do dendê”.
Para a economista, a apropriação de terras da Amazônia por grandes empresas atende a um interesse internacional, fenômeno conhecido como “land grabbing”, com a tomada de terras que por vezes se vale de violência e práticas ilícitas, como a grilagem, para implantar um negócio agrário de capital global.
“Qual o conceito-chave em que foi incentivada a produção do óleo de palma? É o ‘desenvolvimento sustentável’, já que este óleo é extraído de plantas, e não do petróleo. Mas não é porque o óleo não é poluente que a produção é limpa. Os impactos que ele causa no meio ambiente não são sustentáveis”, diz.
Procurada pela Pública, a norte-americana Bunge respondeu que, desde 2020, desfez o vínculo com a BBF em sua cadeia de fornecimento e que não pretende retomar a relação comercial. Sobre a Agropalma, que fornece matéria-prima diretamente à Bunge, a multinacional informou que monitora os casos relatados pela reportagem para tomar medidas.
A suíça Nestlé e a britânica Unilever, que mantêm relações comerciais apenas com a Agropalma, informaram em nota que estão acompanhando de perto os desdobramentos da situação.
Já a Cargill, cliente da Agropalma e BBF, informou que gerencia ações de mitigação dos problemas do processo produtivo das empresas e que, em caso de não cumprimento do cronograma de ações por parte destas, pode removê-las de sua cadeia de suprimentos.
A multinacional Kellogg’s não respondeu aos contatos da reportagem. Todas as notas enviadas à Pública podem ser lidas na íntegra aqui.
**Esta entrevista faz parte do especial Emergência Climática, que investiga as violações socioambientais decorrentes das atividades emissoras de carbono – da pecuária à geração de energia. A cobertura completa está no site do projeto.
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Delimitação das terras pertencentes à Agropalma (ARQVA)