Ameaças, indefinição e angústia: qual será o destino de 584 famílias da ocupação Povo Sem Medo?

Famílias têm até sábado (27) para sair da área localizada em Curitiba, no Paraná

Pedro Carrano, Brasil de Fato

As 584 famílias da ocupação Povo Sem Medo, localizada em Curitiba (PR), continuam vivendo dias de ameaças, indefinições e angústias.

Por decisão da 24ª Vara Civil de Curitiba, os ocupantes devem deixar a área, onde estão há cerca de três meses, até o dia 27 de agosto (sábado).

Estão instalados em propriedade pertencente à Construtora Piemonte, abandonada há cerca de 30 anos, no bairro Campo de Santana, na periferia extrema de Curitiba.

O poder público teria obrigação de apresentar um programa de realocação e encaminhamento para todas as famílias, mas até agora os relatos apontam que apenas a Polícia Militar, por meio da Rondas Ostensivas de Natureza Especial (Rone) tem pressionado, com abordagens individuais, os moradores em suas casas, ao longo dessa semana. Tanto a Fundação de Ação Social (FAS) como a Cohab não procuraram ainda a direção da ocupação.

Com receio de novos protestos, inclusive, a Cohab na manhã desta quarta-feira (24), conta com contingente da guarda municipal na frente da sede, localizada no centro.

Articulação nacional

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (Alep), que tem o deputado Tadeu Veneri (PT) como presidente, informa que encaminhou ofício ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que se evite o despejo forçado das famílias. Na terça-feira (23), o deputado estadual Goura (PDT) também esteve presente na ocupação.

O ofício enfatiza que se leve em conta a  Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, mecanismo com o qual o Judiciário justificou não haver despejos de ocupações feitas no grave período de crise sanitária e social, durante a pandemia.

Recentemente, a pressão de entidades e movimentos sociais em todo o país, com atos nacionais em março, abril e junho, garantiu a prorrogação de nenhum despejo forçado até o dia 31 de outubro.

O movimento que dirige a Povo Sem Medo, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), aguarda sinalização de Barroso, do STF, e orienta as famílias a permanecerem no local, apontando resistência na ocupação. A ocupação tem recebido apoio de entidades e organizações, como é o caso da articulação Despejo Zero no Paraná, do MST, do MTD e outras organizações.

Moradores

O local está organizado após quase três meses de ocupação, dividida por setores. A reportagem pôde conhecer algumas das nove cozinhas comunitárias organizadas pelos moradores.

Uma passada pela ocupação mostra que a Povo Sem Medo é formada por trabalhadores, migrantes, pessoas desempregadas. A maioria já carregou fogões e outros pertences e está instalada em definitivo naquele chão. Não querem sair dali. Tampouco têm para onde ir.

O cotidiano é de trabalho e construção local, mostrando a disposição das pessoas para viver ali. Por outro lado, fica gritante a impossibilidade de pagamento do aluguel no relato de pelo menos quatro famílias entrevistadas pela reportagem.

Ginez (a reportagem optou por não divulgar nomes completos) é venezuelana, do departamento de Bolívar, e aportou com cinco dos seis filhos no Brasil.

Ela já havia tentado a vida em outra ocupação, mas resolveu se mudar para a Povo Sem Medo. O genro é padeiro e trabalha, mas o marido e o restante da família vive do que ela chama de “diárias” na construção civil. Tem um casal de netos gêmeos recém-nascidos que repousam no interior do barraco. “O trabalho não está bem, meu marido não pode trabalhar igual a um jovem. E pagar um aluguel caro. Aqui no Brasil as coisas estão muito caras”, lamenta.

Prestativos e abertos ao diálogo, os moradores se aproximam. Oferecem as pequenas varandas diante dos barracos. Cláudia afirma para a reportagem que não tem onde ficar. Ela é trabalhadora coletora de material reciclável e também buscou a ocupação devido à impossibilidade de pagar aluguel. “Fiz cirurgia de câncer em dezembro, o que mudou o ritmo do meu corpo e dificultou o meu trabalho”, comenta.

Fila da Cohab

O local da cozinha aglutina moradores voluntários, mães, filhos, com ar de preocupação com o futuro incerto.

Marilza e a filha, Maiara, comentam que estão na fila da Cohab há quatorze anos. Maiara trabalha em escola da região como terceirizada na área de limpeza. Recebe pouco, e afirma que não pretende sair do local. “(Só sairíamos) se der uma casa, aí aceitaríamos porque precisamos de casa e precisamos sair do aluguel, que eu não aguento mais”, comenta Maiara.

Poder público

A reportagem do Brasil de Fato Paraná aguarda resposta da Cohab de Curitiba sobre se há um plano de realocação das famílias e previsão de diálogo com a direção da ocupação.

Edição: Lia Bianchini

Imagem: Uma passada pela ocupação mostra que a Povo Sem Medo é conformada por trabalhadores, migrantes, pessoas desempregadas – Pedro Carrano

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