Desigualdade de renda no país cai entre 1984 e 2014, quando volta a crescer

Elton Alisson, Agência FAPESP

Desde o início da redemocratização no Brasil, em 1984, até 2014, o país passou por um processo sustentado de inclusão social, evidenciado pelo crescimento maior da renda da população mais pobre em comparação com a dos mais ricos em razão de fatores como a elevação dos salários e do gasto em políticas públicas voltadas à população mais vulnerável.

Essa trajetória de queda consistente da desigualdade de renda no Brasil foi interrompida e começou a mudar radicalmente a partir de 2015, quando se iniciou uma enorme crise no mercado de trabalho no país. Nesse novo cenário, os mais pobres têm sido os maiores prejudicados pelo declínio acentuado do emprego e dos salários combinado com a falta de políticas sociais voltadas a protegê-los e cortes severos nos programas sociais.

As conclusões são de um estudo conduzido por pesquisadores do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.

Alguns resultados preliminares do trabalho foram apresentados por Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e pesquisadora do CEM, em palestra proferida durante a Escola FAPESP 60 anos: Humanidades, Ciências Sociais e Artes. O evento aconteceu entre os dias 21 e 24 de agosto em Itatiba, no interior de São Paulo.

“A partir de 2014 os governos começaram a reduzir o gasto com programas sociais elaborados no período anterior para proteger os mais pobres e, desde 2015, com o começo da crise no mercado de trabalho, o desemprego dobrou no Brasil”, disse Arretche.

“Nesse cenário, em que o desemprego e a pobreza cresceram e a proteção social caiu, os mais pobres foram os maiores perdedores”, afirmou.

De acordo com a pesquisadora, essa parcela da população brasileira, com renda per capita inferior a um salário mínimo, chegou a perder quase 40% dos rendimentos a partir de 2015, enquanto os mais ricos, com renda per capita a partir de dois salários mínimos, perderam bem menos.

Os maiores prejudicados entre os mais pobres na atual crise do trabalho têm sido especialmente famílias de jovens, com filhos e que não recebem nenhum tipo de auxílio da Previdência Social, como a aposentadoria por idade, por tempo de trabalho ou o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Isso porque os gastos públicos com a previdência dos mais pobres e com o BPC estão vinculados ao salário mínimo e foram os únicos que aumentaram desde o início da crise do mercado de trabalho no país, em 2015, enquanto as concessões de seguro-desemprego e do Bolsa Família – renomeado Auxílio Brasil no governo Bolsonaro – vêm caindo. Dessa forma, os benefícios da Previdência Social passaram a ser as principais fontes de auxílio aos mais pobres no país, apontou Arretche.

“A redução da pobreza no Brasil tem sido ancorada pela previdência dos mais pobres, pois quando as pessoas saem do mercado do trabalho terão uma renda garantida de pelo menos um salário mínimo, tendo contribuído ou não”, disse.

Desenho de políticas

Na avaliação da pesquisadora, uma das razões pelas quais o gasto com a previdência vem crescendo e o com o Bolsa Família e o seguro- desemprego vem caindo é que esses dois últimos benefícios estão sob total controle do Executivo e não dependem de aprovação do Congresso para passar por mudanças. Dessa forma, são mais vulneráveis à contenção de recursos, conforme indicam os resultados de um estudo, ainda não publicado, que está finalizado em colaboração com outros pesquisadores.

“Embora seja muito popular, o Bolsa Família [atual Auxílio Brasil] é um programa vulnerável a cortes no orçamento porque as mudanças podem ser feitas de modo invisível, uma vez que não estão condicionadas à aprovação do Congresso”, afirmou Arretche.

Em contrapartida, mudanças na previdência têm de ser submetidas à aprovação do Congresso e são extremamente impopulares, ponderou a pesquisadora.

“Ocorreram tentativas recentes de acabar com o BPC e reduzir a vinculação da aposentadoria ao salário mínimo. Só que isso tem que passar pelo Congresso e os parlamentares não vão querer deixar suas digitais nessas decisões”, diz a pesquisadora.

Nesse sentido, embora a democracia seja uma condição necessária para que os pobres tenham mais importância na disputa política, o desenho das políticas é crucial para a sobrevivência dos programas sociais, sublinhou Arretche.

“A competição política é, de fato, um impulsionador da melhora das condições de vida dos mais pobres. Estamos vendo isso na atual campanha eleitoral. Mas o desenho das políticas é tão estratégico quanto”, disse.

“Por isso que, no Brasil, todo mundo corre para pendurar sua política na Constituição. Porque isso é uma forma de proteger seus excluídos de preferência”, avaliou.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Foto: http://bit.ly/H6RCcB

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