Processo da Comunidade Tanque de Valença se arrasta há quase 14 anos. Com a decisão, fica estabelecido prazo de 240 dias para conclusão de etapa inicial
Procuradoria Regional da República da 1ª Região
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou, por unanimidade, recurso contra a sentença que condenou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a União a concluir o processo de titulação do território quilombola da Comunidade Tanque de Valença, no município de Matinha (MA). A decisão acata pedido do Ministério Público Federal (MPF) pelo não provimento de agravo de instrumento apresentado pela União.
O processo administrativo para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras se arrasta há quase 14 anos. “A demora injustificada e excessiva para o cumprimento do dever imposto pela Carta Magna viola os princípios da razoabilidade, eficiência, legalidade e moralidade administrativa, uma vez que afeta a confiança que o cidadão deposita na Administração Pública”, afirmou o desembargador federal Ney Bello, relator do caso.
O MPF, que ajuizou a ação, considerou caracterizada a omissão indevida dos órgão competentes, em violação aos princípios da legalidade, da eficiência e da razoável duração do processo. “A falta de regularização fundiária impede a aplicação de uma série de políticas públicas, como saúde e educação, já que condicionadas ao reconhecimento territorial, além de impedir a própria sobrevivência da comunidade”, sustenta o procurador regional da República Felício Pontes Jr., que assina o parecer.
Sentença contestada – Uma vez que o processo está parado na primeira etapa há mais de uma década, a decisão proferida pelo Juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Maranhão, agora confirmada pelo TRF1, determinava a conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID) no prazo de 240 dias. Em caso de descumprimento da obrigação, ficou estabelecida multa diária de R$ 5 mil.
Em recurso, a União alegou que não deveria figurar no polo passivo da ação, uma vez que o Incra é a autarquia responsável pelo reconhecimento das áreas ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos. Também evocou a cláusula constitucional da reserva do possível, ao afirmar que cabe à administração pública estabelecer parâmetros para o emprego do dinheiro que administra.
O relator do caso, por sua vez, considerou que o referido procedimento envolve a atuação conjunta de órgãos da administração direta e indireta, nos termos dos arts. 10 a 15 do Decreto n. 4.887/2003, do que decorre a legitimidade passiva da União. O magistrado também afirmou que a reserva do possível ou a necessidade de previsão de dotação orçamentária não se prestam a limitar o reconhecimento e à efetivação de direitos sociais.
“Resta configurado o excesso injustificado de prazo que deve ser coibido, pois não há como eternizar o processo administrativo de regularização das terras, sujeitando as comunidades quilombolas a uma situação de insegurança jurídica flagrantemente contrária aos princípios constitucionais”, afirma o desembargador no voto.
Reparação histórica – Ney Bello considerou que a demora excessiva do poder público na conclusão dos trabalhos de regularização fundiária acarreta consequências nefastas à comunidade. O relator ressaltou a necessidade de reparar os danos advindos do processo de escravidão, que permeou a história do país por mais de 300 anos.
“O instituto legal criado para ao menos amenizar essa dívida histórica com os descendentes de escravos são o direito legal, constitucional e legítimo de regularização das terras tradicionalmente ocupadas pelos remanescentes de quilombos, permitindo assim, o direito de propriedade à comunidade protegida que merece total atenção do poder público”, pondera.
O Ministério Público Federal, em parecer, chamou atenção para a queda vertiginosa na titulação de territórios quilombolas no Brasil, tornando-se raros os casos de publicações de RTDIs e de Portarias de Reconhecimento.
“Nenhum prazo foi respeitado pelo Incra no caso concreto. Ademais, nos últimos 27 anos, o Incra concluiu cerca de 3% da demanda de regularização quilombola. São mais de 1.200 processos administrativos nos escaninhos da autarquia federal sem resposta efetiva. Continua a dívida histórica para com os negros no Brasil”, alerta o parecer.
Processo nº: 1036780-19.2021.4.01.0000
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Arte: Secom/PGR