No TaquiPraTi
Se tivesse seu título de eleitor registrado no Amazonas, o escritor peruano Vargas Llosa não votaria de forma alguma em Israel Tuyuka, candidato a governador pelo PSOL. Seguiria certamente os princípios que defendeu em artigo no jornal espanhol El País e atuaria como cabo eleitoral do coisificado Wilson Lima (UB vixe, vixe), que tenta a reeleição. As razões para isso foram enfatizadas em palestra no Uruguai, em maio último, quando manifestou simpatia pelo Coiso e declarou que “jamais votaria em Lula”.
Quem é Vargas Llosa? Esse escritor talentoso, 86 anos, prêmio Nobel da Literatura, nos encantou com dezenas de livros. Sabe prender o leitor e contar uma história, ora através de um narrador onisciente que vê tudo, ora através dos próprios personagens, que têm visão limitada pelo lugar que ocupam na narrativa. Li seus contos e romances, uns considerados muito bons, outros, nem tanto, entre eles La guerra del fin del mundo (1981), que recria a revolta de Canudos, inspirado em “Os Sertões” de Euclides da Cunha.
Sua visão sobre a Amazônia peruana aparece em dois romances: El hablador (1987) e Pantaleón y las visitadores (1973). O primeiro é envolvente. O segundo, com altos e baixos, apresenta um humor “direto e espontâneo” – diz ele se autoelogiando – mas na realidade pode ser avaliado como de qualidade duvidosa, embora exista leitor que consegue rir de seus preconceitos sobre a Amazônia, as mulheres e a prostituição, camuflados nas entrelinhas. Que o diga o capitão.
O capitão é o personagem Pantaleón enviado pelo Exército peruano a Iquitos, com a missão secreta de selecionar e alistar prostitutas para satisfazer o apetite sexual das tropas peruanas ali aquarteladas às margens do rio Amazonas. Abandonado pela esposa, ele se apaixona por uma prostituta brasileira. O escândalo explode quando um radialista dá a conhecer a existência do prostíbulo militar. Os generais tiram o loló da seringa e responsabilizam o capitão, ocultando que ele cumpria ordens superiores.
Lápide política
E qual o papel de Vargas Llosa nas eleições do Brasil? Ele serve de indicador aos Institutos de Pesquisa. Candidato a presidente da República do Peru, em 1990, o escritor obteve 37% dos votos contra 63% dados a Alberto Fujimori. Depois disso, todos os candidatos de direita que ele apoiou na América Latina foram derrotados: o pinochetista José Kast no Chile, o empresário Rodolfo Hernández na Colômbia, o dono da fábrica automotiva SEVEL Alberto Macri, na Argentina. Sua fama de pé frio supera a de Mick Jagger.
Há três meses, em Montevidéu, Llosa havia manifestado apoio decidido ao Coiso. Agora, no domingo (14), em entrevista à Folha SP, peitado pelo jornalista Marco Almeida sobre se ainda mantinha tal preferência, declarou não ter “muita simpatia por Bolsonaro”, responsável por “uma verdadeira catástrofe no Brasil” com sua posição negativista sobre as vacinas, além de ter “certa vocação pela palhaçada”. Mas disse que “realmente jamais votaria em Lula, um homem que corrompeu profundamente”.
– Mas os processos contra Lula foram anulados – ponderou o jornalista.
– Sim, mas foram por questões técnicas […] Torço para que não elejam de novo Lula, pois ele está muito associado à corrupção.
A fala de Vargas Llosa é inconsistente. Ele deixou de lado a mágoa pessoal para apoiar, vinte anos depois, Keiko Fujimori, filha do seu opositor, acusada de receber US$ 1,2 milhão da Odebrecht e com quatro pedidos de prisão por tentar subornar juízes. Seu candidato na Colômbia, Hernández, tinha 34 processos em aberto. A empresa do argentino Macri foi processada por contrabando, o chileno Kast foi acusado de fraude fiscal. Llosa não mencionou “razões técnicas” para o não julgamento do Coiso e dos três Zeros acusados de “rajaditas”.
