Em vídeo, jovem negro é morto por PM e testemunhas comemoram

Newsletter da Ponte, por Jessica Santos

Independência pra quem? Para além de toda revisão dos mitos heroicos do 7 de setembro, esta pergunta me vem à mente ao ver e ouvir relatos de colegas jornalistas que cobriram os atos bolsonaristas no Bicentenário da Independência.

“Duas bolsonaristas deliberaram sobre nossa postura neutra diante dos discursos pró-Bolsonaro. Não estávamos identificadas, não podemos”, relatou nas redes sociais a repórter da CBN, Victoria Abel, a experiência vivida com sua colega, Juliana Arreguy, do UOL. Dentro da Ponte, a sensação foi a mesma para nossa repórter Jennifer Mendonça. “Ter que esconder meu crachá de jornalista e só me identificar como jornalista quando abordo alguém para entrevistar não deveria ser normal”, postou nas redes sociais.

Em um Estado Democrático pleno, identificar-se como jornalista durante uma manifestação de qualquer corrente política não deveria ser um temor para os profissionais da imprensa, seja de qual veículo for. “Cobrir um ato [da extrema-direita] é um risco”, comentou Jennifer na reunião de pauta que fazemos todos os dias pela manhã. “A gente não sabe como vão reagir”.

Sempre foi difícil fazer jornalismo no Brasil, mas o bolsonarismo tem transformado quem o critica e revela o que está escondido – um dos papéis do jornalismo – em seus inimigos mais ferrenhos. E quando o Chefe de Estado e de Governo, messias de plantão de um grupo alucinado, ataca os profissionais da imprensa com mais frequência do que cumpre seu trabalho, um alerta precisa soar ainda mais forte de que a liberdade de imprensa vai sendo minada por quem deveria constitucionalmente defender.

O clima no protesto, de acordo com o fotojornalista da Ponte, Daniel Arroyo, era de vigilância com a imprensa – quando não ataques a veículos de comunicação em cartazes e palavras de ordem. Se você parecesse não se encaixar naquele universo mental, se não seguisse a manada, já era visto com desconfiança. “Você está sempre sendo medido, sempre sendo olhado. Você olha a pessoa está e ela está te olhando. Você continua andando e volta a olhar, os caras vão te seguindo pelo olhar. E não é uma vez apenas que acontece, mas diversas.  É sempre uma vigia”. Ele conta que um homem o abordou perguntando para quem ele estava tirando fotos. Buscando se proteger, ele disse que era freelancer e arrematou: “por que [a pergunta]? Não posso tirar foto?”. O rapaz deu a desculpa que queria saber para que pudesse pegar fotos posteriormente.

O relato de sua colega de Ponte reforça a impressão da vigilância com o trabalho da imprensa, “Tinha olhares estranhos pelo fato de eu não estar caracterizada como a maioria dos manifestantes. Eu estava de camisa xadrez azul, blusa cinza e não esboçava reação quanto ao que as pessoas dos trios elétricos falavam, então pareceu gerar desconfiança pra quem estava ali”, conta Jennifer.

Para ela, “ficar infiltrado para fazer o trabalho virou a principal tática de segurança para trabalhar, o que é absurdo. Se antes o crachá dava respaldo para estar nos lugares, agora virou alvo”. Em um meio hostil, é preciso desenvolver técnicas para a sobrevivência do trabalho jornalístico. Houve repórteres que apenas fizeram fotos, sem entrevistar ninguém naquele ato. Nossa repórter escolheu ser cuidadosa na escolha de quem entrevistaria e nas perguntas que faria. “Eu não fiz questões muito incisivas ou contrapontos, tentei me centrar em ouvir os motivos pelos quais fizeram a pessoa estar ali naquele ato. Pelo clima de ataques à imprensa, falas e cartazes golpistas e de questionamento da lisura das eleições, vi que não teria espaço para perguntar”.

Quem estava muito à vontade naquele ambiente era a PM. “Muita selfie, muita conversa, muita posição de descanso, sabe?”, conta Daniel Arroyo. “Coisa que a gente não vê tem manifestação de esquerda. É eles contra os demais. [Em protestos da direita], é  algo mais “é tudo nosso”. Essa é uma sensação muito forte que tive.

O cartaz da foto acima prova esse sentimento anti bolsonarista que busco transmitir a você. A intenção é clara e tem sido executada de forma contumaz: acabar com o jornalismo livre, crítico e independente. Acabar com o contraponto, com o debate. Diante desses ataques, veículos como a Ponte, e outros que não possuem somas vultosas para se defender, precisam dos leitores e das pessoas que acreditam na necessidade do jornalismo em um país que queira se dizer um Estado Democrático de Direito.

Em um momento no qual a segurança de repórteres e o trabalho jornalístico está em risco, você é essencial para que sigamos adiante, podendo mostrar com impactos reais de nossas reportagens, mesmo nesses tempos sombrios.

Jessica Santos
editora de relacionamento

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