Governo Bolsonaro representa retrocesso ao cooperativismo no Brasil

Nestas eleições, as cooperativas do MST ganharam mais evidência entre o público em geral após o Presidente Lula destacar a relevância da produção das famílias assentadas

Por Janelson Ferreira, na Página do MST

Durante a pandemia, a partir da produção de seus territórios, o MST doou mais de 7 mil toneladas de alimentos, 10 mil cestas básicas e 2 milhões de marmitas solidárias. Além disso, formou 2 mil agentes populares de saúde, produziu e distribuiu mais de 50 mil máscaras de proteção.

Alcançar estes números só foi possível, em boa parte, devido a luta do Movimento para constituir, em seus 38 anos de existência, instrumentos que organizem e potencializem a produção das famílias Sem Terra. Ao longo deste período, o Movimento constituiu 1.900 associações, 160 cooperativas e 120 agroindústrias. E, nestas eleições, as cooperativas do MST ganharam ainda mais evidência entre o público em geral após o Presidente Lula destacar a relevância da produção das famílias assentadas.

Francisco Dal Chiavon, dirigente do MST e Presidente da União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias (UNICOPAS), explica que a cooperação e o cooperativismo estão presentes no Movimento desde sua origem. “Quando o MST surgiu, conhecíamos apenas o cooperativismo tradicional, impulsionado pela ditadura militar. Isto nos levou a buscar novas formas de se constituir estes instrumentos”, lembra Dal Chiavon.

“A cooperação é mais ampla que o cooperativismo. Este é apenas um instrumento jurídico, enquanto que a cooperação diz respeito a forma como nos organizamos e lutamos”, ressalta o dirigente. “Durante a pandemia de covid-19, o MST fez inúmeras iniciativas por meio da cooperação, principalmente, ligadas à doação de alimentos, que não, necessariamente, partiram de nossas cooperativas”, destaca ainda.

Segundo Dal Chiavon, na Itália, 25% da população é filiada a alguma cooperativa, na Argentina são 37%, 44% no Uruguai. Já no Brasil, este índice está em, somente, 8%.

Desde o governo Temer, todo o estímulo de políticas e recursos públicos foi para a grande indústria, que já tem capital para produzir”, denuncia o militante do MST. Ele afirma ainda que, ao priorizar as grandes empresas, o Governo Federal condena o fim das pequenas cooperativas. “De fato, há um déficit histórico no estímulo à cooperação no Brasil, mas, com Bolsonaro, a situação piorou muito”, aponta o presidente da UNICOPAS.

O dirigente explica também que Bolsonaro abandou qualquer política de incentivo à economia solidária. “As políticas que foram criadas durante o governo Lula e Dilma, e permitiram um crescimento significativo das cooperativas de economia solidária, simplesmente, foram abandonadas por Bolsonaro”.

Fruto do estímulo às cooperativas de economia solidária daquele período, atualmente, existem cerca de 1.800 cooperativas de catadores em todo país. De acordo com o  Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), atualmente, existem aproximadamente 1 milhão de pessoas sobrevivendo desta atividade no Brasil, sendo, em sua maioria, mulheres negras.

Governo Bolsonaro desmontou políticas de combate à fome

Apenas quatro em cada dez famílias brasileiras têm acesso pleno à alimentação e 33 milhões de brasileiros passam fome. É o que aponta o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, publicado em junho deste ano e produzidos pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

Comparando esses dados com os identificados em 2020, percebe-se um crescimento de 7,2% no número de pessoas em algum estado de insegurança alimentar. São 14 milhões a mais de pessoas com fome. Ao todo, 125 milhões de brasileiros vivem algum nível de insegurança alimentar.

A este número, soma-se os mais de 10 milhões de desempregados em todo país, segundo dados do IBGE. Além destes, existem 13 milhões de brasileiros e brasileiras em empregos informais, quase 25 milhões de pessoas subutilizadas (quem está desempregado, trabalha menos do que poderia ou não procurou emprego mesmo estando disponível para trabalhar) e uma população desalentada (aquela que não procurara emprego porque não acredita que vai conseguir).

Tal crescimento ocorre no mesmo período em que o Governo Federal avançou no desmonte de uma série de políticas e instrumentos que contribuíam para o combate à fome no país. Políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e órgãos como a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) foram esvaziados, principalmente, a partir de 2016, após o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff.

“A cooperação e cooperativismo são fundamentais para resgatarmos esta massa que está aí desempregada e com fome”, afirma Francisco Dal Chiavon. Para ele, a fome não se resolve pela via do mercado. “É o associativismo que pode produzir saídas para a crise da fome e do desemprego. Pelo mercado capitalista isso jamais se dará, pois, é justamente ele um dos geradores desta situação”, explica.

Já no primeiro ano do governo Bolsonaro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) paralisou todos os processos de aquisição, desapropriação ou qualquer outra forma de obtenção de terra. Na prática, estima-se que 413 processos destes estão parados nos órgãos, impedindo que estes latifúndios improdutivos sejam destinados à produção de alimentos.

No contexto federal, a Assistência Técnica Rural sofreu um corte de 99,9% entre 2020 e 2021. Na prática, somente 7 mil reais foram destinados para ações deste tipo em todo país. O recurso para consolidação de assentamentos foi reduzido em 71,10%, enquanto o crédito para instalação de famílias sofreu um corte de 93,4%.