Suposto índio
Parece até que existe o Índice Eleitoral Vargas Llosa (IEVL). Seu apoio a qualquer candidato é “a maior lápide política”, diz um sociólogo espanhol. Por isso, ele foi chamado de “Vargas Loser” pelo colunista da FSP, Sérgio Rodrigues. A questão, porém, é outra. Perder não é desonra. Darcy Ribeiro já dizia preferir a derrota defendendo uma causa justa do que compartilhar a vitória com o outro lado. O trágico mesmo é perder do lado errado como ocorreu na Bolívia.
No seu artigo “Raza, botas y nacionalismo” (El País 15/01/2006), Vargas Llosa, depois de defender a candidatura a presidente da Bolívia do direitista Tuto Quiroga, diretor do Banco Mercantil, desqualifica Evo Morales, que ganhou a eleição:
– O sr. Evo Morales não é um índio propriamente dito, embora tenha nascido em uma família indígena muito pobre e fosse pastor de lhamas. Basta ouvi-lo falar seu bom castelhano – afirmou o escritor. É difícil imaginar que um prêmio Nobel da Literatura seja capaz de escrever tamanha asneira, sem querer com isso ofender os asnos. Ele não define o que é “índio propriamente dito” ou “suposto índio”, tratamento que dá a Evo.
Dessa forma, quem jamais ganharia o voto do escritor é Israel Tuyuka Fontes Dutra, o Põrõ, de 48 anos, que fala um português impecável, além das línguas Tuyuka e Tukano, adquiridas na comunidade Mercês, onde nasceu e viveu, no igarapé Cabari, rio Tiquié, no Alto Rio Negro. Ex-seminarista salesiano, tem vários diplomas universitários: licenciatura em matemática (UFAM) e filosofia (PUC-Bsb), mestrado em geografia humana (USP) e em Ciências Sociais (PUC-SP). O último foi em medicina (UEA).
Casado com a enfermeira Maria Leonilda, pai de um menino de 14 anos e de uma menina de 2 anos, Põrõ herdou os conhecimentos médicos dos Kumuã (pajés) – seu pai era um deles – e se apropriou dos saberes da medicina ocidental contemporânea, incorporando as ciências humanas no trato com os pacientes. Colou grau como médico em abril de 2020 e no mesmo dia, às 19h00, já estava dando seu primeiro plantão na UPA do Tarumã, atendendo pacientes com covid-19.
Llosa se jodió
Na última segunda (15), Israel Tuyuka registrou sua candidatura a governador do Amazonas no TSE e declarou não possuir bens. Não houve evolução patrimonial desde 2004, quando foi candidato a vice-prefeito de São Gabriel da Cachoeira (AM) pelo PT. Portanto, está fora do radar de Vargas Loser, cujo apoio é direcionado aos possuidores de grandes fortunas. Seu discurso deixou minhas irmãs fulas da vida, algumas delas já declararam o voto em Israel.
Nas eleições no Amazonas, Vargas Llosa votaria no coisificado Wilson Lima que se enquadra no perfil de seus candidatos: foi ele que comprou ventiladores hospitalares a uma adega de vinhos com sobrepreço de 133,67% e foi acusado de crime de improbidade. Seu destino – esperamos – será o mesmo de todos os abraçados por Vargas Loser.
Escritores de talento têm, em geral, consciência política e orientam seus leitores para rejeitarem a iniquidade e a injustiça. Mas existem desonrosas exceções. Vargas Llosa é uma delas. Data vênia, ele é politicamente um inepto.
O jornalista Santiago, personagem do romance Conversación en la Catedral, de Vargas Llosa, logo no primeiro parágrafo pergunta “En qué momento se jodió el Perú” para discutir em 600 páginas o destino trágico do país. Considerando o pé frio do escritor em seu apoio a candidaturas de extrema direita, felizmente derrotadas, redirecionamos a ele a pergunta: “En qué momento se jodió Vargas Llosa?”.
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P.S. Não gosto de fofoca não (aqui pra nós, é mentira, nós do bairro de Aparecida, adoramos), por isso não comentei o último casamento de Vargas Llosa que, aos 79 anos, se separou da segunda mulher, sua prima Patrícia Llosa. para se casar com Isabel Preysler, 64 anos, ex-mulher do cantor Júlio Iglesias. Nem mencionei o soco que ele deu no seu amigo Gabriel Garcia Márquez num evento público no México, por ciúme e por distâncias ideológicas e políticas, segundo Angel Esteban e Ana Gallegos da Universidad de Granada no livro “De Gabo a Mário”.
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