O Programa de Aquisição de Alimentos foi criado em 2003, no contexto das ações do Fome Zero. Ele buscou viabilizar a compra institucional dos produtos da agricultura familiar, articulando a necessidade de alimentos gerados pelas políticas de assistência social e abastecimento, com a necessidade de comercialização da agricultura familiar.

Entre 2003 e 2020 foram destinados 4,3 bilhões de reais para o programa, com aquisição de mais de 500 tipos de alimentos diferentes. Em 2012, ano de maior execução do programa (quase 840 milhões de reais), mais de 18 mil entidades que atuavam no atendimento a pessoas em situação de insegurança alimentar. Apesar desta relevância, em 2021 o Governo Federal não apontou nenhuma iniciativa para assegurar a execução do Programa.

Além do PAA, o Programa Nacional de Alimentação Escolar foi outro instrumento fundamental na garantia de alimentação saudável para escolas públicas, assegurando que 30% da compra viesse da agricultura familiar. Cerca de 40 milhões de estudantes eram atendidos por esta política. O PNAE já vinha há anos com defasagem dos valores das compras. A proposta de reajuste chegou a ser proposta na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023. No entanto, Bolsonaro vetou a proposta, por, segundo ele, não atender ao interesse público.

Segundo nota técnica publicada pela FIAN Brasil e o Observatório da Alimentação Escolar, o impacto do reajuste dos valores do PNAE seria 15 vezes menor do que os valores destinados ao orçamento secreto. “A oferta de alimentação escolar adequada está associada ao desenvolvimento cognitivo e a permanência na escola para milhões de estudantes”, afirma a nota. O documento ainda destaca que o fornecimento de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar garante renda para diversas famílias de agricultoras e agricultores em todo o país.

“O estado pode garantir que, por meio da agricultura familiar, os mais pobres tenham acesso à alimento saudável”, afirma Francisco Dal Chiavon. Segundo o dirigente, isto justifica a prioridade que o MST dá a programas como o PAA e PNAE. “Com estes programas, podemos dar condições para que o filho do pobre possa se alimentar bem, pelo menos na escola. Se fosse depender de comprar orgânicos nos mercados, os pobres jamais conseguiriam isto”, explica.

CONAB é empresa estratégica no combate à fome

Instrumento central para garantir a existência de políticas como o PAA e PNAE é a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Considerada uma empresa pública, ela é encarregada de gerir as políticas agrícolas e de abastecimento, assegurando o atendimento das necessidades básicas de brasileiros e brasileiras.

“A CONAB é uma empresa estratégica no combate à fome, mas precisa ser reformulada, porque os governos Temer e Bolsonaro acabaram com ela”, explica Dal Chiavon.

Em 2019, o governo fechou 27 armazéns da CONAB, onde eram estocados alimentos comprados pelo governo. Eram estes armazéns os responsáveis pela distribuição e controle dos alimentos e de seus preços, combate à fome, proteção a pequenos agricultores, atuação em casos de desastres ambientais, entre outras políticas.

Em 2013, o país tinha 944 toneladas de arroz estocados, em 2015, mais de 1 milhão de toneladas. Em 2020, eram apenas 22 toneladas, o que não garantia nem uma semana de consumo no país. Ou seja, praticamente inexistem estoques governamentais de alimentos para contingência, intervenção no mercado ou apoio à programas de combate à fome.

“Em um futuro governo que se volte para a questão da fome, a reestruturação da CONAB precisa ser prioridade. Também é necessário um programa de estímulo à organização cooperativa e economia solidária”, destaca Dal Chiavon. Para o dirigente, também precisa ser emergencial a reimplantação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

MST demonstra que agroecologia é viável para alimentar o povo

Entre toda a variedade de produção do Movimento, é possível destacar que há 10 anos ele é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, com mais de 15 mil toneladas de arroz livre de agrotóxicos produzidos na safra 2021/22. Cultivado nas variedades agulhinha e cateto, o arroz é produzido por 296 famílias Sem Terra do Rio Grande do Sul, as quais vivem em 14 assentamentos, distribuídos em 11 municípios gaúchos.

“Com esta experiência, contrapomos um discurso que sempre existia, que dizia que a agroecologia só é possível em pequena escala”, aponta Dal Chiavon. “Podemos produzir em larga escala e alimentar toda a população, mas é necessário, entre outras coisas, um programa de cooperativismo, no qual seja disponibilizado créditos para investimento, para capital de giro, fomento”, destaca.

Segundo o dirigente, existe um acúmulo científico que dá condições para se avançar na agroecologia. “Hoje associamos a produção em larga escala vinculada a descobertas cientificas, como o caso da utilização de bioinsumos, que nos permite abrir mão dos insumos químicos oriundos do petróleo”.

“Ou seja, não precisamos ficar dependentes de exportação de insumos, como o agronegócio. Mas, temos condições de, a partir do apoio do governo, fornecer alimento de qualidade para as famílias brasileiras”, finaliza.

*Editado por Solange Engelmann

Aniversário da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), do MST no Rio Grande do Sul. Foto: Leandro Molina

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